O texto de Vigano apresenta uma tese contundente sobre um episódio recente envolvendo o papa Leão XIV, e sua justificativa para a premiação do Senador Dick Durbin, um político notoriamente favorável ao aborto, pela Arquidiocese de Chicago. A tese central do texto é que a postura de Prevost representa uma capitulação modernista que relativiza a gravidade intrínseca do aborto ao equipará-lo a outras questões sociais, como a pena de morte e a imigração. Essa abordagem, argumenta-se, utiliza a pseudo-doutrina da "veste inconsútil" de Joseph Bernardin como pretexto para "domesticar" o ensinamento da Igreja, esvaziando-o de sua força profética em nome da prudência política e da recusa em "polarizar". Tal atitude, conclui o texto, não apenas escandaliza os fiéis, mas também revela uma cumplicidade com a dissolução moral da sociedade, alinhando-se a uma agenda secularista em detrimento do testemunho intransigente da Fé.
A controvérsia em questão, embora específica ao contexto eclesiástico, serve como um microcosmo exemplar das patologias políticas e teológicas que afligem a civilização ocidental desde o seu divórcio com a Cristandade. A análise que se segue, fundamentada nos princípios explorados na obra Liberty, The God That Failed, demonstrará que a atitude atribuída ao Prevost não é um desvio isolado, mas sim o resultado lógico e inevitável da subordinação da religião à estrutura de poder e à epistemologia do Estado secular liberal, um projeto cuja arquitetura foi primeiramente delineada por John Locke e plenamente realizada na fundação da República Americana.
🤔A Relativização da Verdade Moral e a Lei da Opinião
A afirmação de que questões como o aborto são "muito complexas" e que "ninguém tem toda a verdade sobre elas" é um sintoma clássico da epistemologia cética que o Iluminismo impôs ao Ocidente. Essa mentalidade representa uma ruptura radical com a tradição greco-católica, que se baseava na certeza de que a verdade moral objetiva é cognoscível e vinculante. Locke, em sua Lei da Opinião, propôs que, na prática, os conceitos de "virtude e vício" são constantemente atribuídos não a ações intrinsecamente boas ou más, mas àquilo que, em cada sociedade, goza de "reputação ou descrédito" (Ferrara, 2012, p. 58).
Quando um prelado da Igreja adota essa retórica, ele transfere o debate do domínio da lei divina e natural — onde o aborto é um mal absoluto e inegociável — para o domínio da opinião pública e da deliberação política secular. Nesse novo terreno, a verdade não é mais uma rocha sobre a qual a sociedade deve se construir, mas uma mercadoria a ser negociada no mercado de ideias. A consequência inevitável é a perda da autoridade moral da Igreja, que, em vez de proclamar a Verdade que liberta os homens, passa a gerir opiniões em um esforço para manter sua relevância social e evitar o conflito com o poder secular. Essa é precisamente a função que o Estado liberal designa para a religião: ser uma voz entre outras, despojada de qualquer pretensão de autoridade final.
🏛️A Subordinação da Igreja ao Estado e o Mito da Liberdade Religiosa
A tese em discussão aponta a preocupação em "evitar a polarização" como um motivo central para a postura de Prevost. Essa preocupação é o reflexo direto da Lei da Tolerância de Locke, que obriga todas as religiões a adotarem a tolerância como dogma fundamental para serem, elas mesmas, toleradas pelo Estado (Ferrara, 2012, p. 88). O Estado liberal não exige que a Igreja renuncie à sua doutrina internamente, mas sim que ela se abstenha de impor essa doutrina de forma "divisiva" na esfera pública.
Esse é o cerne do "mito americano da liberdade religiosa": a religião é "livre" apenas enquanto permanece no âmbito privado e não desafia o monismo de poder do Estado secular (Ferrara, 2012, p. 511). O discurso de John F. Kennedy aos líderes batistas em 1960, no qual prometeu que nenhum prelado católico lhe diria como agir e que a Igreja não falaria por ele em assuntos públicos, é o exemplo paradigmático dessa capitulação (Ferrara, 2012, p. 512). Ao buscar um terreno comum com um político cuja carreira pública se opõe frontalmente a um princípio não negociável da fé, a hierarquia adota, na prática, a mesma postura de subordinação. O "diálogo" com o poder político secular ocorre nos termos estabelecidos pelo próprio poder, que exclui de antemão qualquer reivindicação de verdade absoluta que possa perturbar o consenso liberal.
🧵A "Veste Inconsútil" como Ferramenta Liberal
A análise da doutrina da "veste inconsútil" como um instrumento que permite aos políticos "católicos" apoiarem o aborto é precisa. Dentro da estrutura de Liberty, The God That Failed, essa doutrina pode ser vista como uma manifestação teológica do projeto liberal de "amansar" o cristianismo (Ferrara, 2012, p. 516). Ao dissolver a distinção hierárquica entre males intrínsecos (como o assassinato de inocentes) e problemas sociais complexos (como a pena de morte, cuja legitimidade em certos casos é tradicionalmente admitida pela Igreja, ou as políticas de imigração, que são de ordem prudencial), a doutrina da "veste inconsútil" transforma a moralidade católica em um cardápio de "questões de consciência".
Essa abordagem é perfeitamente funcional para o Estado liberal. Ela permite que políticos como o Senador Durbin professem uma identidade católica enquanto promovem ativamente uma "cultura da morte", justificando-se com seu apoio a outras "questões de vida". A moralidade se torna uma questão de cálculo pessoal e político, não de submissão a uma lei objetiva. Isso representa o triunfo da "política do corpo" sobre a "política da alma" — o Estado se preocupa apenas com a gestão de interesses temporais, e a Igreja é convidada a participar desse processo, desde que aceite as regras do jogo, que proíbem a proclamação de verdades morais absolutas e vinculantes para a ordem política (Ferrara, 2012, p. 546).
⚖️A Abdicação do Papel Moral do Estado
A tese submetida afirma, corretamente, que o Estado, "para ser consistente com o propósito para o qual existe, deveria proibir e punir o aborto". Essa visão ecoa a tradição greco-católica, que entende o Estado como uma instituição moral cuja finalidade é promover a virtude e o bem comum, incluindo a proteção da alma de seus cidadãos contra o mal público (Ferrara, 2012, p. 18). Platão, por exemplo, defendia a censura estatal a materiais imorais para que os jovens não fossem "criados entre os símbolos do mal" (Ferrara, 2012, p. 17).
O Estado liberal, no entanto, foi fundado sobre a premissa oposta: a de que o magistrado "não tem nada a ver com o bem das almas" e deve se limitar a garantir a paz civil e a propriedade (Ferrara, 2012, p. 82). Ao tratar o aborto como um "direito humano" ou uma questão de escolha pessoal, o Estado moderno não está sendo "neutro"; ele está, de fato, estabelecendo uma anti-teologia, uma moralidade estatal baseada na autonomia individual absoluta que se opõe diretamente à lei de Deus. A hesitação de figuras eclesiásticas em condenar inequivocamente os políticos que promovem essa desordem é uma forma de aquiescência a essa abdicação moral do Estado, aceitando como legítima a estrutura política que torna o mal legalmente permissível.
Em conclusão, a controvérsia em torno do Prevost e do Senador Durbin não é um mero lapso de julgamento, mas um sintoma agudo do estado avançado de decomposição da Cristandade. Revela uma hierarquia que, em grande parte, internalizou as premissas do liberalismo, trocando a autoridade profética da Igreja por um assento à mesa do poder secular. Ao fazê-lo, ela cumpre, tragicamente, o destino que o deus fracassado da Liberdade reservou para a religião: ser uma opinião privada, domesticada e, em última análise, irrelevante para a salvação das almas e da própria sociedade.
A controvérsia em questão, embora específica ao contexto eclesiástico, serve como um microcosmo exemplar das patologias políticas e teológicas que afligem a civilização ocidental desde o seu divórcio com a Cristandade. A análise que se segue, fundamentada nos princípios explorados na obra Liberty, The God That Failed, demonstrará que a atitude atribuída ao Prevost não é um desvio isolado, mas sim o resultado lógico e inevitável da subordinação da religião à estrutura de poder e à epistemologia do Estado secular liberal, um projeto cuja arquitetura foi primeiramente delineada por John Locke e plenamente realizada na fundação da República Americana.
🤔A Relativização da Verdade Moral e a Lei da Opinião
A afirmação de que questões como o aborto são "muito complexas" e que "ninguém tem toda a verdade sobre elas" é um sintoma clássico da epistemologia cética que o Iluminismo impôs ao Ocidente. Essa mentalidade representa uma ruptura radical com a tradição greco-católica, que se baseava na certeza de que a verdade moral objetiva é cognoscível e vinculante. Locke, em sua Lei da Opinião, propôs que, na prática, os conceitos de "virtude e vício" são constantemente atribuídos não a ações intrinsecamente boas ou más, mas àquilo que, em cada sociedade, goza de "reputação ou descrédito" (Ferrara, 2012, p. 58).
Quando um prelado da Igreja adota essa retórica, ele transfere o debate do domínio da lei divina e natural — onde o aborto é um mal absoluto e inegociável — para o domínio da opinião pública e da deliberação política secular. Nesse novo terreno, a verdade não é mais uma rocha sobre a qual a sociedade deve se construir, mas uma mercadoria a ser negociada no mercado de ideias. A consequência inevitável é a perda da autoridade moral da Igreja, que, em vez de proclamar a Verdade que liberta os homens, passa a gerir opiniões em um esforço para manter sua relevância social e evitar o conflito com o poder secular. Essa é precisamente a função que o Estado liberal designa para a religião: ser uma voz entre outras, despojada de qualquer pretensão de autoridade final.
🏛️A Subordinação da Igreja ao Estado e o Mito da Liberdade Religiosa
A tese em discussão aponta a preocupação em "evitar a polarização" como um motivo central para a postura de Prevost. Essa preocupação é o reflexo direto da Lei da Tolerância de Locke, que obriga todas as religiões a adotarem a tolerância como dogma fundamental para serem, elas mesmas, toleradas pelo Estado (Ferrara, 2012, p. 88). O Estado liberal não exige que a Igreja renuncie à sua doutrina internamente, mas sim que ela se abstenha de impor essa doutrina de forma "divisiva" na esfera pública.
Esse é o cerne do "mito americano da liberdade religiosa": a religião é "livre" apenas enquanto permanece no âmbito privado e não desafia o monismo de poder do Estado secular (Ferrara, 2012, p. 511). O discurso de John F. Kennedy aos líderes batistas em 1960, no qual prometeu que nenhum prelado católico lhe diria como agir e que a Igreja não falaria por ele em assuntos públicos, é o exemplo paradigmático dessa capitulação (Ferrara, 2012, p. 512). Ao buscar um terreno comum com um político cuja carreira pública se opõe frontalmente a um princípio não negociável da fé, a hierarquia adota, na prática, a mesma postura de subordinação. O "diálogo" com o poder político secular ocorre nos termos estabelecidos pelo próprio poder, que exclui de antemão qualquer reivindicação de verdade absoluta que possa perturbar o consenso liberal.
🧵A "Veste Inconsútil" como Ferramenta Liberal
A análise da doutrina da "veste inconsútil" como um instrumento que permite aos políticos "católicos" apoiarem o aborto é precisa. Dentro da estrutura de Liberty, The God That Failed, essa doutrina pode ser vista como uma manifestação teológica do projeto liberal de "amansar" o cristianismo (Ferrara, 2012, p. 516). Ao dissolver a distinção hierárquica entre males intrínsecos (como o assassinato de inocentes) e problemas sociais complexos (como a pena de morte, cuja legitimidade em certos casos é tradicionalmente admitida pela Igreja, ou as políticas de imigração, que são de ordem prudencial), a doutrina da "veste inconsútil" transforma a moralidade católica em um cardápio de "questões de consciência".
Essa abordagem é perfeitamente funcional para o Estado liberal. Ela permite que políticos como o Senador Durbin professem uma identidade católica enquanto promovem ativamente uma "cultura da morte", justificando-se com seu apoio a outras "questões de vida". A moralidade se torna uma questão de cálculo pessoal e político, não de submissão a uma lei objetiva. Isso representa o triunfo da "política do corpo" sobre a "política da alma" — o Estado se preocupa apenas com a gestão de interesses temporais, e a Igreja é convidada a participar desse processo, desde que aceite as regras do jogo, que proíbem a proclamação de verdades morais absolutas e vinculantes para a ordem política (Ferrara, 2012, p. 546).
⚖️A Abdicação do Papel Moral do Estado
A tese submetida afirma, corretamente, que o Estado, "para ser consistente com o propósito para o qual existe, deveria proibir e punir o aborto". Essa visão ecoa a tradição greco-católica, que entende o Estado como uma instituição moral cuja finalidade é promover a virtude e o bem comum, incluindo a proteção da alma de seus cidadãos contra o mal público (Ferrara, 2012, p. 18). Platão, por exemplo, defendia a censura estatal a materiais imorais para que os jovens não fossem "criados entre os símbolos do mal" (Ferrara, 2012, p. 17).
O Estado liberal, no entanto, foi fundado sobre a premissa oposta: a de que o magistrado "não tem nada a ver com o bem das almas" e deve se limitar a garantir a paz civil e a propriedade (Ferrara, 2012, p. 82). Ao tratar o aborto como um "direito humano" ou uma questão de escolha pessoal, o Estado moderno não está sendo "neutro"; ele está, de fato, estabelecendo uma anti-teologia, uma moralidade estatal baseada na autonomia individual absoluta que se opõe diretamente à lei de Deus. A hesitação de figuras eclesiásticas em condenar inequivocamente os políticos que promovem essa desordem é uma forma de aquiescência a essa abdicação moral do Estado, aceitando como legítima a estrutura política que torna o mal legalmente permissível.
Em conclusão, a controvérsia em torno do Prevost e do Senador Durbin não é um mero lapso de julgamento, mas um sintoma agudo do estado avançado de decomposição da Cristandade. Revela uma hierarquia que, em grande parte, internalizou as premissas do liberalismo, trocando a autoridade profética da Igreja por um assento à mesa do poder secular. Ao fazê-lo, ela cumpre, tragicamente, o destino que o deus fracassado da Liberdade reservou para a religião: ser uma opinião privada, domesticada e, em última análise, irrelevante para a salvação das almas e da própria sociedade.
Referências
Ferrara, Christopher A. Liberty, the god that failed: policing the sacred and the myth-making of the secular state, from Locke to Obama. New York: Angelico Press, 2012.