Livro: A Guerra do Anticristo com a Igreja e a Civilização Cristã, Padre George E. Dillon


Publicado em 1885, "A Guerra do Anticristo com a Igreja e a Civilização Cristã" de um missionário apostólico (Dillon, 1885), não é uma obra para os fracos de coração. Nascido de uma série de palestras proferidas em Edimburgo, o livro é um chamado às armas intelectual e espiritual, uma resposta direta à encíclica Humanum Genus do Papa Leão XIII, que conclamava os fiéis a "arrancar a máscara da Maçonaria". A obra em questão é exatamente isso: uma tentativa meticulosa e apaixonada de traçar a linhagem, a estratégia e o objetivo final de uma conspiração que, como se argumenta, visa nada menos que a erradicação total do Cristianismo.

Na verdade, o propósito não é meramente defensivo, mas sim o de armar a juventude católica contra as seduções de associações secretas que, sob disfarces de luz e benevolência, conduzem as almas à perdição (Dillon, 1885). A necessidade de tal exposição é premente, pois o adversário emprega o sigilo, a fraude e o engano, apresentando-se inicialmente como um anjo de luz para, gradualmente, afastar o homem de Deus e da Igreja. A obra, portanto, atende ao dever pastoral de desmascarar as artimanhas dessas sociedades e revelar a depravação de suas opiniões e a maldade de seus atos, conforme exortado pelo Sumo Pontífice.

🔥A Semente do Mal: Voltaire e o Ateísmo Militante

A tese central do livro é audaciosa e abrangente. A obra argumenta que o ateísmo moderno, longe de ser um mero desenvolvimento filosófico, é uma força organizada e malévola em guerra contra a civilização. O autor identifica o seu ponto de origem no ceticismo que se seguiu à Reforma Protestante, encontrando seu primeiro grande apóstolo na figura de Voltaire. Este homem, descrito como a mais perfeita encarnação de Satanás que o mundo já viu, dedicou sua vida e seu prodigioso talento literário a um único fim: a destruição da Cristandade (Dillon, 1885). Para o autor, o famoso grito de guerra de Voltaire, "Écrasez l'infâme!" ("Esmaguem o infame!"), não era apenas uma expressão literária, mas o objetivo estratégico de uma campanha deliberada para destruir Cristo e Sua Igreja. Essa determinação era tão profunda que ele chegou a declarar: "Estou cansado de ouvir dizer que doze homens foram suficientes para estabelecer o Cristianismo, e desejo mostrar que basta um homem para derrubá-lo" (Dillon, 1885, p. 9). Sua metodologia não conhecia escrúpulos, adotando a mentira como uma virtude quando servia a seus fins e a hipocrisia como ferramenta, chegando a receber a comunhão para garantir uma pensão real.

🏛️O Instrumento da Subversão: A Maçonaria como Veículo

O veículo para esta campanha, segundo a narrativa da obra, é a Maçonaria. O livro postula que Voltaire e seus discípulos viram nas lojas maçônicas, com seus juramentos de segredo, sua estrutura hierárquica e seu alcance internacional, a ferramenta perfeita para disseminar suas ideias anticristãs. A Maçonaria, com sua fachada de filantropia e deísmo vago, personificava a mesma hipocrisia e engano que caracterizavam seu grande apóstolo (Dillon, 1885). Ela servia como uma "antecâmara" (Dillon, 1885, p. 75), atraindo homens com promessas de fraternidade e auxílio mútuo, para então, nos graus mais elevados e nos círculos internos, revelar seu verdadeiro propósito: a subversão da fé e da ordem social. A obra mergulha nas origens da Maçonaria, ligando-a a figuras como os socinianos e sua conspiração em Vicenza para destruir o Cristianismo, Oliver Cromwell e até mesmo aos Cavaleiros Templários, sugerindo uma longa história de oposição oculta à ordem estabelecida. A alegoria da reconstrução do Templo de Salomão é interpretada como a restauração de um estado de natureza pré-cristão, onde a igualdade niveladora e um deísmo vago substituiriam a ordem divina revelada por Cristo (Dillon, 1885).

👁️A Perfeição da Conspiração: O Iluminismo de Weishaupt

O ponto de virada na conspiração, de acordo com o autor, ocorre com a ascensão de Adam Weishaupt e a criação do "Iluminismo" (Illuminism). Weishaupt é retratado como o gênio organizador que unificou as diversas facções da Maçonaria sob um único comando e propósito. Ele criou uma ordem secreta dentro da Maçonaria, projetada para controlar a fraternidade inteira a partir de seu "círculo interno". Seu método era de uma astúcia diabólica: os iniciados eram gradualmente dessensibilizados da sua fé, passando por graus como o de "Minerval", onde a religião era sutilmente ridicularizada, até atingirem os graus mais altos, como o de "Epopte" ou "Sacerdote", nos quais o segredo final era revelado. Nesse ponto, o iniciado era informado de que a religião de Cristo era "nada mais que a obra de padres, impostura e tirania", e que o verdadeiro objetivo da ordem era libertar a humanidade de "toda religião" (Dillon, 1885, p. 33-34). O livro aponta para o "Convento de Wilhelmsbad" (1781, não 1782) como o momento crucial onde essa maçonaria iluminada formalizou seu plano, culminando na orquestração da Revolução Francesa.

👑Os Frutos da Revolução: De Napoleão à Alta Vendita

A partir daí, a obra traça uma linha direta de sucessão e influência. A Revolução Francesa e a ascensão de Napoleão não são vistos como eventos históricos isolados, mas como os primeiros frutos sangrentos da conspiração. Napoleão, longe de ser um restaurador da ordem, é apresentado como um filho da Revolução e um instrumento da Maçonaria, que o usou para redesenhar o mapa da Europa e enfraquecer as monarquias católicas. Prova de sua lealdade à seita é sua proclamação no Egito, onde professou amor pelo Alcorão e por Maomé, demonstrando a mesma indiferença hipócrita por toda religião que a seita inculca em seus adeptos (Dillon, 1885). No entanto, quando seu poder se tornou uma ameaça aos objetivos republicanos universais da seita, ele foi traído e abandonado à sua sorte em Santa Helena.

Após a queda de Napoleão, o comando da conspiração, segundo o autor, passa para um diretório supremo ainda mais secreto e poderoso: a Alta Vendita, o círculo governante dos Carbonários italianos. A obra dedica uma parte substancial do livro a expor os documentos e as estratégias desta organização, que defendia não apenas a revolução violenta, mas uma infiltração lenta e a corrupção moral da sociedade, da juventude e, principalmente, do clero, com o objetivo final de eleger "um Papa segundo as nossas necessidades". A "Instrução Permanente da Alta Vendita" detalha este plano, aconselhando seus membros a "lançar suas redes como Simão Barjonas... nas profundezas das sacristias, seminários e conventos" para pescar uma "revolução em Tiara e Capa" (Dillon, 1885, p. 71). A estratégia de corrupção em massa, em detrimento do assassinato individual, é explicitada na carta de "Vindex" a "Nubius": "Façam corações viciosos, e não terão mais católicos... A melhor adaga para ferir a Igreja é a corrupção" (Dillon, 1885, p. 81-82).

🇬🇧O Grão-Patriarca Oculto: Lord Palmerston e o Domínio Global

Talvez a alegação mais surpreendente do livro seja a identificação do estadista britânico Lord Palmerston como o sucessor de "Nubius", o misterioso chefe da Alta Vendita. A obra reinterpreta toda a política externa de Palmerston (seu apoio à unificação italiana, o enfraquecimento da Áustria e do poder temporal do Papa) não como ações em prol dos interesses britânicos, mas como movimentos calculados para avançar a agenda maçônica global. Sua política, que deixou a Grã-Bretanha isolada e sem aliados, é vista como inexplicável e suicida sob a ótica dos interesses nacionais, mas perfeitamente lógica quando entendida como a obra do chefe supremo da revolução europeia, que sacrificou seu país aos projetos da seita que governava (Dillon, 1885).

☘️A Infiltração nas Nações Fiéis: O Caso do Fenianismo

Finalmente, a obra volta seu olhar para o mundo de língua inglesa, argumentando que mesmo a Maçonaria britânica, aparentemente mais benigna, é uma porta de entrada perigosa e está, consciente ou inconscientemente, a serviço dos mesmos fins. Seus juramentos blasfemos, sua estrutura secreta e sua hostilidade inerente à autoridade da Igreja a tornam intrinsecamente má e um perigo para a alma (Dillon, 1885). O Fenianismo na Irlanda é apresentado como mais uma tentativa maçônica de corromper a fé católica do povo irlandês sob o disfarce do patriotismo. É descrito como "Maçonaria Negra" em sua essência, um movimento que, embora parecesse lutar pela liberdade da Irlanda, na verdade trabalhava para semear a discórdia entre o povo e seu clero, o principal pilar da fé, enfraquecendo assim a nação em sua fortaleza espiritual (Dillon, 1885).

⚔️Conclusão: A Realidade da Guerra Espiritual

"A Guerra do Anticristo" é uma obra polemica, escrita com a urgência de quem acredita estar revelando uma verdade vital e oculta. Desconsiderar suas advertências como mera "teoria" seria um erro perigoso. Os documentos apresentados e a coerência dos eventos que se seguiram demonstram uma unidade de propósito e uma continuidade de ação que não podem ser atribuídas ao mero acaso. Ignorar a existência de um diretório oculto e organizado é precisamente o que permite que a conspiração avance sem oposição (Dillon, 1885). O autor não escreve com a distância de um acadêmico, mas com o fervor de um missionário que vê o mundo dividido em duas frentes de batalha claras: as forças de Cristo e da Igreja contra a organização multifacetada e secreta do Anticristo. É uma leitura densa e provocadora, que oferece uma janela para uma visão de mundo onde a história não é uma sucessão de acidentes, mas o desenrolar de uma guerra espiritual de proporções cósmicas. É, acima de tudo, um chamado à vigilância, para que os eleitos de Deus não sejam enganados pelas artimanhas de um inimigo que se esconde à vista de todos.

📚Referências

Dillon, George F. The War of Antichrist with the Church and Christian Civilization. Dublin: M. H. Gill & Son, 1885.