Orlando Fedeli, renomado historiador brasileiro e doutor pela Universidade de São Paulo, apresentou em sua tese de doutorado, publicada como Elementos Esotéricos e Cabalísticos nas Visões de Anna Katharina Emmerick (Flos Carmeli Edições, 2019), uma análise contundente e crítica sobre as visões da monja alemã Anna Katharina Emmerick (1774–1824). Longe de aceitar as visões como revelações divinas, Fedeli argumenta que elas contêm elementos heréticos, influenciados por esoterismo, cabala e gnosticismo, sendo incompatíveis com a doutrina católica ortodoxa.
Fedeli identifica nas visões, conforme registradas pelo poeta romântico Clemens Brentano, ideias que desafiam os princípios fundamentais do catolicismo. Um exemplo marcante é a descrição de que "de Deus emanou uma matéria", uma noção que Fedeli considera panteísta e contrária ao dogma da criação ex nihilo (do nada). Ele também critica passagens que atribuem à Segunda Pessoa da Trindade ações antropomórficas, como o uso de uma faca para extrair um "Germe da Bênção" de Adão, classificando tais imagens como absurdas e impregnadas de simbolismo cabalístico. Para Fedeli, essas ideias refletem influências de correntes esotéricas, como as do místico Jakob Boehme, citado por Emmerick em relatos de seu médico, Dr. Wesener.
Central à crítica de Fedeli está o papel de Brentano na composição dos textos que popularizaram as visões, como A Dolorosa Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo (1833). Ele endossa estudos, como os do sacerdote agostiniano Winfried Hümpfner, que classificam os escritos como uma "mistificação científica consciente". Fedeli argumenta que Brentano, influenciado pelo romantismo alemão, não apenas transcreveu as narrações de Emmerick, mas as embelezou com elementos de sua própria imaginação, incorporando temas esotéricos e gnósticos. Essa intervenção compromete a autenticidade dos textos, tornando-os, na visão de Fedeli, uma construção literária mais do que uma transcrição fiel.
Fedeli expressa preocupação com a popularidade das visões, especialmente após sua influência no filme A Paixão de Cristo (2004), dirigido por Mel Gibson, que atraiu grande atenção de católicos, particularmente em círculos conservadores. Ele alerta que a disseminação dessas ideias, promovidas por uma "direita esotérica disfarçada de católica", representa um risco à fé ortodoxa, ao apresentar uma visão distorcida dos evangelhos. Para Fedeli, a aceitação acrítica das visões por parte de fiéis demonstra uma falta de discernimento teológico, agravada pela ausência de uma condenação explícita por parte de setores da Igreja.
Um ponto crucial na análise de Fedeli é o processo de beatificação de Emmerick, concluído em 2004 pelo Papa João Paulo II. Ele observa que a Igreja, ao canonizar Emmerick, optou por focar exclusivamente em sua santidade pessoal e virtudes heroicas, desconsiderando os textos das visões como de sua autoria. Fedeli interpreta essa decisão como um reconhecimento implícito de que os escritos contêm problemas doutrinários, reforçando sua tese de que as visões não são confiáveis. Ele sugere que a Igreja agiu com cautela para evitar endossar conteúdos potencialmente heréticos, enquanto ainda honrava a piedade de Emmerick.
A crítica de Orlando Fedeli às visões de Anna Katharina Emmerick é uma denúncia vigorosa do que ele considera uma infiltração de ideias esotéricas e heréticas no catolicismo. Ao destacar os elementos cabalísticos e a influência criativa de Brentano, Fedeli busca alertar os fiéis sobre os perigos de aceitar essas visões como revelações divinas. Sua análise, embora polêmica, reflete um compromisso com a defesa da ortodoxia católica, chamando atenção para a necessidade de um exame crítico das fontes que moldam a espiritualidade popular.