A tese central de Mickens é que o debate sobre a coexistência dos ritos é, em si, ilegítimo. Ele argumenta que o Concílio Vaticano II, como autoridade máxima da Igreja, decretou de forma resoluta a necessidade de uma reforma litúrgica, com uma "esmagadora maioria" dos bispos aprovando os princípios para tal. Sustenta que o Papa Paulo VI supervisionou pessoalmente essa reforma, com a clara intenção de que o novo rito substituísse o antigo, sem qualquer previsão para a sua continuidade.
O autor atribui a sobrevivência do Rito Tridentino aos esforços do Arcebispo Marcel Lefebvre, auxiliado por figuras da Cúria, entre as quais destaca o Cardeal Joseph Ratzinger como um dos seus "aliados mais simpáticos". Mickens recapitula a consulta aos bispos do mundo realizada em 1980, que, segundo ele, demonstrou uma oposição quase unânime (98,68%) a qualquer concessão para o uso do rito antigo, por receio de que isso fomentasse uma "atitude de desafio a tudo o que foi estabelecido pelo Concílio Vaticano II".
A despeito disso, narra o autor, o indulto Quattuor abhinc annos de 1984 foi concedido, um movimento que ele atribui à influência de cardeais como Ratzinger e Oddi. Ele prossegue, detalhando como a comissão de cardeais de 1986 teria concluído que a Missa antiga nunca fora suprimida, uma decisão cujo anúncio teria sido frustrado pela oposição de algumas conferências episcopais. Finalmente, Mickens conclui que as divisões atuais não foram causadas pelo Papa Francisco, mas sim pela decisão de Bento XVI de liberalizar o rito antigo, um ato que teria reaberto "uma ferida que estava cicatrizando lentamente".
A análise de Robert Mickens, embora historicamente detalhada em seus aspectos políticos e eclesiásticos, padece de uma omissão fundamental que invalida toda a sua premissa: ela trata a questão litúrgica como um problema meramente disciplinar, canônico e de preferência pessoal, ignorando por completo a substância teológica e doutrinal que está no cerne da controvérsia. O debate não é sobre a autoridade de um Concílio para reformar a liturgia, mas sobre a natureza e os efeitos desta reforma específica. A questão crucial não é se a Missa antiga foi legalmente suprimida, mas se a Missa Nova representa uma ruptura com a doutrina católica sobre o Sacrifício, o Sacerdócio e a Presença Real.
Um exame teológico detalhado da Missa de Paulo VI revela que ela não é um desenvolvimento orgânico da liturgia romana, mas uma fabricação nova que representa uma quebra substancial com a tradição. Conforme se demonstra em Obra de Mãos Humanas, praticamente tudo na Missa Nova é, de fato, novo: desde o calendário e o lecionário até as orações, os gestos e a própria estrutura do rito (CEKADA, 2010, p. 471). A alegação de Paulo VI de que o novo rito dava "testemunho de uma tradição ininterrupta" é insustentável diante da evidência de uma descontinuidade radical.
O erro subjacente que permeia todo o novo edifício litúrgico é a substituição da teologia católica do Sacrifício pela teologia modernista da assembleia. A própria definição da Missa na Instrução Geral de 1969 — "a assembleia sagrada ou congregação do povo de Deus reunido para celebrar o memorial do Senhor" — omite a essência da Missa como Sacrifício propiciatório oferecido a Deus por um sacerdote, um conceito que é a pedra angular da fé católica e, simultaneamente, o principal obstáculo ao ecumenismo (CEKADA, 2010, p. 142). Ao reduzir a Missa a uma "ceia" e a uma "ação da comunidade", os reformadores adotaram uma teologia protestante e a revestiram com uma terminologia ambígua.
A autoridade do Concílio Vaticano II, frequentemente invocada como um selo de aprovação inquestionável, deve ser examinada com mais cuidado. A Constituição sobre a Sagrada Liturgia, Sacrosanctum Concilium, foi um documento deliberadamente construído com "bombas-relógio" e ambiguidades que foram posteriormente exploradas para justificar reformas que iam muito além do que o texto explicitamente permitia (CEKADA, 2010, p. 102-104, 391). Os "princípios gerais" aprovados pela maioria dos padres conciliares eram suficientemente vagos para permitir que o comitê de implementação, a Consilium, liderado por Annibale Bugnini, executasse um programa revolucionário cujas raízes teológicas remontam aos erros do Movimento Litúrgico do início do século XX, condenados por Pio XII na encíclica Mediator Dei (CEKADA, 2010, p. 33-73).
A discussão sobre se a Missa Tridentina foi ou não "abrogada" é, portanto, um desvio da questão central. Um rito que é doutrinalmente deficiente, que promove a irreverência e que obscurece verdades de fé definidas não pode ser uma opção legítima para um católico, independentemente de seu status legal. A resistência tradicionalista não se baseia primariamente em um argumento canônico, mas em uma obrigação moral de rejeitar um rito que se afasta "de modo impressionante, tanto no todo como nos detalhes, da teologia católica da Santa Missa, como foi formulada na 22ª sessão do Concílio de Trento" (CEKADA, 2010, p. 178).
Portanto, a narrativa de Mickens sobre as manobras políticas da Cúria e as simpatias de certos cardeais obscurece a verdadeira causa da divisão: a imposição de um rito novo, ecumênico e modernista em substituição ao rito que por séculos expressou de forma inequívoca a fé católica. A "ferida" que ele descreve não foi causada por Bento XVI ao permitir o uso da Missa Tridentina, mas por Paulo VI ao promulgá-la. A divisão não é fruto da "chantagem" de um grupo de fiéis, mas a consequência inevitável de se ter dois ritos que expressam duas fés distintas coexistindo no seio da Igreja. Resistir à imposição de um rito que compromete a fé não é "desafio", mas um dever.
Referências
CEKADA, Anthony. Obra de Mãos Humanas: Uma crítica teológica à Missa de Paulo VI. 2. ed. West Chester: Philothea Press, 2010.