🏛️Análise da Tese à Luz da Crítica Litúrgica
A tese apresentada levanta questões cruciais sobre a natureza e os limites da autoridade magisterial do Romano Pontífice. A premissa central de que a autoridade papal não se limita a raras declarações ex cathedra está em plena conformidade com a teologia católica. De fato, a proteção divina prometida a Pedro e seus sucessores estende-se ao seu ensinamento contínuo, garantindo que a Igreja universal não seja conduzida ao erro em matéria de fé e moral. Contudo, a aplicação desta premissa sólida deve ser estendida às suas consequências lógicas, especialmente no que tange à disciplina universal da Igreja, onde a liturgia ocupa um lugar preeminente.
A teologia católica sempre sustentou que o poder de ensinar do Papa (potestas magisterii) está intrinsecamente ligado ao seu poder de governar (potestas iurisdictionis). Isso significa que as leis disciplinares universais promulgadas por um Papa, como um novo rito da Missa, não podem ser nocivas às almas nem contraditórias à doutrina da fé. O adágio lex orandi, lex credendi (a lei da oração é a lei da fé) encapsula esta verdade: a liturgia da Igreja é a fé em ação e, portanto, deve ser um veículo seguro da doutrina ortodoxa. Assim, um rito universalmente imposto por um Pontífice legítimo goza, no mínimo, de uma infalibilidade negativa, ou seja, a garantia de que não contém erros doutrinários nem preceitos que sejam perigosos para a fé.
📉A Ruptura Doutrinária do Novus Ordo Missae
É precisamente neste ponto que a aplicação da tese se torna problemática quando confrontada com a reforma litúrgica pós-conciliar. Uma análise teológica detalhada da Missa de Paulo VI revela não uma mera mudança de solenidade, mas uma profunda ruptura com a teologia católica sobre a Santa Missa, o sacerdócio e a Presença Real. A nova liturgia, ao invés de refletir e proteger a fé tradicional, obscurece-a sistematicamente.
Por exemplo, a definição da Missa apresentada na Instrução Geral do Missal Romano de 1969 descreve-a como "a ceia do Senhor, ou seja, a assembleia ou reunião do povo de Deus", onde Cristo está presente primordialmente na assembleia reunida (Cekada, 2010, p. 142-147). Esta definição ecoa a teologia protestante e minimiza a doutrina central de que a Missa é o Sacrifício propiciatório do Calvário, tornado presente de forma incruenta no altar.
Esta mudança conceitual é reforçada pela supressão quase total do rito do Ofertório tradicional. Orações como o Suscipe, Sancte Pater e o Offerimus tibi, Domine, que expressavam inequivocamente a natureza sacrificial e propiciatória da oferta, foram substituídas por bênçãos de inspiração judaica que se assemelham a uma simples preparação da mesa (Cekada, 2010, p. 347-352). A própria estrutura da Oração Eucarística II, a mais utilizada, foi criticada por seu "empobrecimento deplorável" e pela ambiguidade em relação ao caráter sacrificial da Missa (Cekada, 2010, p. 407-410).
Adicionalmente, a revisão sistemática das Orações Coletas resultou na eliminação de temas fundamentais da espiritualidade católica, como o desapego do mundo, a ira de Deus contra o pecado, a necessidade da penitência, os méritos dos santos e a realidade dos milagres, promovendo em seu lugar uma "nova perspectiva" de engajamento com valores terrenos (Cekada, 2010, p. 283-295).
⚖️A Conclusão Inevitável: Autoridade e a Promulgação de um Rito Nocivo
Se, como a tese corretamente afirma, o Papa goza de ampla autoridade e proteção divina em seu magistério, e se esta autoridade se estende à disciplina universal, torna-se teologicamente impossível que um verdadeiro Pontífice Romano promulgue e imponha a toda a Igreja um rito que é, em si mesmo, doutrinariamente ambíguo, protestantizado e perigoso para a fé dos fiéis. A promulgação da Missa de Paulo VI não pode ser comparada a uma encíclica que condena um erro; pelo contrário, é um ato disciplinar universal que, na prática, institucionaliza o erro e a ambiguidade.
Portanto, a força do argumento da tese sobre a autoridade papal, quando aplicada consistentemente, não leva à conclusão de que os católicos devem aceitar a nova liturgia em obediência. Em vez disso, leva a uma conclusão muito mais grave: um rito que representa uma "ruptura com a tradição" e a "destruição da doutrina católica" (Cekada, 2010, p. 471-478) não pode ter sido promulgado com a autoridade de Cristo. A questão, portanto, não é sobre os limites da obediência a um Papa legítimo, mas sobre se a autoridade que promulgou uma "obra de mãos humanas" era, de fato, legítima.
🏁Conclusão
A tese em discussão defende corretamente a amplitude da autoridade magisterial do Papa, para além das definições solenes. No entanto, falha em aplicar este princípio à crise litúrgica. Se o Papa é protegido de impor leis universais nocivas à Igreja, então a natureza intrinsecamente problemática da Missa de Paulo VI constitui uma evidência irrefutável de que algo fundamentalmente anômalo ocorreu. A consistência teológica exige que se reconheça que um rito que obscurece a fé não pode emanar da autoridade que tem como carisma principal confirmá-la.
📚Referências
Cekada, Anthony. Obra de Mãos Humanas: Uma crítica teológica à Missa de Paulo VI. 2. ed. São Paulo: Philothea Press, 2010.