Fiducia Supplicans absolutamente não cairá no esquecimento


Recentemente, o Cardeal Víctor Manuel Fernández, atual Prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, concedeu uma entrevista a Franca Giansoldati, do jornal italiano Il Messaggero. Na ocasião, ao ser questionado sobre o futuro da controversa declaração Fiducia Supplicans — que autoriza bênçãos não-litúrgicas para casais em "situação irregular", incluindo uniões do mesmo sexo —, o Cardeal assegurou que o documento "absolutamente não cairá no esquecimento". Esta declaração, longe de ser um mero comentário administrativo, serve como uma poderosa confirmação da trajetória teológica em curso e reforça a percepção de que tais medidas não são anomalias passageiras, mas sim marcos de um "novo normal" na estrutura da Igreja conciliar.

Um exame atento dos eventos que culminaram na declaração Fiducia Supplicans, bem como a sua subsequente defesa por parte da mais alta autoridade doutrinal, revela uma consistência perturbadora com os princípios que animaram as reformas litúrgicas pós-Vaticano II. A afirmação do Cardeal Fernández não representa um desvio, mas sim a manifestação lógica e esperada de um processo iniciado há décadas. Trata-se, aqui, de um fenômeno que transcende a mera disputa teológica interna à Igreja; é a manifestação, no seio da última grande estrutura religiosa do Ocidente, da mesma dialética de poder que subverteu a política e a filosofia, transformando-as em instrumentos de uma vontade revolucionária.

O princípio subjacente, conforme se argumenta extensamente em Obra de Mãos Humanas, é a substituição da clareza doutrinal por uma ambiguidade "pastoral". A própria distinção que Fiducia Supplicans tenta forçar — entre uma bênção "litúrgica" e uma bênção "pastoral" ou "espontânea" — é um exemplo clássico da metodologia modernista. Esta técnica consiste em criar novas categorias que não possuem fundamento na tradição teológica, com o objetivo de contornar proibições doutrinais claras. O mesmo método foi empregado na reforma litúrgica, onde o conceito de "liturgia pastoral" foi utilizado para justificar a alteração dos ritos, a fim de adequá-los às "necessidades percebidas do homem contemporâneo" (CEKADA, 2010, p. 50-51). Assim como a Missa foi transformada de um ato de culto primariamente teocêntrico em uma "celebração da comunidade", a bênção, antes um sacramental com efeitos e regras definidas, torna-se agora um gesto subjetivo de "acolhimento", desprovido de seu poder objetivo e divorciado das exigências morais. Este procedimento espelha com exatidão a inversão epicurista da teoria pela prática: não se trata de conformar a ação (a bênção) à verdade (a doutrina), mas de alterar a própria noção de verdade para que ela se ajuste a uma prática desejada. A "pastoral", aqui, funciona como a ginástica mental do tetrafármacon, criando uma condição psicológica na qual a contradição com a doutrina se torna não apenas tolerável, mas desejável, como sinal de "abertura" e "misericórdia".

A defesa de tais inovações frequentemente se apoia em uma suposta "continuidade" que, na realidade, representa uma ruptura. O texto da notícia aponta que esta é uma continuidade com o Vaticano II, com Amoris Laetitia e Traditionis Custodes. Esta observação é teologicamente precisa. Existe, de fato, uma continuidade, mas é a continuidade da própria revolução. A mesma mentalidade que permitiu a desregulamentação quase total da Sagrada Liturgia, transformando-a em um campo de experimentação e pluralismo (CEKADA, 2010, p. 165, 169), agora aplica os mesmos princípios à teologia moral e sacramental. A noção de que a fé e a moral podem ser separadas da prática litúrgica e pastoral é uma falácia. O princípio Lex orandi, lex credendi afirma que a lei da oração é a lei da fé. Ao se alterar radicalmente a forma de orar e de agir pastoralmente, altera-se inevitavelmente a própria fé que se crê (CEKADA, 2010, p. 22). O que vemos aqui é a submissão do Logos (a verdade doutrinal, eterna) ao Ethos (a prática humana, temporal), que, por sua vez, é moldado para agradar à Physis (os apetites e sentimentos do "homem moderno"). É a inversão da ordem hierárquica tradicional, um claro sintoma da absorção da dimensão vertical, transcendente, pela horizontalidade imanente do mundo.

Traditionis Custodes atacou a lex orandi da tradição católica ao restringir severamente a Missa Tridentina. Fiducia Supplicans, por sua vez, ataca diretamente a lex credendi, minando a doutrina da Igreja sobre o pecado, o sacramento do matrimônio e a natureza mesma dos sacramentais. Ambas as medidas, portanto, emanam da mesma fonte ideológica: uma teologia que privilegia uma noção fluida de "misericórdia" e "acompanhamento" em detrimento da verdade revelada e da lei divina. Essa "misericórdia", no entanto, não é a virtude teologal cristã, mas a sua contrafação humanitária e secularizada, que, em nome de uma abstrata "dignidade humana", dissolve a distinção objetiva entre bem e mal. É a mesma lógica que, na esfera política, levou à criação do Estado bedel, um poder que, para "proteger" os direitos de todos, acaba por se intrometer em tudo, regulando até a consciência individual sob a bandeira de uma moralidade civil superior a qualquer credo.

Portanto, a permanência do Cardeal Fernández em seu posto e sua defesa intransigente de Fiducia Supplicans não são acidentais. Representam a consolidação de um projeto de longo prazo. As ambiguidades e "bombas-relógio" inseridas nos documentos do Vaticano II (CEKADA, 2010, p. 391) continuam a detonar em diferentes áreas da vida da Igreja. Fiducia Supplicans não é um desvio temporário; é a aplicação consistente dos princípios que desfiguraram a Sagrada Liturgia, agora aplicados à moral. É a passagem da desconstrução do altar para a desconstrução da doutrina. Em suma, assistimos à internalização, no seio da própria estrutura eclesiástica, da religião civil do Estado moderno. A Igreja, em vez de ser a voz da consciência que julga o mundo, aceita ser julgada por ele e adota seus critérios, tornando-se mais uma ONG humanitária a serviço da nova ordem imperial. É a rendição final da autoridade espiritual ao poder temporal, a absorção do sacerdócio na lógica de César.

Referências

CEKADA, Anthony. Obra de Mãos Humanas: Uma crítica teológica à Missa de Paulo VI. 2. ed. West Chester: Philothea Press, 2010.