O caso do Cardeal Raymond Burke é um dos exemplos mais emblemáticos do conflito entre o Papa Francisco e a ala conservadora da Igreja Católica. Burke, que ocupava uma das posições mais importantes da Cúria Romana como Prefeito do Supremo Tribunal da Signatura Apostólica, foi removido deste cargo em 2014 e designado para uma função majoritariamente cerimonial como Patrono da Ordem de Malta.
Burke já era uma figura proeminente antes do papado de Francisco, conhecido por suas posições tradicionalistas e interpretação rigorosa do direito canônico. Durante o pontificado de Bento XVI, ele ganhou ainda mais destaque como uma das vozes mais conservadoras da hierarquia católica americana.
O conflito com Francisco começou logo no início do novo papado. Burke manifestou publicamente sua preocupação com a abordagem pastoral do Papa, especialmente em relação a temas como o acesso à comunhão para divorciados em segunda união e a abertura ao diálogo com pessoas LGBT+. Suas críticas se tornaram mais intensas durante e após o Sínodo da Família em 2014.
A remoção de Burke da Signatura Apostólica foi vista como uma clara mensagem de Francisco aos opositores de suas reformas. Embora oficialmente apresentada como uma reorganização administrativa normal, a transferência para um cargo honorário na Ordem de Malta foi amplamente interpretada como uma despromoção.
Mesmo após sua remoção, Burke continuou sendo uma das vozes mais críticas ao papado. Em 2016, ele foi um dos quatro cardeais que apresentaram as famosas "dubia" (dúvidas formais) ao Papa Francisco, questionando aspectos da exortação apostólica Amoris Laetitia, especialmente sobre a possibilidade de comunhão para divorciados em segunda união.
Em 2017, Burke enfrentou novo revés quando foi efetivamente afastado de seu papel na Ordem de Malta, após uma crise que envolveu o Papa Francisco diretamente na reorganização da ordem. Este segundo afastamento consolidou seu status como um dos principais opositores ao pontificado atual.
Burke continuou suas críticas nos anos seguintes, questionando desde as respostas do Papa à pandemia de COVID-19 até suas posições sobre questões doutrinárias e morais. Ele se tornou uma figura de referência para católicos tradicionalistas que se opõem às reformas de Francisco, especialmente nos Estados Unidos.
O caso Burke ilustra uma das características mais marcantes do pontificado de Francisco: sua disposição para tomar medidas administrativas contra aqueles que se opõem publicamente à sua visão para a Igreja, mesmo quando se trata de figuras de alto escalão. Isso representa uma mudança significativa em relação a papados anteriores, que tendiam a tolerar mais a dissidência interna.
O conflito entre Burke e Francisco também evidencia uma divisão mais profunda na Igreja Católica contemporânea: de um lado, aqueles que, como Burke, defendem uma interpretação mais estrita e tradicionalista da doutrina católica; de outro, aqueles que, como Francisco, advogam por uma abordagem mais pastoral e adaptável às realidades contemporâneas.
Burke continua sendo uma figura influente nos círculos católicos tradicionalistas, exemplificando como mesmo após perder posições formais de poder, um cardeal pode manter significativa influência ideológica e pastoral na Igreja. Seu caso tornou-se um símbolo da tensão entre tradicionalismo e reformismo no catolicismo contemporâneo.