O autor estrutura sua argumentação em três partes principais: uma análise da crise atual, uma revisão das teorias teológicas que tentam explicá-la e uma interpretação original baseada em profecias bíblicas. Na primeira parte, Hecquard descreve o que considera uma revolução na Igreja desde o Concílio. Ele aponta que, sob a liderança de Paulo VI e seus sucessores, a Igreja adotou ensinamentos aparentemente opostos aos de papas anteriores, como Pio IX e Pio XII, especialmente em temas como liberdade religiosa, ecumenismo e diálogo inter-religioso. A reforma litúrgica do Novus Ordo Missae, as aberturas aos não-católicos e, mais recentemente, as mudanças na moral matrimonial sob o Papa Francisco são, para ele, sinais de ruptura com a tradição. Ele argumenta que essa transformação não é apenas uma adaptação aos tempos modernos, mas uma crise de autoridade que mina a essência da Igreja como guardiã da verdade divina.
Na segunda parte, Hecquard examina as tentativas de explicação para essa crise, recorrendo a uma análise minuciosa de textos pontificais, decretos conciliares e escritos de teólogos dos séculos XVI ao XX, como São Roberto Bellarmino. Ele revisa três hipóteses principais entre os tradicionalistas: 1) as novas doutrinas pós-Vaticano II não estão cobertas pelo carisma da infalibilidade papal, sendo apenas opiniões falíveis; 2) essas doutrinas não contradizem verdadeiramente o ensinamento anterior, mas são mal interpretadas; 3) os papas de Vaticano II são ilegítimos, pois suas eleições seriam inválidas devido a supostas heresias ou filiações a grupos proibidos, como a maçonaria. Hecquard pesa os argumentos de cada posição, destacando suas forças e incoerências. Ele critica, por exemplo, a posição de alguns tradicionalistas, como os seguidores de Dom Marcel Lefebvre, que aceitam os papas mas rejeitam certas reformas, por falta de consistência teológica. Sua análise o leva a uma postura próxima do sedevacantismo — a ideia de que o trono de Pedro está vago desde o Concílio —, mas com nuances próprias.
A terceira parte é a mais original e surpreendente do livro. Hecquard argumenta que a crise atual da Igreja não é apenas um acidente histórico, mas um evento profetizado na Bíblia, especialmente no Livro de Daniel e no Apocalipse. Ele recorre aos Pais da Igreja e a exégeses medievais, como as de São Béat de Liébana, para sustentar que a “grande apostasia”, a “derrota” e a “eclipse” da Igreja são descritas como parte do “Mistério da Iniquidade” que precederá o fim dos tempos. Segundo ele, os comentadores medievais já previam um período em que a Igreja visível seria obscurecida por falsos pastores e doutrinas enganosas, enquanto a verdadeira Igreja permaneceria oculta. Hecquard vê paralelos entre essas profecias e a situação atual: o declínio da fé, a secularização do clero e a confusão doutrinal seriam sinais de que a Igreja atravessa essa crise predita. Ele sugere que os papas pós-conciliares, ao abraçar ideias modernistas inspiradas na filosofia das Luzes, como a fraternidade universal e o relativismo religioso, tornaram-se instrumentos dessa apostasia.
O autor não se limita a diagnosticar o problema; ele propõe que a solução está em reconhecer a vacância do Santo Siège e preservar a fé tradicional até que Deus restaure a Igreja. Sua crítica é feita com respeito, mas é incisiva: ele chama os papas pós-Vaticano II de “heréticos” e questiona sua legitimidade, embora evite ataques pessoais e mantenha um tom acadêmico. Hecquard também reflete sobre as implicações práticas dessa crise, como a perda de influência da Igreja nas sociedades ocidentais e o avanço do secularismo, que ele vê como consequências diretas da fragilidade da autoridade eclesial.
Com cerca de 300 páginas na primeira edição (e mais na segunda, que inclui respostas a críticas), o livro é denso, escrito em um estilo filosófico e teológico que pode ser desafiador para leitores não familiarizados com o tema. Ele é claramente voltado para católicos tradicionalistas, especialmente aqueles simpáticos ao sedevacantismo, mas também busca dialogar com quem deseja entender a crise sob uma perspectiva histórica e profética. A obra gerou controvérsia: foi elogiada por alguns como uma análise corajosa e erudita, mas ignorada por muitos jornalistas e refutada por teólogos como Cyrille Dounot, que a criticaram por sua metodologia e conclusões radicais. Hecquard respondeu a essas críticas na segunda edição, reforçando seus argumentos com mais fontes e reflexões.
Em suma, "A Crise da Autoridade na Igreja" é um convite à reflexão sobre o estado atual da Igreja Católica, combinando uma crítica teológica rigorosa com uma visão apocalíptica que conecta o presente às Escrituras. Para Hecquard, a crise é um sinal dos tempos, e a resposta dos fiéis deve ser a fidelidade à tradição em meio ao caos. Seja visto como um alerta profético ou uma tese polêmica, o livro se destaca como uma contribuição significativa ao debate sobre a autoridade na Igreja pós-Vaticano II.
Biografia
Maxence Hecquard é um filósofo, escritor e acadêmico francês, conhecido por suas obras que combinam teologia, filosofia política e crítica cultural. Formado pela prestigiada ESSEC Business School e pela Faculdade de Direito da Universidade Panthéon-Assas (Paris II), ele também possui uma sólida formação em filosofia, influenciada por seu mentor, o filósofo Pierre Magnard. Além de sua carreira intelectual, Hecquard é um homem de negócios, tendo trabalhado e vivido em cidades como Tóquio, Buenos Aires e Londres, o que enriqueceu sua perspectiva global. Católico tradicionalista, ele colabora com revistas especializadas e é autor de livros como Os Fundamentos Filosóficos da Democracia Moderna (2007, revisado em 2016) e A Crise da Autoridade na Igreja (2019, ampliado em 2023), publicados pela editora Pierre-Guillaume de Roux. Suas obras refletem uma visão crítica do modernismo e das reformas pós-Vaticano II, defendendo a tradição católica com base em argumentos teológicos e históricos.