🔄A Inversão dos Fins: O Triunfo do Cristianismo Secundário
A análise dos eventos de setembro de 2025 revela um sintoma agudo de uma condição que aflige a Igreja há décadas: a prevalência do que pode ser denominado cristianismo secundário. Este erro consiste em julgar a religião por seus efeitos secundários e subordinados na ordem da civilização, fazendo-os prevalecer sobre os fins sobrenaturais que a caracterizam essencialmente (Amerio, 2011). O "Encontro Mundial sobre a Fraternidade Humana", com seu foco em "amizade social" e "reconhecimento do valor de cada pessoa humana" de forma abstrata, e com a participação de artistas cuja mensagem se centra numa "redenção" e "cura" puramente terrenas, exemplifica perfeitamente essa inversão.
A religião é avaliada não por sua capacidade de conduzir as almas a Deus através da verdade revelada e da graça sacramental, mas por sua utilidade em promover a paz, a tolerância e a fraternidade universal em um plano meramente natural. A caridade cristã, cujo fim é Deus, é substituída por uma filantropia humanitária, cujo fim é o homem. Consequentemente, o evento descrito não é uma expressão da fé católica, mas sim uma manifestação de sua desfiguração, onde o primário (a salvação eterna) é obscurecido e suplantado pelo secundário (o bem-estar temporal).
🤝A Dissolução da Antítese: Fraternidade Sem Caridade
O Magistério perene, como recordado no artigo em análise através de São Pio X, ensina que "não há fraternidade genuína fora da caridade cristã" (Morrison, 2025). A caridade cristã flui do amor a Deus e une os homens em Cristo, conduzindo-os à mesma fé e à mesma felicidade celeste. Qualquer outra forma de fraternidade, baseada no "mero conceito de humanidade", é "pura ilusão, estéril e passageira".
A crise manifestada no evento de 2025 reside precisamente na dissolução da antítese fundamental entre a Igreja e o mundo in maligno positus (I João 5, 19) (Amerio, 2011, p. 2). A lei da Igreja não é conformar-se ao mundo (nolite conformari huic seculo), mas sim modelar sua contraposição a ele segundo as circunstâncias históricas (Amerio, 2011, p. 3). O espetáculo descrito, no entanto, representa uma capitulação. Ao abraçar uma fraternidade naturalista e um ecumenismo que silencia as verdades da fé para promover a unidade em valores seculares, a Igreja deixa de ser a levedura que fermenta o mundo e se torna uma massa que é conformada por ele. A distinção essencial entre a cidade de Deus e a cidade do homem é ofuscada em favor de uma "ecumene humanitária" que obscurece a escatologia (Amerio, 2011, p. 584).
🎭O Culto da Ambiguidade e a Degradação do Sagrado
São Pio X, em sua condenação ao Sillon, alertou contra o "linguajar dinâmico que, ocultando noções vagas e expressões ambíguas com palavras emotivas e altissonantes, é capaz de inflamar os corações dos homens" (Morrison, 2025). Essa crítica ressoa profundamente com a análise do discurso pós-conciliar, que frequentemente emprega uma polissemia textual, permitindo interpretações divergentes e enfraquecendo a clareza dogmática (Amerio, 2011, p. 62). A "fraternidade humana", como promovida no evento, é um desses conceitos vagos, capaz de significar tudo e, portanto, nada de específico do ponto de vista católico.
Essa ambiguidade doutrinária encontra sua expressão visível na degradação do sagrado. Um espetáculo com artistas pop e exibições de drones sobre a Basílica de São Pedro representa a transição do sagrado para o teatral, do venerandum e tremendum da liturgia para o entretenimento profano (Amerio, 2011, p. 502). O espaço sagrado, destinado ao culto de Deus, é transformado em um palco para a celebração do homem e de um ideal puramente humano. Este fenômeno é a consequência lógica de uma teologia que deslocou seu centro de Deus para o homem, manifestando no plano estético e cultural a mesma inversão de fins que ocorre no plano doutrinário.
⚖️Conclusão
A tese apresentada por Morrison, de que o espírito manifestado nos eventos de 2025 é o resultado inevitável do espírito que anima a Igreja desde o Concílio Vaticano II, encontra forte corroboração em uma análise sistemática da crise contemporânea. Os fenômenos descritos — a primazia dos valores seculares, a dissolução da antítese entre a Igreja e o mundo, e a degradação do sagrado — não são incidentes isolados, mas sintomas consistentes de uma profunda transformação (Amerio, 2011, p. 1).
A escolha, portanto, não é meramente entre o estilo de um pontífice e outro, mas entre dois sistemas de pensamento fundamentalmente opostos. De um lado, o sistema católico, fundado na autoridade divina, orientado para fins sobrenaturais e expresso em dogmas claros. Do outro, um sistema novo, que sob o pretexto de "fraternidade", "diálogo" e "abertura ao mundo", promove o princípio da independência humana e dissolve a substância da fé em um vago humanitarismo. A crise não será superada por compromissos, mas apenas por um retorno inequívoco ao princípio católico da autoridade e à pureza da doutrina que São Pio X defendeu.
📚Referências
Amerio, Romano. Iota Unum: Estudio sobre las transformaciones en la Iglesia en el siglo XX. Versión corregida. Septiembre 2011.
Morrison, Robert. Somente o espírito de São Pio X pode quebrar o espírito de Francisco que paira sobre o Vaticano. The Remnant Newspaper, 17 set. 2025.