Relação com as Nações Unidas: Muitos viam a ONU como uma organização laica e potencialmente hostil aos valores tradicionais cristãos. O fato de o Papa ter expressado apoio a uma instituição percebida por alguns como secular e pluralista foi visto como uma concessão ao liberalismo moderno e um afastamento de uma postura mais explícita de defesa do cristianismo.
Foco no humanismo universal: Paulo VI enfatizou a importância de um "humanismo integral", promovendo a ideia de que a paz e a justiça são alcançáveis através da colaboração entre todas as nações e religiões, independentemente da fé cristã. Criticaram essa visão como relativista, interpretando-a como um distanciamento da missão evangelizadora exclusiva da Igreja.
Desarmamento e pacifismo: O apelo de Paulo VI pelo desarmamento e pela paz foi visto com desconfiança. Muitos acreditavam que a Igreja deveria manter uma posição mais firme em relação à defesa contra o comunismo e outras ameaças percebidas. No contexto da Guerra Fria, o pacifismo do Papa era, para alguns, ingênuo ou até perigoso.
Menção sutil à liberdade religiosa: Paulo VI falou sobre a necessidade de respeito aos direitos humanos, o que foi interpretado por alguns como um endosso à liberdade religiosa no sentido moderno. Aqueles que defendiam uma visão mais tradicional de que o catolicismo deveria ter um papel privilegiado nas sociedades, viam isso como uma aceitação implícita do pluralismo religioso.
Abertura ao mundo secular: O fato de o Papa ter se engajado em um fórum internacional não religioso, discutindo temas amplos como paz, direitos humanos e desenvolvimento econômico, foi visto como um sinal de que a Igreja estava se inclinando demais em direção a uma "secularização" e um afastamento de sua missão espiritual central.
Essas críticas refletiam uma tensão maior dentro da Igreja na época, especialmente no contexto do Concílio Vaticano II, que estava em andamento. O concílio promovia uma abertura da Igreja ao mundo moderno, o que foi amplamente apoiado por alguns setores, mas fortemente resistido por outros mais tradicionalistas.
"O que vós proclamais, aqui, são os direitos e os deveres fundamentais do homem, a sua dignidade, a sua liberdade, e antes de tudo a liberdade religiosa. Sentimos que vós sois os intérpretes do que há de mais alto na sabedoria humana, diríamos quase: o seu carácter sagrado. Porque é, antes de tudo, da vida do homem que se trata, e a vida do homem é sagrada: ninguém pode ousar atentar contra ela. É na vossa Assembleia que o respeito da vida, mesmo no que se refere ao grande problema da natalidade, deve encontrar a sua mais alta profissão e a sua mais racional defesa. A vossa tarefa é agir de modo que o pão seja abundante à mesa da humanidade, e não favorecer um «controle» artificial dos nascimentos, que seria irracional, com a finalidade de diminuir o número dos convivas ao banquete da vida".
Esta citação de Paulo VI mostra sua ênfase na ONU como uma instituição quase "sagrada" em sua missão de proteger a dignidade e os direitos humanos. A seguir estão alguns pontos sobre como essa passagem poderia ter sido vista pelos críticos:
Excesso de elogios à ONU: A afirmação de que a ONU seria "intérprete do que há de mais alto na sabedoria humana" e que essa sabedoria teria um "caráter sagrado" poderia ter sido interpretada como uma desvalorização do papel da Igreja enquanto autoridade moral e espiritual. A Igreja Católica, e não uma organização secular, deveria ser a guardiã dos valores sagrados e da dignidade humana.
Desvio da centralidade da Igreja: O discurso parece reconhecer a ONU como a principal arena onde questões morais e éticas, como a defesa da vida e a dignidade humana, devem ser tratadas. Foi visto isso como uma concessão inapropriada de autoridade moral a uma entidade não religiosa, diluindo o papel exclusivo da Igreja nesse domínio.
Subestimação do papel da fé cristã: Ao afirmar que a ONU promove a "liberdade religiosa", o discurso parece enquadrar o papel da religião como um direito humano universal, sem dar primazia à fé cristã ou católica. Isso poderia ter sido interpretado como um sinal de que Paulo VI estava relativizando a verdade da fé católica em favor de uma perspectiva mais pluralista e secular.
A questão do controle de natalidade: Embora Paulo VI condene o controle artificial de nascimentos como "irracional", o discurso não foi suficientemente enfático na defesa da doutrina católica sobre o valor da vida e da procriação. A forma como o papa discutiu a questão da natalidade foi, para alguns, diplomática demais, especialmente no contexto do crescente movimento global pela legalização do aborto e o uso de contraceptivos.
A aparente aceitação da ONU como uma autoridade moral global, sem uma reafirmação mais vigorosa do papel central da Igreja, pode ter sido vista como uma cedência às pressões do mundo secular, enfraquecendo a posição da Igreja como a única defensora legítima da dignidade humana e da verdade revelada.
"É o que há de mais belo na Organização das Nações Unidas, é o seu rosto humano mais autêntico — é o ideal com que sonha a humanidade na sua peregrinação através do tempo — é a maior esperança do mundo — ousaremos dizer: é o reflexo do desígnio de Deus — desígnio transcendente e pleno de amor — para o progresso da sociedade humana sobre a terra, reflexo em que Nós vemos a mensagem evangélica, de celeste, fazer-se terrestre".
Discurso completo:
https://www.vatican.va/content/paul-vi/pt/speeches/1965/documents/hf_p-vi_spe_19651004_united-nations.html