🔑O Princípio do Paralelismo como Chave de Compreensão
Segundo o texto, a existência de paralelismos na liturgia, longe de ser estranha, é a norma em toda a arte e até nos processos cognitivos humanos. O autor utiliza a analogia de ter dois olhos e dois ouvidos para perceber melhor uma única realidade, ou de um trem que corre sobre dois trilhos paralelos para se manter estável. Reduzir a liturgia a uma "linha única, desacompanhada e não relacional" é descrito como uma "falha racionalista" que não se encontra em nenhum rito litúrgico de origem divino-apostólica. Citando o Pe. Barthe, o texto estabelece que o paralelismo entre o Ofertório e o Cânon Romano não é uma antecipação incoerente, mas um sistema cuidadosamente construído para aprofundar o entendimento teológico.
🔍Análise dos Paralelismos Entre o Ofertório e o Cânon
O corpo principal do artigo detalha seis paralelismos específicos entre as orações do Ofertório tradicional e as do Cânon da Missa, conforme exposto pelo Pe. Barthe:
A oração Suscipe, sancte Pater, onde o pão é oferecido como "hóstia imaculada" pelos pecados, corresponde diretamente à oração Hanc igitur e à própria Consagração da Hóstia no Cânon, estabelecendo desde o início o propósito propiciatório do sacrifício.
As orações Deus qui humanae substantiae (sobre a mistura de água e vinho) e Offerimus tibi, Domine, calicem salutaris correspondem à Consagração do vinho. O texto explora a rica simbologia da mistura de água e vinho, que representa a união dos fiéis com Cristo (São Cipriano), a humanidade de Cristo (Concílio de Florença) e, segundo Santo Tomás de Aquino, possui uma tripla alegoria: a Paixão (sangue e água do lado de Cristo), a união do povo com Cristo e a entrada na vida eterna.
As orações In spiritu humilitatis e a invocação Veni, sanctificator (Vinde, Santificador) no Ofertório funcionam como um paralelo da epiclese Supplices te rogamus no Cânon. Ambas são um pedido para que o poder de Deus desça sobre o sacrifício ou que este seja elevado a Ele, embora o autor note que o termo "sanctificator" não se refere necessariamente à Pessoa do Espírito Santo.
O Lavabo (Salmo 25), que acompanha o lavar das mãos do celebrante, prepara para a oração Nobis quoque peccatoribus no Cânon. O ato de lavar as mãos simboliza a purificação da consciência do sacerdote, que, embora se declare inocente no salmo, mais tarde se reconhece como pecador, pedindo para ser admitido na companhia dos santos não por mérito, mas por perdão.
A grande oração final do Ofertório, Suscipe, sancta Trinitas, que oferece o sacrifício em memória da Paixão, Ressurreição e Ascensão e em honra dos santos, é uma anamnese (lembrança) que espelha diretamente a anamnese do Cânon (Unde et memores) e a menção aos santos na oração Communicantes.
O convite Orate, fratres (Orai, irmãos) e a resposta da assembleia, pedindo que o sacrifício seja "aceitável", ecoam a oração Quam oblationem do Cânon, que pede a Deus que abençoe e torne a oferenda "aceitável". O autor ainda nota que o gesto do sacerdote no Orate, fratres é idêntico ao da bênção final e que o convite à oração reflete o de Cristo aos apóstolos no Getsêmani.
🌍O Paralelismo como Característica Universal da Tradição Divina
Na conclusão, o texto argumenta que este princípio de paralelismo não é exclusivo do Rito Romano, mas é encontrado também em outros ritos, como o Bizantino, e tem sua raiz na própria Palavra de Deus. A poesia hebraica, por exemplo, é estruturada fundamentalmente em frases paralelas que se ecoam. O autor cita o profeta Jeremias ("Não confieis em palavras mentirosas, dizendo: Templo do Senhor, templo do Senhor, é o templo do Senhor") como um exemplo bíblico de repetição enfática e significativa. A ideia final é que não basta ter um "rito válido" em seu mínimo; é preciso buscar a "plenitude da tradição", que inclui estas ricas e complexas estruturas de paralelismo, pois elas são parte integral do modo como Deus se comunica e se doa ao seu povo.