I DOMINGO DA PAIXÃO


Domingo de 1ª Classe – Estação em S. Pedro
PRÓPRIO DO DIA

Introito (Sl 42, 1-2 | ib., 3) (Áudio)

Júdica me, Deus, et discérne causam meam de gente non sancta... Julgai-me, ó Deus, e separai da gente ímpia a minha causa; livrai-me do homem injusto e falso. Porque Vós sois meu Deus e minha fôrça. Sl. Derramai sobre mim a vossa luz e a vossa verdade, para que elas me guiem e me conduzam ao vosso monte e a vossos tabernáculos.

Epístola (Heb 9, 11-15)

Leitura da Epístola de São Paulo Apóstolo aos Hebreus.Irmãos: Cristo se manifestou como Pontífice dos bens futuros. Por um mais vasto e mais perfeito tabernáculo, não feito por mão de homem, isto é, não deste mundo, sem recorrer ao sangue de cabritos e novilhos, mas por seu próprio Sangue, entrou uma vez no santuário, tendo adquirido uma redenção eterna. Com efeito, se o sangue dos cabritos e touros e a cinza da novilha, aspergida sobre os manchados, os santificava para a purificação da carne, quanto mais o Sangue do Cristo, que pelo Espírito Santo a Si mesmo se ofereceu imaculado a Deus, purificará nossa consciência das obras mortas, fazendo-nos capazes de servir ao Deus vivo. E por esse motivo, Ele é o Mediador do Novo Testamento a fim de que por sua morte, que sofreu para o perdão das prevaricações que havia sob o primeiro Testamento, os que foram chamados à herança eterna recebam a promessa, no Cristo Jesus, Senhor nosso.
Evangelho (Jo 8, 46-59)Naquele tempo, disse Jesus às turbas dos judeus: Qual de vós me arguirá de pecado? Se vos digo a verdade, por que não me credes? Quem é de Deus, ouve as palavras de Deus. Por isto não as ouvis: porque n ã o sois de Deus. Responderam-Lhe, pois, os judeus: Não dizemos bem, nós, que és Samaritano, e que estás possesso do demônio? Respondeu Jesus. Eu não estou possesso do demônio: mas honro a meu Pai, e vós outros me desonrais. Eu não procuro a minha glória: há quem a procure e faça justiça. Em verdade, em verdade, eu vos digo, que se alguém guardar a minha palavra, não verá a morte para sempre. Disseram-Lhe então os judeus: Agora conhecemos que estás possesso do demônio. Abraão morreu assim como os Profetas. E Tu dizes: Se alguém guardar a minha palavra, n ã o verá a morte para sempre. E’s porventura, maior que o nosso pai Abraão, que morreu? Ou maior que os Profetas que morreram? Por quem pretendes passar? Respondeu Jesus: Se eu me glorifico a mim mesmo, nula é minha glória. Quem me glorifica é meu Pai, Aquele que dizeis que é vosso Deus. E vós não O conheceis: porém eu O conheço, e se dissesse que não O conheço, seria mentiroso como vós outros. Eu porém O conheço e guardo a sua palavra. Abraão, vosso pai, sentiu júbilo porque havia de ver meu dia; ele o viu e alegrou-se. Disseram-Lhe então os judeus: Ainda não tens cinquenta anos, e viste Abraão? Respondeu-lhes Jesus.- Em verdade, em verdade, eu vos digo: antes que Abraão existisse, Eu sou. Apanharam eles então pedras para Lhe atirar; mas Jesus escondeu-se e abandonou o templo.

Homilias

Santo Agostinho – Sermão 117 (Sermones de Scripturis) - Aquele que fala a verdade não pode ser convencido de pecado, pois a verdade é impecável e procede de quem é a própria luz sem sombras. Os que rejeitam essa verdade mostram que pertencem às trevas, pois não suportam a claridade que expõe suas obras. A acusação de possuir um demônio é a arma dos que, cegos pela inveja, não reconhecem a divindade que se manifesta em humildade. A promessa de não ver a morte não é uma negação da passagem corporal, mas a garantia da vida eterna, que transcende o tempo e a corrupção, oferecida àqueles que aderem à palavra divina. Abraão, como pai da fé, viu o dia do Salvador não com os olhos da carne, mas com os olhos do coração, regozijando-se na promessa que se cumpriria além de sua própria existência. A declaração “Eu sou” revela a eternidade daquele que não tem início nem fim, pois ele é o princípio de tudo o que existe, e os que o rejeitam tentam apagar com pedras o que não podem compreender com a mente. A fuga do Templo não é covardia, mas um sinal de que o tempo da entrega ainda não chegara, pois a hora da glória se manifesta na cruz, não na violência dos homens.

São Tomás de Aquino – Suma Teológica, Parte III, Questão 46, Artigo 9 (sobre a Paixão de Cristo e sua relação com a divindade) - Aquele que não pode ser acusado de pecado demonstra a perfeição de sua natureza, pois o pecado é uma privação que não encontra lugar naquele que é a própria justiça. Os que não ouvem suas palavras revelam sua alienação da origem divina, pois a verdade ressoa apenas nos corações dispostos por Deus. A honra dada ao Pai é o fundamento da missão do Filho, que não busca glória própria, mas a glória daquele que o enviou, mostrando a unidade perfeita entre eles. Dizer que quem guarda a palavra não verá a morte aponta para a vida da graça, que eleva a alma acima da morte espiritual, ainda que o corpo pereça temporariamente, pois a ressurreição final a restaurará. Abraão viu o dia do Salvador pela fé, pois a promessa feita a ele foi ordenada para a vinda daquele que é o cumprimento de todas as promessas. A afirmação “antes que Abraão existisse, eu sou” manifesta a eternidade do Verbo, que não é limitado pelo tempo, mas é o criador do tempo, sendo ele mesmo a causa de toda existência. A tentativa de apedrejamento é a reação da ignorância contra a luz, mas a saída do Templo mostra que a providência divina governa até os atos dos inimigos, preservando o plano da salvação.

Santo Ambrósio – Expositio Evangelii secundum Lucam (referência adaptada) - Aquele que desafia os homens a encontrar pecado em si mostra a pureza de sua consciência, que reflete a santidade divina, pois ninguém pode acusar quem é sem mancha. Os que não escutam suas palavras estão presos à surdez do coração, incapazes de acolher o que vem do alto, pois preferem a glória terrena à celestial. A honra ao Pai é o testemunho de quem vive para cumprir a vontade divina, e a glória que não busca para si é a prova de sua humildade, que confunde os soberbos. A promessa de escapar da morte é a oferta da vida que não se extingue, pois a palavra guardada no coração é o germe da eternidade plantado na alma. Abraão, guiado pela esperança, contemplou o Salvador em espírito, pois a fé dos patriarcas era um reflexo da luz que viria ao mundo. Dizer “eu sou” é proclamar a existência que não depende de nada, mas da qual tudo depende, revelando a divindade que os olhos carnais não podem suportar. A fuga das pedras é o sinal de que a verdade não se submete à violência, mas triunfa no momento designado por Deus, quando a cruz se torna o trono da vitória.