A Influência de Heidegger e a Perda da Historicidade
Bultmann encontrou em Heidegger, especialmente em Ser e Tempo (1927), uma estrutura para reinterpretar o Novo Testamento. Heidegger via o ser humano como um ser confrontado com a angústia, a finitude e a busca por autenticidade, conceitos que Bultmann aplicou à teologia. Para ele, o Evangelho não deveria ser entendido como um relato de eventos históricos ou uma revelação sobrenatural, mas como uma chamada à decisão existencial. Essa perspectiva, embora pretenda tornar o cristianismo acessível ao homem moderno, compromete gravemente a historicidade dos eventos narrados na Bíblia, como a encarnação, a ressurreição e a promessa da volta de Cristo.Do ponto de vista conservador, a dependência de Bultmann em relação a uma filosofia ateísta como a de Heidegger é problemática. O cristianismo, em sua essência, não é uma construção filosófica, mas uma fé ancorada em atos históricos de Deus na história — a vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo como eventos concretos. Ao reinterpretar esses eventos como símbolos de uma experiência subjetiva, Bultmann despoja a fé de sua base objetiva, transformando-a em uma reflexão individualista que pouco difere de outras filosofias seculares.
A Demitologização: Um Ataque à Essência Sobrenatural do Evangelho
O cerne da proposta de Bultmann, a "demitologização", busca expurgar o Novo Testamento de sua cosmovisão considerada "mítica" — que inclui milagres, anjos, demônios e a intervenção direta de Deus no mundo. Ele argumentava que tais elementos eram inaceitáveis para o homem moderno, educado em uma visão científica. Assim, eventos como a ressurreição de Jesus não seriam fatos históricos, mas metáforas para a experiência de fé dos primeiros cristãos, que encontraram em Cristo um chamado à existência autêntica.Essa abordagem, no entanto, é profundamente prejudicial à fé cristã. A ressurreição de Jesus não é apenas um símbolo, mas o fundamento da esperança cristã, como afirma Paulo: "Se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé" (1 Coríntios 15:17). Ao negar a realidade histórica e sobrenatural da ressurreição, Bultmann esvazia o Evangelho de seu poder transformador, reduzindo-o a uma mensagem moral ou existencial. O cristianismo, em sua forma tradicional, afirma que Deus age na história de maneira concreta, e a demitologização de Bultmann elimina essa dimensão, deixando apenas uma casca filosófica incapaz de sustentar a fé em um Deus vivo e ativo.
Escatologia Reduzida a uma Ilusão Existencial
Bultmann também rejeitava a escatologia cristã tradicional, que inclui a crença na segunda vinda de Cristo e no estabelecimento do Reino de Deus. Para ele, a expectativa dos primeiros cristãos de um retorno iminente de Jesus era apenas uma crença ingênua, produto de uma mentalidade apocalíptica ultrapassada. Em vez de um evento futuro, Bultmann reinterpretava a escatologia como uma realidade existencial presente, na qual o Reino de Deus seria experimentado na decisão individual de viver autenticamente.Essa reinterpretação, do ponto de vista conservador, é uma traição à esperança cristã. A promessa da volta de Cristo e do juízo final é central para a fé, oferecendo aos crentes a certeza de que Deus cumprirá suas promessas e restaurará todas as coisas. Ao transformar essa esperança em uma metáfora para a experiência subjetiva, Bultmann priva o cristianismo de sua dimensão cósmica e redentora, reduzindo a mensagem de Jesus a um convite vago para a autorrealização. Tal visão ignora a realidade objetiva do plano divino, que transcende as limitações da existência humana.
Uma Mensagem Desprovida de Poder
Bultmann acreditava que, ao purificar o Evangelho de sua "mentalidade mágica", ele preservaria sua relevância para o homem moderno. Ele via a mensagem de Cristo como uma chamada à liberdade e à autenticidade, que poderia ser expressa em termos existenciais sem depender de eventos sobrenaturais. Contudo, essa tentativa de adaptar o cristianismo ao racionalismo moderno resulta em uma fé desfigurada, incapaz de oferecer a esperança e a certeza que caracterizam a mensagem bíblica.
Para os conservadores, a fé cristã não pode ser reduzida a uma filosofia existencialista, pois sua força reside precisamente em sua historicidade e sobrenaturalidade. A encarnação de Cristo, sua ressurreição e sua promessa de retorno são realidades que transcendem a compreensão humana, mas que dão sentido à existência cristã. Ao eliminar esses elementos, Bultmann transforma o Evangelho em uma mensagem secular, que não exige fé em um Deus que age, mas apenas uma reflexão sobre a condição humana.
Bultmann e o Modernismo
O termo "modernismo" na Igreja Católica refere-se a um movimento teológico do final do século XIX e início do século XX, condenado pelo Papa Pio X na encíclica Pascendi Dominici Gregis (1907). O modernismo, segundo a definição da Igreja na época, envolvia a tentativa de adaptar a doutrina católica às filosofias modernas, como o racionalismo, o subjetivismo e o historicismo, questionando a objetividade da revelação divina, a historicidade dos evangelhos e a autoridade magisterial da Igreja. Características modernistas incluíam a ênfase na experiência subjetiva da fé em detrimento da verdade objetiva e a reinterpretação dos dogmas como expressões simbólicas, em vez de verdades absolutas.Rudolf Bultmann, como teólogo protestante luterano do século XX, não se enquadra diretamente no modernismo católico condenado por Pio X, pois sua obra é posterior e desenvolvida em um contexto protestante. No entanto, do ponto de vista conservador, sua abordagem teológica — especialmente a "demitologização" do Novo Testamento, que rejeita a historicidade de eventos como a ressurreição de Cristo e reinterpreta a mensagem cristã em termos existencialistas — apresenta semelhanças preocupantes com as tendências modernistas. Assim como os modernistas, Bultmann subordinou a revelação bíblica a uma filosofia secular (no caso, o existencialismo de Heidegger), sugerindo que a fé cristã deveria ser adaptada à mentalidade moderna, mesmo que isso significasse abandonar sua dimensão sobrenatural e histórica.
Para um crítico conservador, a demitologização de Bultmann ecoa a mentalidade modernista ao transformar a fé em uma experiência subjetiva, desvinculada de eventos históricos objetivos, como a ressurreição literal de Jesus ou a promessa de sua segunda vinda. Essa abordagem, ao priorizar a relevância cultural sobre a fidelidade à tradição, seria vista como uma tentativa de diluir a essência do cristianismo, reduzindo-o a uma filosofia humana incapaz de sustentar a esperança sobrenatural que define a fé cristã.
Influência sobre Pensadores
Bultmann foi, sem dúvida, uma figura extremamente influente no cenário teológico do século XX, especialmente no protestantismo, mas também em círculos católicos progressistas. Sua obra, como Novo Testamento e Mitologia (1941), moldou o campo da crítica bíblica e da hermenêutica teológica. Entre os pensadores influenciados por Bultmann, podemos citar:Teólogos protestantes: Figuras como Ernst Käsemann e Günther Bornkamm, que pertenciam à chamada "escola de Bultmann", adotaram e adaptaram suas ideias, especialmente no estudo da crítica histórica do Novo Testamento. Käsemann, por exemplo, embora discordasse de Bultmann em alguns pontos, como a ênfase excessiva no existencialismo, manteve o foco na análise crítica dos evangelhos.
Teólogos católicos progressistas: Embora Bultmann fosse protestante, suas ideias sobre a interpretação existencial da Bíblia e a crítica histórica influenciaram teólogos católicos associados ao movimento de renovação teológica antes e durante o Vaticano II. Por exemplo, teólogos como Hans Küng e Edward Schillebeeckx, que buscavam dialogar com a modernidade, compartilhavam um interesse em reinterpretar a fé cristã para o homem contemporâneo, ainda que de maneira menos radical que Bultmann.