O Surgimento do Sedevacantismo: Uma Questão de Coerência Católica



Por que tantos católicos, ao longo do século XX, começaram a considerar a Sé Apostólica vacante? Por que, após séculos de obediência à hierarquia romana, alguns passaram a afirmar que os homens que ocuparam o trono de Pedro desde João XXIII não são, de fato, verdadeiros papas?

Para o observador desavisado — ou para o teólogo de manual atualizado segundo as exigências do “espírito do Concílio” — tudo isso parecerá fruto de cisma, exagero ou pura teimosia tradicionalista. Mas, como sempre, quando se trata da fé católica, é necessário cavar mais fundo do que as manchetes da Civiltà Cattolica ou os editoriais da L’Osservatore Romano.

O sedevacantismo não surgiu de um capricho. Ele emergiu como uma resposta lógica e doutrinária ao caos instaurado pelo Concílio Vaticano II e, sobretudo, às heresias e escândalos públicos promovidos por aqueles que se diziam sucessores de Pedro. Não se trata, portanto, de um “cisma” por nostalgia, mas de uma tentativa — imperfeita, porém séria — de preservar a fé católica intacta diante de uma hierarquia que parecia tê-la abandonado.

Vejamos o caso de João XXIII. Um papa que, ao convocar o Concílio Vaticano II, deliberadamente se afastou do ensinamento constante da Igreja, promovendo uma “atualização” da fé que implicava relativização da verdade, abertura ao erro e, por fim, destruição da liturgia tradicional. Logo em seguida, Paulo VI impôs à Igreja universal um novo rito da Missa — fabricado com a ajuda de protestantes — e promoveu princípios ecumênicos que já haviam sido condenados por papas anteriores.

Aqui está o ponto: um papa verdadeiro não pode promulgar uma falsa religião. A infalibilidade não é um adereço cerimonial — é um dogma de fé. Se aceitamos que a Igreja é indefectível, então não podemos aceitar que ela ofereça ritos sacrílegos, doutrinas dúbias e escândalos ecumênicos como se fossem “orgânicos”. A consequência lógica? O autor dessas coisas não pode ter autoridade legítima da parte de Cristo.

É neste contexto que o sedevacantismo surge — não como rebelião, mas como reação católica. Não como orgulho, mas como defesa do depósito da fé. E aqui não estamos a falar de sentimentos, mas de teologia: a bula Cum ex Apostolatus Officio, o ensinamento de São Roberto Belarmino sobre a perda do cargo papal em caso de heresia pública, e o princípio teológico de que a Igreja visível só é visível enquanto guarda a fé visível.

Claro, essa posição não é confortável. Ser sedevacantista hoje significa ser tratado como leproso por neoconservadores e progressistas. Mas Nosso Senhor prometeu a assistência do Espírito Santo à Sua Igreja, não a um simulacro modernista dela. O verdadeiro católico precisa escolher entre manter a fé ou aceitar uma caricatura de catolicismo reciclado pelas luzes do mundo.

O sedevacantismo, portanto, não é uma “solução fácil” — é um diagnóstico duro, mas necessário. Ele surgiu porque a própria coerência da fé o exigia. E se, porventura, acusam de orgulho ou divisão, respondamos com as palavras de São Paulo: “Ainda que nós ou um anjo do céu vos anuncie um evangelho diferente do que vos temos anunciado, seja anátema.” (Gl 1, 8)

Referências

Pe. Anthony Cekada, Traditionalists, Infallibility and the Pope (2006)
Pe. Anthony Cekada, “Welcome to the Traditional Latin Mass” (panfleto catequético)
Pe. Anthony Cekada, Work of Human Hands: A Theological Critique of the Mass of Paul VI (2010)