O Fantasma de Cranmer: A Matriz Anglicana da Missa de Paulo VI na Análise de Padre Anthony Cekada


A crítica tradicionalista à Missa de Paulo VI frequentemente emprega a acusação, por vezes vaga, de "protestantização". Na análise rigorosa e implacável do Padre Anthony Cekada, apresentada na sua obra magna Obra de Mãos Humanas, esta acusação deixa o campo da opinião para se tornar uma tese demonstrável. Para Cekada, a reforma que produziu o Novus Ordo Missae não é apenas vagamente protestante; ela é, em sua estrutura, método e teologia subjacente, um espelho da Reforma Anglicana. O fantasma de Thomas Cranmer, argumenta Cekada, não apenas assombra o novo rito, mas parece ter sido o seu principal arquiteto espiritual. 

O fundamento de toda a análise de Cekada reside no princípio católico perene: Lex orandi, lex credendi — a lei da oração é a lei da fé. A forma como a Igreja reza expressa e salvaguarda aquilo em que crê. Cekada postula que nenhum revolucionário foi mais mestre na aplicação deste princípio do que Thomas Cranmer. A estratégia anglicana não foi a de emitir um decreto abolindo a doutrina do Sacrifício da Missa, mas sim a de criar um novo rito, o Book of Common Prayer, que sistematicamente removia toda e qualquer referência explícita a ele.

Cekada demonstra que os arquitetos da Missa Nova, sob a égide do Consilium, seguiram precisamente este método. Em vez de negar abertamente o caráter sacrificial da Missa, eles "destruíram a doutrina católica na mente dos fiéis" (CEKADA, p. 27) através de uma campanha de omissão e substituição. A guerra não foi declarada, foi travada por meio da subversão litúrgica, um método que Cekada vê como uma repetição direta da estratégia anglicana.

Um dos pontos mais contundentes de Cekada é a identificação da ambiguidade deliberada como a principal arma dos reformadores, tanto antigos quanto modernos. Ele cita o historiador jesuíta Francis Clark, que descreveu o rito de Cranmer como uma "composição engenhosa de ambiguidade", redigida de tal maneira que pudesse ser interpretada tanto por católicos remanescentes quanto por protestantes convictos. Cekada aplica esta mesma análise à Instrução Geral do Missal Romano (IG) de 1970, que ele chama de produto da "esperteza dos revisores" (CEKADA, p. 175).

A IG revisada, argumenta ele, tornou-se "elástica o suficiente para acomodar-se a qualquer um dos dois conceitos" (CEKADA, p. 202) — Sacrifício ou assembleia, Presença Real ou presença simbólica. Esta dualidade permite a coexistência de interpretações contraditórias, gerando uma paz litúrgica às custas da verdade dogmática. Para Cekada, esta não é uma falha acidental, mas um projeto deliberado, um eco direto da política de Cranmer para apaziguar facções opostas enquanto gradualmente se erodia a fé católica. A análise de Cekada torna-se devastadora quando ele alinha, ponto por ponto, as reformas de Cranmer com as de Paulo VI.

a) O Desmantelamento do Ofertório: O coração do Sacrifício visível na Missa Tridentina, o Ofertório, com suas orações explicitamente sacrificiais (Suscipe, Sancte Pater; Offerimus tibi), foi a primeira vítima de Cranmer. Cekada demonstra que o Novus Ordo repete este ato com precisão cirúrgica, abolindo o rito do Ofertório e substituindo-o pela "Preparação dos Dons", cujas orações são baseadas em bênçãos de mesa judaicas que não contêm a menor alusão ao conceito de sacrifício propiciatório (CEKADA, Cap. 11, pp. 349-351).

b) Do Altar ao Banquete: Cranmer ordenou a destruição dos altares de pedra e sua substituição por mesas de madeira para simbolizar a mudança de um sacrifício para uma ceia. Cekada cita o reformador anglicano Nicholas Ridley, que justificou a mudança para "afastar os símplices das opiniões supersticiosas da Missa Papista" (CEKADA, p. 225). O livro argumenta que a promoção universal do altar versus populum na Missa Nova, embora disfarçada de "retorno à antiguidade", serve exatamente ao mesmo propósito teológico anglicano: transformar o foco de Deus (ad orientem) para a comunidade.

c) A Comunhão na Mão: Cekada identifica a introdução da Comunhão na mão como um gesto carregado de teologia protestante. Foi uma prática defendida pelos reformadores do século XVI, como Martin Bucer, para atacar a "falsa honra" do sacramento e a "arrogância perversa dos sacerdotes". Era um ataque direto à Presença Real e ao sacerdócio sacramental. A sua reintrodução no rito pós-conciliar, para Cekada, não é uma questão de disciplina, mas um "sacrilégio integrado que destrói a fé" (CEKADA, p. 459), pois importa para o rito católico o mesmo repúdio herético.

d) Os Observadores Protestantes: Como prova final da influência direta, Cekada recorda a presença de seis observadores protestantes, incluindo o anglicano Dr. Ronald Jasper, nas deliberações do Consilium. Ele ironiza a ideia de que eles eram meros espectadores, citando o Monsenhor William Baum que, em 1967, afirmou que eles "participam plenamente nas discussões... e eles contribuíram" (CEKADA, p. 106). Para Cekada, isto é a confissão de que a matriz protestante não foi apenas um modelo histórico, mas uma influência ativa e presente.

Na análise do Padre Anthony Cekada, os paralelos entre a Reforma Anglicana e a Missa de Paulo VI são demasiado numerosos, sistemáticos e precisos para serem considerados mera coincidência. Desde o princípio metodológico de subverter a fé através do rito, passando pela estratégia da ambiguidade, até às mudanças concretas no Ofertório, no altar e no rito de comunhão, o Novus Ordo Missae revela-se não como um produto da tradição católica, mas como o resultado da aplicação de princípios revolucionários testados e comprovados pela Reforma Protestante, em particular, a sua variante anglicana. A conclusão de Cekada é inequívoca: o fantasma de Thomas Cranmer não apenas assombra a nova liturgia; ele foi, de fato, invocado para presidir a sua criação. A obra de 1969 não é um rito católico reformado, mas uma liturgia anglicanizada imposta à Igreja Católica.

Referência

Cekada, Anthony. Obra de Mãos Humanas: Uma crítica teológica à Missa de Paulo VI. (2010),