O caso do Cardeal Gerhard Müller representa outro momento crucial no pontificado de Francisco, destacando as tensões entre diferentes visões teológicas e pastorais na Igreja Católica. Müller, que serviu como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (CDF) de 2012 a 2017, teve seu mandato não renovado pelo Papa Francisco de uma maneira que surpreendeu muitos observadores da Igreja.
Müller foi inicialmente nomeado para liderar a CDF pelo Papa Bento XVI, com quem compartilhava uma visão teológica similar e uma abordagem mais tradicional da doutrina católica. Como Prefeito da CDF, ele ocupava uma das posições mais importantes da Igreja, sendo responsável por salvaguardar e promover a doutrina católica - um cargo anteriormente ocupado pelo próprio Bento XVI quando ainda era o Cardeal Ratzinger.
O conflito com Francisco começou a se desenvolver gradualmente, principalmente em torno de diferentes interpretações sobre questões pastorais e doutrinárias. Müller manifestou preocupações sobre algumas das abordagens de Francisco, particularmente em relação à interpretação da Amoris Laetitia e à questão da comunhão para divorciados recasados.
Um dos pontos de maior tensão foi a resistência de Müller às propostas de reforma da CDF sugeridas por Francisco. Em 2017, em um movimento que causou considerável surpresa nos círculos vaticanos, Francisco decidiu não renovar o mandato de Müller como Prefeito da CDF. A decisão foi particularmente notável porque era comum que os Prefeitos da CDF servissem até a idade de aposentadoria (75 anos), e Müller tinha apenas 69 anos na época.
A não renovação foi comunicada a Müller de maneira direta e sucinta, em uma audiência que durou apenas alguns minutos. Segundo relatos, Francisco simplesmente informou Müller que seu mandato não seria renovado, sem oferecer explicações detalhadas. Esta abordagem foi vista por muitos como um indicativo do estilo mais direto de Francisco em lidar com divergências na hierarquia.
Após sua saída, Müller tornou-se mais vocal em suas críticas ao pontificado de Francisco. Ele expressou preocupações sobre o que via como ambiguidades em alguns ensinamentos e decisões do Papa, e defendeu uma interpretação mais tradicional da doutrina católica. Suas declarações públicas frequentemente apontavam para o que ele considerava riscos de relativismo doutrinal e confusão entre os fiéis.
Müller também criticou o que chamou de "cultura do medo" no Vaticano sob Francisco, sugerindo que havia pouca tolerância para visões divergentes e que decisões importantes eram tomadas por um círculo restrito de pessoas próximas ao Papa.