A introdução de uma Missa “pelo cuidado da criação” não é um evento isolado, mas a consequência lógica de um processo de desfiguração doutrinal que há décadas vem operando no seio da Igreja. Trata-se da aplicação de um princípio modernista, vastamente documentado, que subordina a liturgia a um fim didático e pastoral, transformando-a de um ato de culto teocêntrico em um instrumento de conscientização antropocêntrica.
A teoria da “liturgia pastoral”, promovida por figuras como Josef Jungmann, sustenta que o culto deve ser, antes de tudo, adaptado às “necessidades do povo” e servir como uma espécie de “sala de aula” para a instrução dos fiéis (Obra de Mãos Humanas, p. 50-51). O objetivo, portanto, não é mais a glorificação da Santíssima Trindade e a propiciação pelos pecados, mas a formação da comunidade segundo as urgências do momento. A presente iniciativa alinha-se perfeitamente a esta visão: a “emergência” climática torna-se o novo conteúdo a ser comunicado, e a Missa, o seu veículo. A liturgia deixa de ser a fonte da graça para se tornar um palanque para agendas seculares.
Observa-se que tal procedimento implica a sistemática eliminação ou diluição de conceitos teológicos que se opõem à mentalidade moderna. Um estudo aprofundado da reforma litúrgica demonstra como a chamada “teologia negativa” — noções como a ira divina, o juízo, a necessidade de penitência e o desprezo pelas coisas terrenas — foi expurgada das orações para dar lugar a uma visão mais otimista e horizontal do mundo (Obra de Mãos Humanas, p. 283). A nova Missa “pelo cuidado da criação” inevitavelmente seguirá o mesmo padrão: falará da beleza da natureza, mas silenciará sobre como o pecado do homem feriu a criação; exaltará a “conversão ecológica”, mas omitirá a conversão a Cristo; promoverá a fraternidade universal com o cosmos, mas esquecerá a necessidade do Sacrifício Redentor que reconcilia o homem com Deus. O foco se desloca da Redenção para a “conscientização”.
O próprio texto da notícia denuncia esta inversão ao citar a Constituição Sacrosanctum Concilium, que declara que a liturgia é, “sobretudo, o culto da divina Majestade” (SC 33). Ao contrário, a nova proposta parece ser o culto da “mãe terra”, um sincretismo perigoso que instrumentaliza o sagrado para fins profanos. Este método já foi identificado como uma das marcas da reforma: tomar um valor universalmente aceito (o cuidado com a natureza), inflá-lo com uma carga ideológica e, por fim, inseri-lo na estrutura litúrgica para torná-lo intocável e, de certa forma, "dogmatizá-lo" pela via pastoral.
Esta “socialização da liturgia” é um fruto direto da desregulamentação doutrinal e ritual que se seguiu ao Concílio Vaticano II. A legislação que governa a Missa de Paulo VI, ao permitir uma vasta gama de opções, adaptações e textos inventados, abriu as portas para que qualquer agenda, por mais estranha que seja à fé, encontrasse um lugar no culto (Obra de Mãos Humanas, p. 484). A Missa “pelo cuidado da criação” é apenas mais um “módulo” a ser inserido neste sistema litúrgico pluralista, um sistema que, por sua própria natureza, destrói a unidade da oração e, consequentemente, a unidade da fé.
No fim, o resultado de tal operação é a contínua destruição da doutrina católica na mente dos fiéis. Quando a Missa deixa de ser o Sacrifício de Cristo tornado presente no altar e se transforma em uma campanha de sensibilização, ela perde sua razão de ser. O homem não encontrará Deus em um comício ecológico perfumado com incenso. O que encontrará é um vazio que o levará a buscar o transcendente em outro lugar ou, mais tragicamente, a não buscá-lo mais. A crise de fé não é ignorada, ela é alimentada. Uma liturgia que fala de tudo, exceto de Deus, é uma liturgia que já se rendeu ao mundo.
Referências
CEKADA, Anthony. Obra de Mãos Humanas: Uma crítica teológica à Missa de Paulo VI. 2. ed. West Chester: Philothea Press, 2010.
CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Constituição Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia. 4 de dezembro de 1963.