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Livro: O Fim do Mundo Moderno, de Romano Guardini


Romano Guardini argumenta que a era moderna, caracterizada pelo humanismo, racionalismo e confiança ilimitada na ciência e no progresso, chegou ao seu fim. Ele identifica uma crise espiritual e cultural, marcada pela fragmentação dos valores e pela perda de um sentido transcendente da existência. O livro reflete sobre o impacto dessa transição e propõe uma visão cristã para o futuro.

🌅 Fim da Modernidade:
Guardini observa que a modernidade, iniciada com o Renascimento e consolidada pelo Iluminismo, baseou-se na centralidade do homem autônomo, na razão como ferramenta suprema e na ciência como solução para todos os problemas. No entanto, ele argumenta que essa visão levou a uma desumanização, com o homem se tornando vítima de suas próprias criações (tecnologia, sistemas políticos opressivos, etc.). A Primeira e a Segunda Guerra Mundial são exemplos concretos do colapso dessa confiança ingênua no progresso.

🤔 A Crise do Homem Moderno:
O autor aponta que o homem moderno perdeu a conexão com o transcendente (Deus, valores espirituais) e vive uma existência fragmentada, dominada por abstrações e pela lógica utilitária. Isso resulta em alienação, niilismo e uma sensação de vazio existencial.

🌄 A Nova Era:
Guardini sugere que o fim da modernidade abre espaço para uma nova era, mas alerta que ela pode ser tanto perigosa quanto promissora. Ele prevê um mundo dominado pela tecnologia e por estruturas de poder impessoais, onde o indivíduo pode ser esmagado por sistemas coletivistas ou totalitários. Contudo, também vê a possibilidade de renovação espiritual, caso o homem redescubra sua relação com Deus e com valores éticos.

✝️ Perspectiva Cristã:
Como teólogo, Guardini propõe que a resposta à crise moderna está na fé cristã, que oferece um equilíbrio entre a liberdade individual e a responsabilidade perante o transcendente. Ele enfatiza a necessidade de uma nova antropologia cristã, que reconheça a dignidade humana sem cair no antropocentrismo arrogante da modernidade.

🔭 Desafios Futuros:
O autor destaca que a nova era exigirá do homem uma postura de vigilância e discernimento. A tecnologia, embora poderosa, deve ser subordinada a valores éticos e espirituais. Guardini apela por uma educação que forme pessoas conscientes de sua responsabilidade perante Deus, os outros e o mundo.

📖 Sobre o autor
A influência de Romano Guardini no Concílio Vaticano II foi sobretudo indireta, mas decisiva: sua obra O Espírito da Liturgia (1918) e seus escritos sobre a formação cristã moldaram toda uma geração de teólogos e pastores que atuaram como peritos conciliares, entre eles Joseph Ratzinger, Karl Rahner e Yves Congar. Guardini enfatizava que a liturgia não era uma devoção privada, mas a ação pública da Igreja, na qual Cristo continua a atuar sacramentalmente e o fiel participa ativamente como membro de um corpo vivo. Essa visão, ao propor uma redescoberta da dimensão comunitária e objetiva do culto, ofereceu fundamentos para a Sacrosanctum Concilium, especialmente em sua insistência na “participação plena, consciente e ativa” dos fiéis (SC 14), expressão que ecoa diretamente preocupações guardinianas. Embora Guardini não tenha redigido documentos do Concílio, seu pensamento funcionou como uma espécie de matriz espiritual e intelectual para a renovação litúrgica oficializada em 1963.

Livro: Os Novos Possuídos, de Jacques Ellul (Uma Análise Crítica das Religiões Seculares na Sociedade Técnica)


Contrariamente à crença generalizada de um mundo moderno racional e ateu, argumenta-se que a sociedade técnica ocidental não testemunhou o desaparecimento da religião, mas sim a sua metamorfose e transferência para novos objetos de adoração. O declínio da Cristandade não resultou em um vácuo espiritual, mas abriu espaço para o surgimento de novas e poderosas religiões seculares — notadamente a política, a técnica e o consumo —, que agora possuem o homem moderno de uma forma ainda mais totalitária, precisamente porque não são reconhecidas como tal.

⛪️A Desconstrução do Mito da Secularização
O ponto de partida para compreender a condição moderna é corrigir um erro monumental de diagnóstico. A tese da "secularização", popularizada por teólogos e sociólogos contemporâneos, baseia-se numa premissa falha: a de que o declínio do cristianismo equivale ao declínio da religião em geral. Esta generalização apressada confunde o fim de uma formação histórica específica, a Cristandade, com o fim da necessidade religiosa humana (Ellul, 1978).

A sociedade atual não é irreligiosa; ela é pós-cristã. Isso significa que, embora tenha abandonado as estruturas e evidências da Cristandade, ela permanece profundamente marcada por sua herança, manifestando traumas, esperanças e necessidades espirituais de forma secularizada. O homem não se tornou "adulto" e racional, mas simplesmente encontrou novos deuses para preencher o vazio deixado pelo antigo.

🧭O Deslocamento do Sagrado
O sagrado, entendido como a esfera do intocável, do absoluto e do que dá ordem ao mundo, não foi eliminado; foi deslocado. Enquanto nas sociedades tradicionais o sagrado se manifestava na Natureza, na sociedade moderna ele foi transferido para o novo ambiente existencial do homem: o meio técnico e social.

Identificam-se dois eixos principais em torno dos quais o novo sagrado se organiza, cada um com um polo de "ordem" e outro de "transgressão":
Eixo Técnica-Sexo: A Técnica representa o sagrado da ordem, da eficiência e do poder. É intocável e reverenciada. Em contrapartida, o Sexo, em sua exaltação moderna, funciona como o sagrado da transgressão, a força dionisíaca que promete a libertação do ordenamento técnico.
Eixo Estado-Nação/Revolução: O Estado-Nação consolida-se como o outro grande sagrado da ordem, exigindo devoção absoluta e sacrifício. A Revolução emerge como seu contrapolo, o sagrado da transgressão, a festa caótica que busca quebrar essa ordem estabelecida (Ellul, 1978).

📜O Surgimento de Novos Mitos
Este novo sagrado é sustentado por um conjunto de mitos modernos que funcionam como uma "imagem global motriz", uma representação irracional e poderosa que explica a realidade e mobiliza a ação. Os mitos fundamentais de nossa era são:
A História: Elevada de simples relato a uma força com sentido próprio, juíza suprema do bem e do mal.
A Ciência: Vista não como um método, mas como a fonte da verdade absoluta, da salvação e de um poder ilimitado.

Destes, derivam-se mitos secundários ou "imagens-crença" que permeiam o imaginário coletivo, como o Progresso, a Juventude, a Felicidade (material) e a luta de classes (Ellul, 1978).

🏛️As Manifestações das Religiões Seculares
Os novos sagrados e mitos se organizam em religiões concretas, com rituais, dogmas e comunidades de fiéis. Estas se manifestam de duas formas principais.

A primeira são as expressões mais difusas e espontâneas: a proliferação da astrologia e do esoterismo, a cultura hippie como busca por comunidade espiritual, o uso da droga como experiência mística, a exaltação da violência como ato purificador e, sobretudo, o consumo como um culto frenético, com a publicidade servindo de liturgia.

A segunda, e mais estruturada, é a Religião Política. Regimes como o nazismo, o stalinismo e o maoísmo não são meras ideologias, mas religiões seculares completas, que replicam ponto por ponto a estrutura de uma religião tradicional: o líder divinizado (Deus), o partido (clero), os textos fundadores (Escrituras Sagradas), a teoria (dogma), os heróis (santos) e os desfiles massivos (culto) (Ellul, 1978). Esta religiosidade política, longe de ser um fenômeno ultrapassado, estende-se hoje a toda a esfera política, transformando-a no campo do absoluto e da fé cega.

🔑Conclusão
O homem moderno não é um ser livre, racional e "adulto" que superou a religião. Pelo contrário, ele está profundamente possuído por novas forças religiosas que ele mesmo criou para tornar suportável sua existência em um mundo técnico, atroz e aparentemente sem sentido. Essas novas religiões são ainda mais alienantes porque, ao se apresentarem sob a máscara da racionalidade (Ciência), da objetividade (História) ou da pragmática (Política), impedem que o homem reconheça sua própria escravidão. A tarefa mais urgente não é adaptar a fé a um mundo falsamente diagnosticado como secular, mas sim desmascarar e combater esses novos ídolos que exigem o sacrifício total do homem (Ellul, 1978).

📚Referências
Ellul, Jacques. Os novos possuídos. Caracas: Monte Avila Editores, 1978.

👤Sobre o autor
Jacques Ellul foi um protestante reformado profundamente enraizado na tradição calvinista francesa, mas sempre em posição crítica frente às instituições eclesiásticas, tanto protestantes quanto católicas. Sua fé se caracterizava por um cristianismo radical, centrado na primazia absoluta da graça e na liberdade do crente diante do mundo, o que o levou a rejeitar qualquer forma de cristianismo institucionalizado ou de poder religioso. Em vez de defender uma restauração de formas tradicionais, Ellul assumia uma postura que muitos chamaram de “anarquismo cristão”, sublinhando a tensão entre o Evangelho e as estruturas humanas, e insistindo que a Igreja só é fiel quando se mantém livre da tentação de se identificar com o poder político, cultural ou técnico.

A Condenação de Galileu e o Pedido de Perdão de João Paulo II: O Verdadeiro Desvio da Igreja Pós-Conciliar


Da perspectiva da tradição católica, a narrativa moderna que apresenta a condenação de Galileu Galilei como o "embate definitivo entre a ciência autônoma e o dogma religioso" é não apenas uma simplificação anacrônica, mas uma distorção ideológica que serve aos interesses do modernismo e à mentalidade característica do nosso tempo. Essa visão, propagada por correntes laicistas e progressistas, ignora o contexto teológico, jurídico e científico da época, reduzindo um episódio complexo a um confronto maniqueísta entre "razão iluminada" e "obscurantismo eclesial". Em vez disso, a condenação de 1633 pela Sagrada Congregação do Santo Ofício representou uma defesa legítima da autoridade divinamente instituída da Igreja na interpretação das Sagradas Escrituras, contra uma hipótese científica ainda não comprovada e que ameaçava a unidade da fé. Longe de ser um "erro", foi um ato de prudência pastoral. O verdadeiro equívoco surge apenas no século XX, com o pedido de perdão promovido por João Paulo II, que constitui uma capitulação ao "espírito do século" (Amerio, 2011, p. 32), enfraquecendo a noção de uma autoridade perene e representando um sintoma da "autodemolição" da Igreja pós-conciliar (Amerio, 2011, p. 6).

🔭A Condenação de Galileu: Defesa da Verdade Revelada, não Erro

Para compreender o caso, é essencial retornar aos fatos históricos sem o filtro do historicismo moderno. Em 1616, a Congregação do Índice, sob a autoridade do Papa Paulo V, declarou o heliocentrismo copernicano como "falso e contrário à Sagrada Escritura", proibindo sua defesa como verdade absoluta. Isso não foi uma rejeição arbitrária da ciência, mas uma resposta a uma teoria que, na época, carecia de provas empíricas irrefutáveis – o próprio Galileu não conseguiu demonstrar o movimento da Terra com evidências conclusivas, como as paralaxes estelares, que só viriam séculos depois. A teoria permanecia, portanto, no campo da hipótese matemática, não da certeza física. Mais importante, o heliocentrismo colidia com passagens bíblicas interpretadas literalmente pela tradição patrística e magisterial, como Josué 10:12-13 ("Sol, detém-te em Gabaon"), que sugerem um geocentrismo cosmológico.

Galileu, um católico devoto, foi advertido em 1616 a não ensinar o heliocentrismo como fato, mas como hipótese. No entanto, em 1632, publicou o Diálogo Sobre os Dois Grandes Sistemas do Mundo, onde defendia abertamente a teoria copernicana, ridicularizando opositores e desobedecendo à injunção papal. Isso levou à sua condenação em 1633 por "veemente suspeita de heresia", com sentença de prisão domiciliar perpétua – uma pena branda para os padrões da época, sem tortura física, como mitos modernos alegam. Do ponto de vista tradicional, essa ação da Inquisição não foi um "embate" contra a ciência, mas uma afirmação da primazia da teologia sobre as ciências naturais. Como ensina o Concílio de Trento, a interpretação da Escritura pertence à Igreja, não a indivíduos privados, e a ciência deve se subordinar à Revelação quando há conflito aparente. Galileu, portanto, incorreu no erro de imiscuir-se em matéria teológica, propondo uma hermenêutica bíblica inovadora para a qual não possuía autoridade, prefigurando o princípio de independência que viria a ser a raiz das crises posteriores (Amerio, 2011, p. 22).

Essa perspectiva rejeita a ideia de um "conflito inerente" entre fé e razão. Pelo contrário, a Igreja fomentou a ciência medieval e renascentista. A condenação foi disciplinar, não dogmática infalível, e o geocentrismo nunca foi definido como artigo de fé irrevogável. Assim, chamar isso de "embate definitivo" é uma falsificação histórica que ignora como a Igreja permitiu o estudo hipotético do heliocentrismo após 1616 e removeu obras copernicanas do Índice em 1758.

🔄O Pedido de Perdão de João Paulo II: O Verdadeiro Desvio da Igreja Pós-Conciliar

Se a condenação de 1633 não foi um erro, o verdadeiro desvio surge no contexto do período pós-conciliar, culminando no pedido de perdão articulado por João Paulo II. Em 31 de outubro de 1992, o Papa reconheceu "erros" no processo contra Galileu, admitindo que teólogos da época falharam em distinguir entre a fé e as interpretações científicas mutáveis. Isso foi ampliado em 12 de março de 2000, durante o Grande Jubileu, quando João Paulo II pediu perdão público por "pecados dos filhos da Igreja", incluindo o tratamento dispensado a Galileu.

Da ótica da tradição, esse ato representa um erro mais profundo, influenciado pelo espírito do Concílio Vaticano II, que promoveu uma "abertura ao mundo" que, em muitos casos, se revelou uma "verdadeira invasão do pensamento mundano na Igreja" (Amerio, 2011, p. 9). Primeiramente, ao admitir "erros" onde não houve desvio doutrinal, o pedido enfraquece a autoridade do Magistério histórico, sugerindo que a Igreja pode "errar" em matérias ligadas à fé e à moral, o que contradiz a promessa de perenidade. Esta atitude é um exemplo da "denigração da Igreja histórica" (Amerio, 2011, p. 95), na qual o passado é julgado com a mentalidade do presente para justificar as transformações atuais.

Em segundo lugar, esse pedido promove um relativismo historicista, onde a verdade parece depender da época, negando a perenidade do dogma e da prudência pastoral que o protege. A Igreja parece pedir perdão por ter defendido a fé contra inovações perigosas. Isso reflete a perda da antítese essencial entre a Igreja e o mundo, uma acomodação ao invés de uma oposição sadia às várias circunstâncias históricas (Amerio, 2011, p. 3). Assim, o "embate definitivo" não foi em 1633, mas no século XX, quando a Igreja cedeu à autonomia da ciência secularizada, transformando a fé em algo subjetivo e apologético perante o mundo.

Em resumo, a perspectiva da tradição inverte a narrativa: a condenação de Galileu foi uma defesa da fé contra o erro incipiente, enquanto o pedido de perdão do século XX é o triunfo do espírito moderno, que convida a Igreja a se humilhar perante os ídolos seculares. Isso reforça a necessidade de retornar à doutrina perene, preservando a integridade católica contra as variações do tempo presente.

📚Referências

Amerio, Romano. Iota Unum: Estudio sobre las transformaciones en la Iglesia en el siglo XX. Versión corregida, 2011.
Galilei, Galileo. Dialogue Concerning the Two Chief World Systems. Tradução de Stillman Drake. Berkeley: University of California Press, 1967.
João Paulo II. Homilia no Dia do Perdão, 12 de março de 2000. Cidade do Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2000.