Esta revelação expõe uma contradição gritante com a justificativa apresentada pelo próprio Francisco para a supressão da Missa Antiga, por meio do Motu Proprio Traditionis Custodes de 16 de julho de 2021. Na carta que acompanhou o documento, Francisco alegou que as respostas dos bispos revelavam "uma situação que me preocupa e entristece, e me persuade da necessidade de intervir", e que sua decisão era uma resposta aos "vossos pedidos". A divulgação do relatório, que o Vaticano proibiu de ser tornado público, demonstra que a premissa para a supressão da Missa Tradicional foi, na melhor das hipóteses, uma grave distorção da verdade e, na pior, uma mentira deliberada.
Como se não bastasse, o liturgista Andrea Grillo – apontado como um dos arquitetos da Traditionis Custodes – respondeu à revelação não negando a veracidade do relatório, mas afirmando que os bispos do mundo simplesmente "estavam errados" e que sua avaliação era "totalmente distorcida", baseada numa "teoria falsa". Segundo Grillo, os oficiais da Cúria que compilaram o relatório demonstram um nível de "analfabetismo teológico". O artigo que se segue fará uma análise crítica deste episódio à luz da crise mais ampla que ele manifesta.
Não se deve ver o episódio da Traditionis Custodes como um evento isolado ou um simples erro de comunicação. Pelo contrário, ele representa a culminação lógica dos princípios que nortearam a reforma litúrgrica desde o seu início. Uma análise atenta dos eventos que levaram à criação da Missa Nova revela que a ambiguidade, a manipulação e o obscurecimento da verdade foram as ferramentas utilizadas para implementar uma agenda revolucionária.
A própria Constituição sobre a Sagrada Liturgia do Vaticano II, como se sabe, foi redigida com tantas proposições ambíguas e contraditórias que se tornou uma verdadeira "bomba-relógio" (CALDERÓN, 2010, p. 392). Por um lado, afirmava-se a necessidade de "conservar a sã tradição"; por outro, abria-se o caminho para um "progresso legítimo". O latim devia ser "preservado", mas a língua pátria podia receber um lugar "adequado". Tais formulações, como se observa em uma crítica à Missa de Paulo VI, foram deliberadamente escritas em uma linguagem de "mas" e "por um lado/por outro", de modo que o texto pudesse significar qualquer coisa (CEKADA, 2010, p. 103).
A justificação de Francisco para a Traditionis Custodes segue precisamente este método. A alegação de que agia em resposta aos "desejos do episcopado" era, como agora se sabe, factualmente falsa. O verdadeiro desejo do episcopado, conforme expresso no relatório, era de continuidade e paz. O que se vê, portanto, não é um ato pastoral, mas um ato de poder ideológico que precisa fabricar uma realidade paralela para se justificar.
A reação de Andrea Grillo é ainda mais reveladora. Ao não negar a veracidade do relatório, mas desqualificar a competência teológica de todo o episcopado mundial, ele encarna perfeitamente o espírito que um autor chamou de "humanismo conciliar". Nesta visão, o homem – e, mais especificamente, o perito, o gênio teológico – torna-se a medida de todas as coisas, inclusive da fé e da tradição da Igreja. Os bispos, em seu contato diário com a realidade das dioceses, podem ter observado frutos positivos, mas sua avaliação está "distorcida" porque não se alinha à "teoria" correta – a teoria dos reformadores. É a manifestação da "Religião do Homem", onde a experiência subjetiva do "especialista" se sobrepõe à realidade objetiva e à autoridade magisterial (CALDERÓN, 2010, p. 7).
O cerne da questão não é a sinceridade ou a falta dela por parte das autoridades, mas a incompatibilidade fundamental entre as duas formas do Rito Romano. Grillo acerta em um ponto: as duas formas fomentam o "choque, a divisão, a negação mútua". Mas erra na causa. A divisão não ocorre porque os tradicionalistas rejeitam o Vaticano II, mas porque os dois ritos expressam duas teologias diferentes e, em última instância, duas religiões diferentes.
A Missa Tradicional, com sua linguagem, gestos e rubricas, expressa inequivocamente as doutrinas católicas do Sacrifício propiciatório, do sacerdócio hierárquico e da Presença Real de Cristo por transubstanciação. Já a Missa de Paulo VI, como se demonstra exaustivamente em "Obra de Mãos Humanas", foi sistematicamente purgada destes mesmos elementos para se adequar à teologia protestante e modernista. A essência do Novus Ordo é a de uma "ceia da assembleia", onde o "sacrifício" é reduzido a um memorial e a "presença" de Cristo se dilui na comunidade e na Palavra (CEKADA, 2010, p. 141-147).
A paz litúrgica que os bispos relataram em 2020 era, na verdade, uma coexistência tensa entre duas visões de mundo. Para os arquitetos da Nova Missa, esta paz era intolerável, pois a simples existência e o florescimento da Missa Tradicional representavam um julgamento silencioso e uma refutação viva de todo o seu projeto. A "unidade" que Francisco e Grillo buscam não é a unidade na fé católica, mas a unidade na aceitação da nova religião. Para alcançá-la, a antiga religião deve ser extinta.
Neste contexto, a supressão do relatório dos bispos não foi um ato de prudência, mas de necessidade. Publicá-lo seria admitir que o experimento de cinquenta anos falhou e que os fiéis, especialmente os jovens, estão redescobrindo a Tradição não por nostalgia, mas por uma sede de sagrado que a nova liturgia, por sua própria natureza, não pode saciar. Seria admitir, como diz o relatório, que a Missa Antiga é um "tesouro da Igreja" e que a "hermenêutica da continuidade" de Bento XVI estava correta. Para a facção revolucionária, tal admissão é impossível.
Assim, o episódio da Traditionis Custodes não é uma anomalia, mas a manifestação clara da crise de autoridade que aflige a Igreja (NOUGUÉ, 2017, p. 233-251). Quando a autoridade se desvincula da Tradição e da verdade objetiva, ela passa a governar não por direito divino, mas por pura vontade e poder, necessitando de subterfúgios e da supressão da verdade para impor sua agenda. A Nova Missa é, de fato, uma "obra de mãos humanas", e seus defensores, como o Chapeleiro Louco de Alice, precisam insistir que todos estão errados, exceto eles, para que seu mundo de fantasia não desmorone.
Referências
CALDERÓN, Álvaro. Prometeo: la religión del hombre. Ensayo de una hermenéutica del Concilio Vaticano II. Moreno: Ediciones Río Reconquista, 2010.
CEKADA, Anthony. Obra de Mãos Humanas: uma crítica teológica à missa de Paulo VI. West Chester: Philothea Press, 2010.
NOUGUÉ, Carlos. Do Papa Herético e outros opúsculos. Formosa: Edições Santo Tomás, 2017.
CALDERÓN, Álvaro. Prometeo: la religión del hombre. Ensayo de una hermenéutica del Concilio Vaticano II. Moreno: Ediciones Río Reconquista, 2010.
CEKADA, Anthony. Obra de Mãos Humanas: uma crítica teológica à missa de Paulo VI. West Chester: Philothea Press, 2010.
NOUGUÉ, Carlos. Do Papa Herético e outros opúsculos. Formosa: Edições Santo Tomás, 2017.