A Quarta Teoria Política e o Neo-Paganismo de Dugin


No panteão das falsas soluções para a crise da modernidade, poucas se apresentam com o verniz de profundidade e a sedução estratégica do eurasianismo de Aleksandr Dugin. Para um crescente número de nacionalistas e conservadores, exaustos pela tirania do globalismo liberal, a "Quarta Teoria Política" (4TP) surge como um estandarte de resistência, prometendo um mundo multipolar onde as civilizações tradicionais poderiam florescer, livres da hegemonia "atlantista". Dugin, posando como o profeta desta nova era, oferece um inimigo claro — o Ocidente liberal — e uma aliança aparentemente robusta, unindo a Rússia Ortodoxa ao Irã xiita e a outras forças anti-ocidentais. O projeto de Dugin não é uma restauração, mas uma heresia simétrica; não é uma alternativa à Revolução, mas sua manifestação oriental. Longe de ser um aliado na luta pela Civilização, o duginismo revela-se como um veneno ainda mais sutil, uma forma de gnose política que visa substituir o Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo por um sincretismo neo-pagão a serviço de um império terrestre.

Ao se deparar com o eurasianismo, o analista católico se vê diante de uma questão fundamental: a que categoria de inimigo pertence esta doutrina? Não se enquadra perfeitamente no liberalismo, no comunismo ou no fascismo. É esta novidade que o torna um cavalo de Troia ideológico, pois sua natureza híbrida e sua retórica "tradicionalista" enganam os incautos. A verdade é que o duginismo não é uma ideologia distinta, mas uma síntese perversa e pós-moderna dos elementos mais virulentos de seus predecessores, unificados sob a égide da Gnose política. A essência do projeto duginista, seu gênero fundamental, é a de uma Gnose Política Revolucionária. A Gnose, inimiga primordial da Fé, sustenta que a salvação advém de um conhecimento secreto (gnosis), acessível a uma elite iniciada, capaz de reordenar a realidade e acelerar a história em direção a um paraíso imanente. O eurasianismo aplica esta premissa ao campo geopolítico: Dugin se posiciona como o iniciado que detém o conhecimento secreto para "salvar" as civilizações, não para a Vida Eterna, mas para um novo arranjo de poder terrestre. Este corpo gnóstico, contudo, é uma quimera, um monstro montado com órgãos roubados de outras carcaças revolucionárias:

O Esqueleto Fascista: Dugin toma de pensadores como Julius Evola o esqueleto autoritário de seu projeto: o desprezo pela democracia, a exaltação de uma elite guerreira, a visão de um Estado-Império hierárquico e, crucialmente, a Statolatria — a subordinação da religião à função de cimento do Estado. A fé não serve a Deus, mas ao Império.

O Sangue Bolchevique: De sua herança nacional-bolchevique, ele retém o sangue revolucionário: a crítica feroz ao capitalismo, a estratégia leninista de vanguarda e um coletivismo radical que esmaga a dignidade da pessoa humana. Ele apenas substitui o materialismo ateu do marxismo clássico por um combustível espiritualista, que se revela ainda mais tóxico.

A Alma Maçônica: Este é o coração da heresia duginista. Baseado no perennialismo de René Guénon — doutrina de raiz maçônica —, ele postula uma "Tradição Primordial" da qual o Catolicismo seria apenas uma manifestação externa e incompleta. Isto representa o ataque mais sutil e devastador à Fé: a relativização de Nosso Senhor Jesus Cristo e de Sua Igreja. Promove-se o sincretismo, unindo Ortodoxia, Islamismo e Paganismo em uma aliança profana. É a negação frontal do dogma Extra Ecclesiam nulla salus e do Reinado Social de Cristo Rei.

A Máscara Ortodoxa: A piedade ortodoxa que Dugin ostenta é a máscara piedosa deste monstro. Ele não é um fiel, mas um ideólogo que instrumentaliza a Ortodoxia Russa como um marcador de identidade e como a principal barreira espiritual contra o "universalismo católico romano". Ele não busca sanar o cisma, mas aprofundá-lo e eternizá-lo, transformando a divisão da Cristandade em um pilar de seu império. Em suma, o eurasianismo é uma Gnose política que se disfarça de Tradição. Ele não é o inimigo que grita "não há Deus", mas o falso profeta que sussurra: "Vosso Deus é um entre muitos, e deve servir a um propósito maior — o meu". É o veneno oferecido numa taça de ouro, a estratégia do Anticristo: não demolir o altar, mas profaná-lo, colocando sobre ele os ídolos das nações ao lado do Sacrário.

O primeiro e mais fundamental erro de quem se deixa seduzir pelo canto de sereia duginista é a incapacidade de distinguir, como ensinou Olavo de Carvalho, entre o palco da política e os seus bastidores. Dugin é um mestre em dirigir a atenção para o palco. Ele pinta um grandioso afresco geopolítico de uma luta titânica entre dois polos: a "Civilização do Mar" (o globalismo liberal, individualista, materialista) e a "Civilização da Terra" (o eurasianismo tradicional, comunitário, espiritual). Essa dicotomia, no entanto, é uma fraude intelectual. Trata-se de uma falsa oposição que mascara a identidade do verdadeiro agente revolucionário. O que Dugin combate não é o motor da Revolução, mas apenas uma de suas manifestações históricas: o liberalismo. O verdadeiro poder que opera nos bastidores — a mentalidade gnóstica, o projeto de demolição de toda a ordem natural e sobrenatural para a criação de um "novo homem" em um paraíso imanente — permanece intocado e, pior, é servido por sua falsa alternativa. A Quarta Teoria Política não é uma superação das ideologias modernas (liberalismo, comunismo, fascismo), mas uma bricolage, uma montagem artificial de seus elementos mais autoritários, temperada com o esoterismo de René Guénon e o nacional-bolchevismo. Ao oferecer esta "solução", Dugin comete o clássico engodo revolucionário: apresentar-se como o único remédio para o mal que ele mesmo ajuda a perpetuar, eliminando a possibilidade de uma terceira via — a única via verdadeira, que é a restauração da ordem cristã. Seu projeto não visa derrotar a Revolução; visa apenas sequestrar sua liderança, substituindo o comissário de Nova Iorque pelo comissário de Moscou.

Se a análise filosófica revela a fraude meta-política de Dugin, a teologia católica desmascara sua apostasia. O "Tradicionalismo" que Dugin advoga não tem qualquer relação com a Sagrada Tradição da Igreja — o depósito da Fé, imutável e divinamente revelado. Pelo contrário, ele se filia à escola perennialista e maçônica de Guénon, que postula a existência de uma "Tradição Primordial" esotérica da qual todas as religiões, incluindo o Cristianismo, seriam meras adaptações "exotéricas" e parciais. Esta é a essência do Modernismo e do Indiferentismo, condenados com veemência por São Pio X em Pascendi Dominici Gregis e por Pio XI em Mortalium Animos. Para Dugin, Nosso Senhor Jesus Cristo não é o Verbo Encarnado, o único Mediador e Salvador, mas apenas mais uma manifestação do "Logos", equiparado ao Dasein de Heidegger ou a outros princípios civilizacionais. A Ortodoxia Russa, em sua visão, não é valorizada por ser um ramo (ainda que cismático) da Igreja de Cristo, mas por sua utilidade como "cimento identitário" e ferramenta geopolítica do Estado russo, o portador do katechon — um conceito teológico sequestrado e distorcido para fins puramente seculares. Ao subordinar a verdade religiosa ao projeto de poder, Dugin comete a suprema blasfêmia: transforma a religião em ideologia. Sua visão de um mundo multipolar, onde cada civilização possui seu próprio "grande espaço" e sua própria "verdade" religiosa, é a negação cabal da doutrina do Reinado Social de Cristo Rei. A Igreja Católica ensina que todas as nações e todos os governantes devem se submeter à lei de Cristo. Dugin propõe um panteão de deuses civilizacionais, uma coexistência pacífica entre a Verdade e o erro, o que é teologicamente monstruoso e politicamente suicida para qualquer resquício de Cristandade.

A consequência prática desta heresia é a promoção de alianças profanas. O eixo Moscou-Teerã, tão caro a Dugin, é apresentado como uma união sagrada contra o "Grande Satã" americano. Do ponto de vista católico, é uma aliança entre o cisma e a heresia maometana, fundamentada não na busca da verdade, mas no ódio comum a um inimigo político. É a antítese do mandato de Cristo: “Ide, pois, e ensinai a todas as nações” (Mt 28, 19). Em vez de buscar a conversão dos cismáticos e dos infiéis, o duginismo os confirma em seu erro, santificando-o em nome da conveniência geopolítica. Este falso ecumenismo revela a natureza instrumental de sua suposta piedade. A religião torna-se um mero departamento da estratégia militar, um recurso cultural a ser mobilizado na guerra híbrida contra o Ocidente. O projeto duginista não busca restaurar a Santa Rússia, mas construir uma Eurásia neo-pagã com uma fina camada de verniz ortodoxo. É a instrumentalização final da fé, um pecado que ecoa a tentação de Satanás a Nosso Senhor no deserto: "Tudo isto te darei, se, prostrando-te, me adorares" (Mt 4, 9). Dugin e seus seguidores aceitam a oferta, prostrando-se não diante de Cristo Rei, mas do ídolo do Império Eurasiano.

O eurasianismo de Aleksandr Dugin não é uma fortaleza contra a desordem moderna, mas um de seus mais perigosos redutos. É uma armadilha intelectual que oferece um inimigo visível para ocultar o verdadeiro agente revolucionário. É uma heresia teológica que corrompe a noção de Tradição e nega a unicidade e a soberania de Nosso Senhor Jesus Cristo. É um projeto político que, em nome de combater um mal, alia-se a outros tantos, promovendo um sincretismo que é a própria alma da religião do Anticristo. A verdadeira resistência não se encontra na falsa escolha entre o Leviatã liberal de Washington e o Beemote pagão de Moscou. Ambos são filhos da mesma Revolução. A única e autêntica contra-revolução reside na fidelidade intransigente à Fé Católica de sempre, na defesa da verdade integral, na restauração da Santa Missa Tradicional e na proclamação, custe o que custar, de que não há salvação fora da Igreja (Extra Ecclesiam nulla salus) e não há ordem no mundo fora do Reinado Social de Cristo Rei. Qualquer outra via é um desvio que conduz ao mesmo abismo.

Referências

Carvalho, Olavo de. Maquiavel ou A Confusão Demoníaca. Vide Editorial, 2011.
Dugin, Aleksandr. The Fourth Political Theory. Arktos Media, 2012.
Guénon, René. The Crisis of the Modern World. Sophia Perennis, 2001.