São Gregório, em sua monumental Moralia in Job, oferece uma interpretação mística do Livro de Jó, aplicando suas passagens à Igreja e aos fiéis. No Livro 34, ao comentar Jó 41:14 (“Quem abrirá as portas do seu rosto?”), ele identifica o “rosto” como a Igreja em sua manifestação visível nos últimos tempos. Gregório explica que, antes da chegada do Anticristo, a Igreja passará por uma provação singular, marcada pela retirada de seus sinais externos de santidade. Ele escreve: “Pois a profecia está oculta, a graça das curas é retirada, o poder da abstinência prolongada é enfraquecido, as palavras da doutrina estão silenciadas, os prodígios dos milagres são removidos” (Moralia in Job, Liv. 34, §1). Essa descrição não é uma mera especulação escatológica, mas uma exegese fundamentada na tradição patrística, que via no Livro de Jó prenúncios dos sofrimentos e da perseverança da Igreja.
Gregório esclarece que essa retirada dos sinais visíveis é uma “dispensação divina maravilhosa”. A Igreja, aparentemente despojada de sua glória exterior, parecerá “mais abjeta” aos olhos do mundo. No entanto, essa humilhação tem um propósito sobrenatural: testar a fé dos verdadeiros crentes. Aqueles que permanecem fiéis, mesmo sem os sinais de milagres ou a clareza doutrinária, receberão uma recompensa maior, enquanto os ímpios, que buscam apenas os sinais visíveis, cairão em descrença. Como Gregório afirma: “Por essa dispensação, a recompensa dos bons é aumentada, e a malícia dos ímpios é mais rapidamente revelada.”
A profecia de São Gregório pode ser dividida em cinco elementos distintos, cada um apontando para uma dimensão da crise espiritual da Igreja:
“A profecia está oculta”: A capacidade da Igreja de proclamar verdades proféticas, como as visões de futuros eventos ou advertências divinas, será suprimida. Isso não implica que a Igreja perca sua missão profética, mas que, nos últimos tempos, essa função será obscurecida, talvez por falsos profetas ou pela ausência de vozes autorizadas.
“A graça das curas é retirada”: Os milagres de cura, tão comuns na história da Igreja (como os realizados por santos como São Bento ou São Francisco), cessarão ou diminuirão significativamente. Essa ausência enfraquecerá a percepção externa da santidade da Igreja.
“O poder da abstinência prolongada é enfraquecido”: A prática heroica do ascetismo, como jejuns prolongados ou penitências rigorosas, perderá sua força visível. Isso pode refletir uma diminuição da fervorosa disciplina espiritual entre os fiéis.
“As palavras da doutrina estão silenciadas”: A proclamação clara e inequívoca da doutrina católica será suprimida. Isso pode ocorrer pela substituição de ensinamentos ortodoxos por erros, ambiguidades ou silenciamento dos pastores fiéis.
“Os prodígios dos milagres são removidos”: Os milagres, que historicamente confirmaram a verdade da fé católica (como os milagres eucarísticos ou as aparições marianas), não mais ocorrerão em abundância, deixando a Igreja aparentemente desprovida de sinais sobrenaturais.
Para os católicos, a profecia de São Gregório é uma chave para entender a crise eclesial desencadeada pelo Concílio Vaticano II (1962–1965). A Igreja visível, que muitos chamam de “Igreja Novus Ordo”, apresenta características que ecoam a descrição de Gregório: Desde o Vaticano II, os ensinamentos tradicionais sobre a unicidade da Igreja Católica, a necessidade da conversão para a salvação e a moral católica foram obscurecidos por documentos ambíguos e declarações que parecem contradizer a fé de sempre. Por exemplo, a ênfase no ecumenismo e no diálogo inter-religioso, como visto em Unitatis Redintegratio e Nostra Aetate, diluiu a clareza da doutrina católica, substituindo-a por uma linguagem que muitos fiéis consideram confusa ou herética. Embora a Igreja do Vaticano II canonize santos, os processos de canonização modernos frequentemente carecem do rigor tradicional, e os milagres atribuídos são menos frequentes ou menos convincentes. A ausência de prodígios extraordinários, como os milagres eucarísticos de outrora, alinha-se com a previsão de Gregório. As práticas de penitência, como o jejum quaresmal ou a abstinência às sextas-feiras, foram significativamente relaxadas após o Vaticano II. A espiritualidade católica tradicional, marcada por sacrifício e mortificação, foi substituída por uma abordagem mais “humanista” e menos exigente. A voz profética da Igreja, que outrora advertia contra os perigos espirituais e temporais, parece silenciada. Os papas pós-conciliares raramente falam com a autoridade de condenação dos erros modernos, como fizeram Pio IX ou Pio XII.
A interpretação de São Gregório é reforçada por outros santos e teólogos. Santo Afonso de Ligório, em Vitórias dos Mártires (cap. 9), sugere que, nos últimos tempos, a Igreja enfrentará uma perseguição espiritual mais severa que as perseguições físicas, com a doutrina sendo atacada de dentro. O Cardeal Manning, em The Present Crisis of the Holy See (1861), previu que a Igreja seria “espalhada” e pareceria “desaparecer” antes do fim, ecoando a ideia de Gregório de uma Igreja “abjeta”. Além disso, a profecia de La Salette, aprovada pela Igreja, fala de Roma perdendo a fé e se tornando a sede do Anticristo, o que complementa a visão de Gregório sobre o silêncio doutrinário.
Referências
Gregório I, Moralia in Job, Livro 34, §1. Tradução em inglês disponível em Nicene and Post-Nicene Fathers, Série II, Vol. 12.
Afonso de Ligório, Vitórias dos Mártires, cap. 9 (edição inglesa: The Victories of the Martyrs, 1954).
Manning, Henry Edward, The Present Crisis of the Holy See (Londres: Burns & Oates, 1861).
Nossa Senhora de La Salette, Mensagem de 1846, aprovada pela Igreja em 1851.