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terça-feira, 15 de outubro de 2024

Questão Religiosa - Estado, Igreja Católica e maçonaria

A Questão Religiosa foi um conflito que ocorreu no Brasil durante o Império, envolvendo o Estado, a Igreja Católica e a maçonaria. O episódio central desse embate ocorreu na década de 1870, quando o país vivia um período de transição e modernização. A principal questão era o papel da Igreja Católica em um Estado que se declarava laico, mas que ainda mantinha fortes laços com a religião católica, influenciado pela presença significativa da maçonaria entre as elites brasileiras.

No Brasil do século XIX, o catolicismo era a religião oficial do Estado, mas a maçonaria exercia grande influência política e social. Muitos líderes do Império, incluindo Dom Pedro II e figuras importantes de seu governo, eram maçons. A Igreja Católica, por sua vez, estava vinculada ao Estado, mas enfrentava a pressão de reformar-se, especialmente diante da expansão dos ideais liberais e positivistas.
Conflito com a Maçonaria:

O conflito começou quando bispos católicos começaram a excomungar padres e membros do clero que também participavam de lojas maçônicas. A maçonaria era vista pela Igreja como uma organização secreta e subversiva, especialmente após o Syllabus Errorum (1864), documento do Papa Pio IX que condenava diversas ideias modernas, incluindo o liberalismo e as sociedades secretas, como a maçonaria.

Dois bispos, Dom Vital de Oliveira, de Olinda e Recife, e Dom Antônio de Macedo Costa, do Pará, tornaram-se protagonistas desse conflito. Eles aplicaram as excomunhões a clérigos que não deixaram a maçonaria, mesmo após ordens eclesiásticas. Os principais alvos dessas excomunhões foram padres e membros influentes da sociedade que participavam ativamente da maçonaria, desafiando as orientações da Igreja Católica, que condenava a participação em sociedades secretas. Alguns dos clérigos excomungados incluem:

Padre José Maria dos Reis (Recife) Um dos mais proeminentes clérigos excomungados por Dom Vital. Ele era pároco em Recife e também membro da maçonaria. Sua recusa em deixar a maçonaria, mesmo após as advertências do bispo, levou à sua excomunhão.

Excomungado por Dom Antônio de Macedo Costa no Pará. Padre Vicente Pacheco era outro líder eclesiástico local que não acatou as ordens da Igreja para abandonar a maçonaria e, por isso, foi excomungado.

Vários outros padres e leigos que ocupavam cargos de prestígio nas dioceses de Recife e Belém também foram atingidos pelas excomunhões. O número exato e os nomes de todos os envolvidos não são sempre claramente mencionados nas fontes históricas, mas esses casos simbolizam a postura de resistência dos bispos à infiltração maçônica no clero.

Uma violação do Padroado

O Padroado era um sistema de relações entre a Igreja Católica e o Estado, no qual o governo português, e posteriormente o brasileiro, tinha o direito de controlar diversos aspectos da administração da Igreja em seus territórios. Esse sistema foi estabelecido por acordos entre a monarquia e a Santa Sé, conhecidos como Tratados do Padroado, que conferiam poderes significativos ao Estado sobre questões eclesiásticas. No Brasil, o Padroado continuou em vigor durante todo o período imperial (1822-1889).

Nomeação de bispos e padres
O Imperador tinha o direito de indicar bispos para as dioceses brasileiras, sendo essas nomeações sujeitas à aprovação final do Papa. Na prática, isso significava que os bispos eram escolhidos pela monarquia, e a Igreja tinha pouca autonomia para decidir seus líderes.
A nomeação de padres em paróquias locais também estava sob alguma influência do Estado, especialmente em áreas mais estratégicas.

Controle sobre os bens da Igreja
O Estado controlava os bens materiais e financeiros da Igreja, incluindo terras e propriedades que pertenciam a ela. Os dízimos (contribuições financeiras dos fiéis) eram coletados pelo governo, que administrava parte dos recursos da Igreja e financiava suas atividades, como a construção de igrejas.
A Igreja, portanto, dependia do governo para parte de seu financiamento e manutenção, o que limitava sua autonomia econômica.

Intervenção em decisões eclesiásticas
O Estado tinha o direito de aprovar ou vetar decisões eclesiásticas importantes. Por exemplo, as bulas papais (decretos do Papa) só podiam ser publicadas e implementadas no Brasil com a autorização do Imperador.
Esse controle se estendia também a ações disciplinares, como a excomunhão de clérigos, que deveriam ter a concordância do governo para serem reconhecidas oficialmente. A recusa do governo em aprovar as excomunhões dos clérigos envolvidos com a maçonaria durante a Questão Religiosa exemplifica esse aspecto do Padroado.

Patrocínio do culto católico
Como o catolicismo era a religião oficial do Império, o governo patrocinava e apoiava as atividades da Igreja, que desempenhava um papel central na vida religiosa e educacional do país.
A Igreja tinha exclusividade em cerimônias oficiais, como casamentos e funerais, e suas celebrações eram eventos importantes para a sociedade.

Resposta do Imperador

Dom Pedro II, apesar de ser maçom, manteve uma postura de moderação ao longo do conflito. No entanto, o impasse aumentou quando o governo do Império decidiu intervir diretamente em favor da maçonaria, uma vez que as excomunhões afetavam muitos de seus membros. Como resultado, os bispos Dom Vital e Dom Macedo Costa foram presos em 1874, condenados a quatro anos de trabalhos forçados, sob a acusação de desafiarem a autoridade do Estado.

A prisão dos bispos gerou uma onda de protestos por parte da Igreja Católica e de setores da sociedade que apoiavam a independência da Igreja em relação ao Estado. Dom Pedro II, inicialmente apoiando a prisão, enfrentou pressões e, dois anos depois, em 1875, concedeu perdão aos bispos, encerrando o conflito.

Esse episódio marcou o enfraquecimento da influência da Igreja Católica no Brasil e foi um dos fatores que contribuíram para o distanciamento entre a Igreja e o Estado, uma tendência que culminaria na proclamação da República em 1889 e na separação formal entre Igreja e Estado. Além disso, a Questão Religiosa expôs as tensões entre o conservadorismo da Igreja e o liberalismo crescente entre as elites políticas e intelectuais do país.

Linha do tempo

1850s-1860s: Tensões iniciais
Antecedentes: A Igreja Católica enfrenta crescente influência da maçonaria, especialmente entre as elites políticas e intelectuais. A publicação do Syllabus Errorum em 1864, pelo Papa Pio IX, condena o liberalismo, o racionalismo e as sociedades secretas, como a maçonaria, aumentando a tensão entre a Igreja e a maçonaria.

1872: Início das excomunhões
Abril de 1872: O bispo de Olinda e Recife, Dom Vital de Oliveira, decide excomungar membros do clero que também pertenciam à maçonaria, após ignorarem suas advertências para se afastarem das lojas maçônicas.
Outubro de 1872: O bispo do Pará, Dom Antônio de Macedo Costa, segue os mesmos passos de Dom Vital e excomunga clérigos que participavam da maçonaria em sua diocese.

1873: Conflito com o Estado
Maio de 1873: Os bispos Dom Vital e Dom Macedo Costa continuam com as excomunhões. O governo imperial vê essas ações como uma violação do Padroado, o sistema que regulava as relações entre a Igreja e o Estado no Brasil. A maçonaria, fortemente presente no governo, exerce pressão contra os bispos.

1874: Prisões dos bispos
Janeiro de 1874: O governo de Dom Pedro II decide intervir diretamente no conflito. Os bispos Dom Vital e Dom Macedo Costa são convocados a depor perante o Supremo Tribunal de Justiça do Império.
Fevereiro de 1874: Dom Vital é preso e condenado a quatro anos de trabalhos forçados. Dom Macedo Costa também é preso e sentenciado ao mesmo período de trabalhos forçados.
As prisões causam comoção no país e uma divisão ainda maior entre os partidários do governo (principalmente maçons) e aqueles que apoiam a independência da Igreja.

1875: Perdão imperial
Setembro de 1875: Após pressões internas e internacionais, e devido ao aumento da popularidade dos bispos entre os católicos brasileiros, Dom Pedro II concede perdão aos bispos. Eles são libertados, mas o conflito deixa marcas profundas nas relações entre Igreja e Estado.