Um exame atento dos eventos que culminaram na declaração Fiducia Supplicans, bem como a sua subsequente defesa por parte da mais alta autoridade doutrinal, revela uma consistência perturbadora com os princípios que animaram as reformas litúrgicas pós-Vaticano II. A afirmação do Cardeal Fernández não representa um desvio, mas sim a manifestação lógica e esperada de um processo iniciado há décadas. Trata-se, aqui, de um fenômeno que transcende a mera disputa teológica interna à Igreja; é a manifestação, no seio da última grande estrutura religiosa do Ocidente, da mesma dialética de poder que subverteu a política e a filosofia, transformando-as em instrumentos de uma vontade revolucionária.
O princípio subjacente, conforme se argumenta extensamente em Obra de Mãos Humanas, é a substituição da clareza doutrinal por uma ambiguidade "pastoral". A própria distinção que Fiducia Supplicans tenta forçar — entre uma bênção "litúrgica" e uma bênção "pastoral" ou "espontânea" — é um exemplo clássico da metodologia modernista. Esta técnica consiste em criar novas categorias que não possuem fundamento na tradição teológica, com o objetivo de contornar proibições doutrinais claras. O mesmo método foi empregado na reforma litúrgica, onde o conceito de "liturgia pastoral" foi utilizado para justificar a alteração dos ritos, a fim de adequá-los às "necessidades percebidas do homem contemporâneo" (CEKADA, 2010, p. 50-51). Assim como a Missa foi transformada de um ato de culto primariamente teocêntrico em uma "celebração da comunidade", a bênção, antes um sacramental com efeitos e regras definidas, torna-se agora um gesto subjetivo de "acolhimento", desprovido de seu poder objetivo e divorciado das exigências morais. Este procedimento espelha com exatidão a inversão epicurista da teoria pela prática: não se trata de conformar a ação (a bênção) à verdade (a doutrina), mas de alterar a própria noção de verdade para que ela se ajuste a uma prática desejada. A "pastoral", aqui, funciona como a ginástica mental do tetrafármacon, criando uma condição psicológica na qual a contradição com a doutrina se torna não apenas tolerável, mas desejável, como sinal de "abertura" e "misericórdia".
A defesa de tais inovações frequentemente se apoia em uma suposta "continuidade" que, na realidade, representa uma ruptura. O texto da notícia aponta que esta é uma continuidade com o Vaticano II, com Amoris Laetitia e Traditionis Custodes. Esta observação é teologicamente precisa. Existe, de fato, uma continuidade, mas é a continuidade da própria revolução. A mesma mentalidade que permitiu a desregulamentação quase total da Sagrada Liturgia, transformando-a em um campo de experimentação e pluralismo (CEKADA, 2010, p. 165, 169), agora aplica os mesmos princípios à teologia moral e sacramental. A noção de que a fé e a moral podem ser separadas da prática litúrgica e pastoral é uma falácia. O princípio Lex orandi, lex credendi afirma que a lei da oração é a lei da fé. Ao se alterar radicalmente a forma de orar e de agir pastoralmente, altera-se inevitavelmente a própria fé que se crê (CEKADA, 2010, p. 22). O que vemos aqui é a submissão do Logos (a verdade doutrinal, eterna) ao Ethos (a prática humana, temporal), que, por sua vez, é moldado para agradar à Physis (os apetites e sentimentos do "homem moderno"). É a inversão da ordem hierárquica tradicional, um claro sintoma da absorção da dimensão vertical, transcendente, pela horizontalidade imanente do mundo.
Traditionis Custodes atacou a lex orandi da tradição católica ao restringir severamente a Missa Tridentina. Fiducia Supplicans, por sua vez, ataca diretamente a lex credendi, minando a doutrina da Igreja sobre o pecado, o sacramento do matrimônio e a natureza mesma dos sacramentais. Ambas as medidas, portanto, emanam da mesma fonte ideológica: uma teologia que privilegia uma noção fluida de "misericórdia" e "acompanhamento" em detrimento da verdade revelada e da lei divina. Essa "misericórdia", no entanto, não é a virtude teologal cristã, mas a sua contrafação humanitária e secularizada, que, em nome de uma abstrata "dignidade humana", dissolve a distinção objetiva entre bem e mal. É a mesma lógica que, na esfera política, levou à criação do Estado bedel, um poder que, para "proteger" os direitos de todos, acaba por se intrometer em tudo, regulando até a consciência individual sob a bandeira de uma moralidade civil superior a qualquer credo.
Portanto, a permanência do Cardeal Fernández em seu posto e sua defesa intransigente de Fiducia Supplicans não são acidentais. Representam a consolidação de um projeto de longo prazo. As ambiguidades e "bombas-relógio" inseridas nos documentos do Vaticano II (CEKADA, 2010, p. 391) continuam a detonar em diferentes áreas da vida da Igreja. Fiducia Supplicans não é um desvio temporário; é a aplicação consistente dos princípios que desfiguraram a Sagrada Liturgia, agora aplicados à moral. É a passagem da desconstrução do altar para a desconstrução da doutrina. Em suma, assistimos à internalização, no seio da própria estrutura eclesiástica, da religião civil do Estado moderno. A Igreja, em vez de ser a voz da consciência que julga o mundo, aceita ser julgada por ele e adota seus critérios, tornando-se mais uma ONG humanitária a serviço da nova ordem imperial. É a rendição final da autoridade espiritual ao poder temporal, a absorção do sacerdócio na lógica de César.
Referências
CEKADA, Anthony. Obra de Mãos Humanas: Uma crítica teológica à Missa de Paulo VI. 2. ed. West Chester: Philothea Press, 2010.