❤️ “Porque muito amou, muito lhe foi perdoado” é a frase que sintetiza a vida de Santa Maria Madalena. A liturgia tradicional a identifica com três figuras: a pecadora anônima que ungiu os pés de Jesus na casa do fariseu, Maria de Betânia, irmã de Lázaro e Marta, e a primeira testemunha da Ressurreição de Cristo, tornando-se a "Apóstola dos Apóstolos". Sua vida é um testemunho da transformação radical através do encontro com o amor misericordioso de Cristo, passando do pecado ao mais profundo amor e à mais corajosa proclamação da fé.
Introito (Sl 118, 95-96 | ib., 1 )
Me exspectavérunt peccatóres, ut pérderent me... Os pecadores me esperam para me perder, porém eu compreendi os vossos ensinamentos, Senhor. Vi o fim de tudo que parecia perfeito; somente a vossa lei não tem limites. Sl. Bem-aventurados os que se mantêm imaculados no caminho, os que andam na lei do Senhor. ℣. Glória ao Pai.
Epístola (Cn 3, 2-5; 8, 6-7)
Levantar-me-ei e andarei pela cidade; pelas ruas e praças procurarei aquele que a minha alma ama; eu o procurei e não o encontrei. Encontraram-me as sentinelas que guardam a cidade [e eu lhes disse:] Não vistes, por acaso, aquele que amo? Quando eu passei por eles, mais adiante, encontrei-me com aquele que é o amado de minha alma. Eu o segurei, e não o deixarei partir até que o introduza na casa de minha mãe e no quarto daquela que me pôs no mundo. [Diz o esposo:] Eu vos suplico, filhas de Jerusalém, pelas gazelas e pelos cervos dos caminhos, não perturbeis, nem desperteis a bem-amada até que eia o queira. [A esposa:] Coloca-me como um selo em teu coração, como um selo em teu braço, pois o amor é forte como a morte e o zelo do amor, inflexível como o inferno: as suas lâmpadas são lâmpadas de fogo e de chamas. Muitas águas não podem extinguir o amor, nem os rios o submergirão. Mesmo que alguém desse todas as riquezas de sua casa pelo amor, seria considerado como um nada.
Evangelho (Lc 7, 36-50)
Naquele tempo, pedira a Jesus, um fariseu, que fosse comer consigo. Entrando em casa do fariseu, Ele se pôs à mesa. E uma mulher que era pecadora na cidade, sabendo que Ele se sentara à mesa, em casa do fariseu, trouxe um vaso de alabastro, cheio de bálsamo e prostrando-se a seus pés, atrás d’Ele, com lágrimas se pôs a banhar-Lhe os pés, e a enxugá-los com os cabelos de sua cabeça, beijando-os e ungindo-os com o bálsamo. Vendo isto, o fariseu que convidara a Jesus, pensou em seu íntimo. Se este homem fosse o Profeta, saberia certamente quem é, e de que classe é a mulher que O toca, pois é uma pecadora. Compreendendo-o, Jesus lhe disse: Simão, tenho algo a dizer-te. E ele respondeu: Mestre, falai. [E Este:] Certo credor tinha dois devedores; um lhe devia quinhentos dinheiros e o outro cinquenta. Não tendo estes com que reembolsá-lo, ele perdoou a ambos a sua dívida. Qual deles lhe teria mais amor? Respondeu Simão, dizendo: Penso que aquele a quem mais perdoou. Retrucou-lhe Jesus: Julgaste bem. E voltando-se para a mulher, disse a Simão: Reparaste nesta mulher? Entrei em tua casa e não me deste água para os pés; ela porém, lavou-mos com as suas lágrimas e os enxugou com os seus cabelos. Tu não me beijaste, porém ela, depois que entrou, não cessou de oscular os meus pés. Não me deste óleo para ungir a minha cabeça; ela no entanto, ungiu os meus pés com bálsamo. E por isto, digo-te que muitos pecados lhe são perdoados, porque muito amou. Aquele, porém, a quem se perdoa menos, menos ama. Disse então à mulher: Perdoados estão os teus pecados. E os que estavam à mesa diziam entre si: Quem é Este que até perdoa pecados? E Ele disse à mulher: Tua fé te salvou; vai em paz.
Reflexões
✒️ As lágrimas da pecadora eram mais preciosas que o perfume, pois vinham do coração, e ela lavava os pés do Senhor para que Ele lavasse a sua alma (Santo Agostinho, Sermão 99). O que antes servia à sua vaidade e ao pecado, os seus cabelos, agora serve à sua humildade para enxugar os pés de Cristo, transformando o instrumento de sedução em instrumento de serviço (São Gregório Magno, Homilia 33 sobre os Evangelhos). Ela não espera ser chamada, não aguarda um convite, mas irrompe na casa, superando a vergonha com a caridade, pois não há vergonha na confissão da fé (Santo Ambrósio, Explanação sobre o Evangelho de Lucas, Livro VI). Ao beijar os pés de Cristo, ela imprime seus lábios na fonte da misericórdia, de onde bebe o perdão para suas iniquidades (São Pedro Crisólogo, Sermão 95).
🔭 O Evangelho de João identifica a mulher que unge os pés de Jesus como Maria de Betânia, irmã de Lázaro, e situa o evento na semana da Paixão, não no início do ministério como em Lucas. Em João, a crítica não vem do anfitrião, mas de Judas Iscariotes, e a motivação não é a condição de pecadora da mulher, mas o suposto desperdício do perfume (Jo 12, 1-8). Mateus e Marcos relatam um evento semelhante em Betânia, mas especificam que a unção foi na cabeça de Jesus, e a crítica parte dos discípulos em geral; Jesus então conecta o ato diretamente à preparação para a Sua sepultura, uma dimensão não explicitada no texto de Lucas (Mt 26, 6-13; Mc 14, 3-9).
✉️ A afirmação “Tua fé te salvou” ecoa o cerne da teologia paulina, que ensina que a justificação não vem das obras da Lei, mas da fé em Cristo Jesus, que se manifesta através da caridade (Gl 2, 16; Gl 5, 6). O amor que motiva a pecadora, que a leva a romper barreiras sociais, manifesta a caridade descrita por Paulo como o maior dos dons, sem o qual nada adianta (1 Co 13, 1-3). Sua transformação de “pecadora” a perdoada ilustra vividamente o conceito paulino de que, em Cristo, somos uma “nova criação”, onde as coisas antigas já passaram (2 Co 5, 17), pois “onde o pecado abundou, a graça superabundou” (Rm 5, 20).
🏛️ Os atos da mulher pecadora espelham os elementos essenciais do sacramento da Penitência, como definidos pelo Concílio de Trento. Suas lágrimas demonstram uma perfeita "contrição" do coração, que é o principal ato do penitente, uma dor da alma e detestação do pecado cometido, com o propósito de não mais pecar (Sessão XIV, Cap. IV). Seu gesto público, sem palavras, é uma forma de "confissão", não auricular, mas factual, de sua miséria e sua fé na misericórdia divina. Finalmente, o uso do precioso bálsamo pode ser visto como um ato de "satisfação", onde ela oferece o que tem de mais valioso para reparar a ofensa, movida não pelo temor servil, mas pelo amor filial que restaura a amizade com Deus (Sessão XIV, Cap. VIII).