A nova Igreja da Inglaterra começou a incorporar influências da Reforma Protestante, como as ideias de Martinho Lutero e João Calvino, mas preservou elementos católicos, como a liturgia tradicional e a estrutura episcopal (organização liderada por bispos). Um marco significativo foi a criação do Livro de Oração Comum, elaborado pelo arcebispo de Canterbury Thomas Cranmer em 1549 (com revisões em 1552). Esse livro definiu a liturgia anglicana, equilibrando tradições católicas com princípios protestantes, como a ênfase na leitura das Escrituras.
A consolidação do anglicanismo ocorreu durante o reinado de Elizabeth I (1558–1603), após um período de instabilidade religiosa, incluindo o reinado católico de Maria I. Elizabeth estabeleceu o Acordo Elizabetano em 1559, que posicionou a Igreja Anglicana como a religião oficial da Inglaterra e buscou uma "via média" entre catolicismo e protestantismo. Os 39 Artigos de Religião (1563) formalizaram a doutrina anglicana, combinando teologia reformada (como a justificação pela fé) com práticas católicas, como a liturgia sacramental.
Nos séculos seguintes, o anglicanismo enfrentou desafios internos e externos. No século XVII, tensões entre puritanos, que defendiam reformas protestantes mais radicais, e anglo-católicos, que valorizavam tradições litúrgicas, levaram a conflitos significativos, culminando na Guerra Civil Inglesa (1642–1651). Após a restauração da monarquia em 1660, o anglicanismo foi reafirmado como Igreja estatal, mas a crescente tolerância religiosa permitiu a coexistência de grupos protestantes dissidentes.
Durante o período colonial, o anglicanismo se expandiu para as colônias britânicas, como América do Norte, África e Ásia. Igrejas anglicanas foram estabelecidas em contextos diversos, adaptando-se às culturas locais enquanto mantinham laços com a Igreja da Inglaterra.
No século XIX, o anglicanismo passou por transformações significativas. O Movimento de Oxford (1830–1840) buscou revitalizar elementos católicos na Igreja Anglicana, enfatizando a continuidade com a tradição apostólica e a importância dos sacramentos. Líderes como John Henry Newman defenderam uma visão mais tradicional, mas alguns, incluindo Newman, acabaram se convertendo ao catolicismo romano. Paralelamente, o anglicanismo se expandiu globalmente, com a formação da Comunhão Anglicana, que uniu igrejas autônomas em antigas colônias, como a Igreja Episcopal nos Estados Unidos. Nesse período, o anglicanismo também desenvolveu maior diversidade teológica. Surgiram correntes como o evangelicalismo, que priorizava a autoridade bíblica e a conversão pessoal, e o liberalismo teológico, que se abria a novas interpretações das Escrituras e à crítica histórica.
Nos séculos XX e XXI, a Comunhão Anglicana se consolidou como uma rede global, hoje composta por cerca de 85 milhões de membros em 165 países. As igrejas anglicanas são autônomas, mas unidas simbolicamente pelo arcebispo de Canterbury, que atua como um líder espiritual sem autoridade centralizada. A liturgia, centrada no Livro de Oração Comum (adaptado localmente), e a estrutura episcopal permanecem características centrais.
Contudo, o anglicanismo enfrentou desafios significativos. A ordenação de mulheres, iniciada em algumas províncias na década de 1970, e debates sobre questões de sexualidade, como o casamento entre pessoas do mesmo sexo, geraram divisões. Um marco foi a consagração de Gene Robinson, um bispo abertamente gay, na Igreja Episcopal dos EUA em 2003, que intensificou tensões com igrejas mais conservadoras, especialmente na África e na Ásia. Isso levou à formação de grupos dissidentes, como a Igreja Anglicana da América do Norte (ACNA).
O anglicanismo se distingue por:
Via Média: Equilíbrio entre catolicismo e protestantismo, evitando extremismos.
Autoridade: Combinação de Escrituras, tradição e razão como fontes de fé.
Estrutura: Organização episcopal com bispos, mas com diversidade litúrgica e teológica.
Liturgia: Centrada no Livro de Oração Comum, adaptado por cada província anglicana.
Referências
MacCulloch, D. (2003). The Reformation: A History. Penguin Books.
[Obra que contextualiza a Reforma Protestante e a formação do anglicanismo.]
Moorman, J. R. H. (1980). A History of the Church in England. A & C Black.
[História detalhada da Igreja da Inglaterra, com foco na evolução do anglicanismo.]
Sachs, W. L. (2009). The Transformation of Anglicanism: From State Church to Global Communion. Cambridge University Press.
[Análise da expansão global e dos desafios modernos da Comunhão Anglicana.]