Introdução Geral à Obra:
A obra "A Conjuração Anticristã" (originalmente "La Conjuration Antichrétienne: Le Temple Maçonnique voulant s'élever sur les ruines de l'Église Catholique") de Monsenhor Henri Delassus é um extenso tratado que argumenta a existência de uma conspiração secular, organizada e contínua, com o objetivo final de destruir a Igreja Católica e a civilização cristã, substituindo-as por uma ordem social baseada no naturalismo, no secularismo e, em última instância, no que o autor considera ser a adoração do Homem (e, por extensão, de Satanás). Delassus traça as origens dessa conspiração, identifica seus principais agentes (principalmente a Maçonaria, mas também movimentos intelectuais e políticos) e analisa suas manifestações históricas e contemporâneas, culminando com uma visão teológica da luta e sua eventual resolução.
TOMO I: HISTÓRICO – Dos Primórdios à Revolução
O primeiro tomo da obra dedica-se a estabelecer as bases históricas e filosóficas da "conjuração anticristã". Delassus começa por postular a existência de duas civilizações fundamentalmente opostas: a civilização cristã, baseada na Revelação divina, na ordem sobrenatural, na autoridade de Deus e da Igreja; e uma "outra" civilização, que ele identifica como moderna, mas que na verdade seria um ressurgimento do paganismo, baseada no naturalismo, no racionalismo e na autonomia humana.
As Duas Civilizações: O autor detalha a concepção cristã da vida, onde o homem tem um fim sobrenatural, e a sociedade deve ser organizada para facilitar a consecução desse fim. Em oposição, apresenta a concepção "moderna" (ou pagã renascida) que foca na felicidade terrena e na satisfação das paixões humanas, negando ou marginalizando o sobrenatural.
A Renascença (Século XIV-XVI): Delassus identifica a Renascença como o ponto de partida crucial dessa "outra" civilização. Ele a vê como um movimento que, sob o pretexto de reviver a cultura clássica, reintroduziu o naturalismo, o humanismo (entendido como a centralidade do homem em detrimento de Deus) e um espírito pagão que começou a minar a ordem cristã medieval. A arte, a literatura e a filosofia da Renascença são analisadas sob essa ótica crítica.
A Reforma Protestante (Século XVI): A Reforma é apresentada como o segundo grande golpe contra a civilização cristã. Ao quebrar a unidade religiosa da Europa e ao rejeitar a autoridade da Igreja Católica, a Reforma teria facilitado a disseminação de ideias individualistas e racionalistas, enfraquecendo a ordem social e espiritual cristã e pavimentando o caminho para desenvolvimentos posteriores da conjuração.
O Filosofismo (Século XVIII – Iluminismo): O Iluminismo é descrito como a fase em que as ideias naturalistas e anticristãs, fermentadas desde a Renascença e impulsionadas pela Reforma, se cristalizam em um sistema filosófico e político coeso. Figuras como Voltaire, Rousseau e os Enciclopedistas são apresentados como os principais arquitetos intelectuais da Revolução, promovendo o racionalismo, o deísmo, o ateísmo e o ódio à Igreja e à monarquia.
A Franco-Maçonaria: Delassus introduz a Franco-Maçonaria como a sociedade secreta que serve de principal agente organizador e propagador dessas ideias anticristãs. Ele a descreve como uma força oculta trabalhando nos bastidores para minar as instituições cristãs e preparar a revolução social e política.
A Revolução Francesa (1789): A Revolução Francesa é o clímax deste primeiro tomo. Delassus a interpreta não como um levante popular espontâneo, mas como o resultado direto e planejado da conspiração maçônica e filosófica. Ele detalha como os princípios revolucionários (liberdade, igualdade, fraternidade – interpretados de forma secular e anticristã) e os atos da Revolução (perseguição à Igreja, regicídio, tentativa de descristianização) representam a primeira grande tentativa de destruir a ordem cristã e estabelecer o "Templo Maçônico" – um estado secular baseado no culto da Razão e da Natureza. Figuras como os Iluministas e os Jacobinos são vistos como os executores desse plano.
Conclusão do Tomo I: Delassus argumenta que, embora a fase mais violenta da Revolução Francesa tenha terminado, a conjuração não foi derrotada, mas apenas adaptou suas táticas, continuando sua obra de subversão de forma mais sutil e persistente.
TOMO II: HISTÓRICO – Da Revolução aos Dias Atuais (do autor, ou seja, até o início do século XX)
O segundo tomo continua a narrativa histórica, focando na atuação da "conjuração anticristã" desde a Revolução Francesa até a época em que Delassus escreve. Ele também se aprofunda na natureza, organização e métodos da Franco-Maçonaria, identificada como o principal agente dessa conspiração.
Parte 1: A Continuação da Obra Revolucionária no Século XIX e Início do XX:
Era Napoleônica: Delassus analisa o período napoleônico não como uma restauração da ordem, mas como uma consolidação de certos princípios revolucionários sob uma forma autoritária. A Concordata é vista como uma concessão tática da Igreja, mas os Artigos Orgânicos e a política geral de Napoleão são interpretados como tentativas de subjugar a Igreja ao Estado.
A Restauração e as Monarquias Liberais: O autor critica as monarquias restauradas e as monarquias constitucionais do século XIX por não terem rompido completamente com os princípios revolucionários e por terem, em muitos casos, continuado a política de controle estatal sobre a Igreja ou cedido ao liberalismo, que ele considera uma emanação da Maçonaria.
O Liberalismo e o Ataque à Igreja: O liberalismo é visto como a principal ferramenta ideológica da conjuração no século XIX, promovendo o secularismo, a liberdade de culto (entendida como indiferentismo religioso), a separação entre Igreja e Estado, e o controle estatal da educação. Delassus detalha as lutas da Igreja contra os governos liberais em vários países, especialmente na França e na Itália (com a questão romana e a unificação italiana, que levaram à perda dos Estados Pontifícios).
A Situação Contemporânea (Terceira República na França): Grande parte do tomo é dedicada a analisar a situação da França sob a Terceira República, que Delassus considera um regime fundamentalmente maçônico e anticristão. Ele denuncia as leis de laicização (escolas, hospitais), a expulsão das congregações religiosas, a lei de separação entre Igreja e Estado (1905) e a "corrupção moral e intelectual" da sociedade como frutos diretos da ação maçônica.
Parte 2: A Franco-Maçonaria – Constituição e Meios de Ação:
Origens e Natureza da Maçonaria: Delassus reitera a visão da Maçonaria como uma sociedade secreta com raízes profundas (possivelmente ligando-a a antigas seitas gnósticas ou aos Templários, embora com foco em sua manifestação moderna). Sua essência é o naturalismo e o anticristianismo.
Organização e Hierarquia: O autor descreve a estrutura hierárquica da Maçonaria, com seus diferentes ritos (Escocês, etc.), graus de iniciação (aprendiz, companheiro, mestre, e os altos graus), lojas, Grandes Lojas e Supremos Conselhos. Ele argumenta que apenas os iniciados nos graus mais elevados conhecem os verdadeiros objetivos da seita.
O Segredo Maçônico e o Juramento: A importância do segredo e dos juramentos terríveis é enfatizada como forma de garantir a obediência e impedir a divulgação dos planos.
Métodos de Ação:
Infiltração: Nos governos, na administração, na educação, no exército, na imprensa.
Propaganda: Disseminação de ideias "modernas" (liberdade de pensamento, tolerância mal compreendida, progresso material como fim último) através da literatura, do teatro, da imprensa e da educação "neutra" ou laica.
Corrupção das Ideias e da Linguagem: Perversão do significado de palavras como "liberdade", "igualdade", "progresso", "ciência", "razão".
Criação de um Estado de Espírito: Fomentar o ceticismo religioso, o materialismo, o individualismo e o ódio ao "clericalismo" (que para Delassus é um eufemismo para o catolicismo).
Ação Política: Influenciar eleições, promover leis anticristãs, controlar os governos.
O "Templo Maçônico": O objetivo final da Maçonaria é a construção de um "Templo" simbólico, que representa uma nova ordem social mundial, uma república universal baseada em princípios naturalistas e humanitários, erguida sobre as ruínas da Igreja Católica e da civilização cristã. Este Templo é, para Delassus, a antítese da Cidade de Deus.
O "Poder Oculto": Delassus sugere a existência de um "Poder Oculto" ou uma direção suprema, possivelmente de inspiração judaica (uma ideia comum em teorias conspiratórias da época), que estaria por trás da Maçonaria e de outros movimentos revolucionários, orquestrando a conjuração em escala global.
Conclusão do Tomo II: A Maçonaria é o agente incansável e multiforme da conjuração, adaptando suas táticas às circunstâncias, mas sempre visando ao mesmo fim: a destruição do cristianismo.
TOMO III: SOLUÇÃO DA QUESTÃO
O terceiro tomo transcende a análise histórica e sociopolítica para oferecer uma interpretação teológica e metafísica do conflito, buscando a "solução" para a crise da civilização cristã.
O Mundo, Céu e Terra, e seu Enigma:
Origem Cósmica do Conflito: Delassus remonta a origem da "conjuração" à rebelião de Lúcifer e dos anjos decaídos contra Deus. Esta rebelião primordial é vista como a primeira manifestação do "naturalismo" – a recusa da ordem sobrenatural e da submissão à autoridade divina. Lúcifer é o "Grande Arquiteto" da contra-Igreja.
A Queda do Homem: O pecado original é interpretado como a extensão dessa rebelião à humanidade, tornando-a suscetível às tentações do naturalismo e à influência satânica.
A História como Luta Espiritual: Toda a história humana é vista como um campo de batalha entre duas forças: o plano divino de salvação e redenção, operado através de Cristo e Sua Igreja; e o plano satânico de perdição, operado através da "conjuração anticristã" e seus agentes.
A Obra do Amor Eterno e a Queda:
O Plano Divino: Deus, em Seu amor, não abandonou a humanidade após a queda. A Encarnação do Verbo, a vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo são o centro da história e o meio de restauração da ordem sobrenatural.
A Igreja Católica: É a continuação da obra de Cristo no mundo, a guardiã da verdade revelada, a dispensadora dos sacramentos e o único caminho para a salvação. Sua missão é combater o erro e o mal, e conduzir as almas a Deus.
O Papel da Santíssima Virgem Maria: Delassus, seguindo a tradição católica, atribui um papel central à Virgem Maria na luta contra Satanás. Ela é a "Mulher" prometida no Gênesis que esmagará a cabeça da serpente, e a "Mulher vestida de sol" do Apocalipse. A devoção mariana é vista como uma arma poderosa no combate espiritual.
A Tentação Fundamental e Geral:
Naturalismo vs. Sobrenaturalismo: Esta é a tentação fundamental que perpassa toda a história e se manifesta de diversas formas (paganismo, heresias, Renascença, Reforma, Revolução, liberalismo, modernismo). Consiste na exaltação da natureza humana e da razão em detrimento da graça divina e da fé.
A Tentação Contemporânea: Delassus analisa as manifestações contemporâneas dessa tentação: o cientificismo, o materialismo, o socialismo, o internacionalismo, o laicismo agressivo, e o "modernismo" teológico dentro da própria Igreja (condenado por Pio X).
A Solução:
Retorno à Fé e à Ordem Cristã: A única solução para a crise é um retorno integral aos princípios da civilização cristã: a fé católica, a moral evangélica, a autoridade da Igreja, a organização social hierárquica e cristocêntrica.
Combate Espiritual: Os católicos são chamados a uma luta espiritual ativa contra as forças do mal, usando as armas da oração, do sacrifício, dos sacramentos, da apologética e da ação social católica.
A Confiança na Providência Divina e no Triunfo Final: Apesar da aparente força da conjuração e da gravidade da crise, Delassus expressa uma confiança inabalável na Providência Divina e na promessa de Cristo de que "as portas do inferno não prevalecerão" contra a Sua Igreja. Haverá provações, mas o triunfo final da Igreja e do Reino de Cristo é certo.
Conclusão do Tomo III: O livro termina com um apelo à vigilância, à oração e à ação, conclamando os católicos a se unirem na defesa da fé e da civilização cristã, confiantes na vitória final que Deus reserva à Sua Igreja, especialmente através da intercessão da Virgem Maria. A "solução" não é política ou meramente humana, mas fundamentalmente espiritual e sobrenatural.