02 out
XXI Domingo depois de Pentecostes


⚔️Ardentemente desejamos no domingo passado a pátria celeste, mas não nos será fácil alcançá-la. O Evangelho fala-nos da responsabilidade das contas que temos a dar no último juízo. A Epístola mostra-nos a luta: tentações do inimigo, dias maus. Devemos estar armados para o combate. Anima-nos um exemplo: o paciente Jó, que, apesar de sua vida levada no temor de Deus, foi gravemente tentado, mas obteve por sua perseverança a felicidade temporal e a eterna. A fé e a confiança em Deus hão de fazer-nos triunfar nas lutas desta vida.

📖Epístola (Ef 6, 10-17)

Irmãos: Fortalecei-vos no Senhor, e em sua força poderosa. Revesti-vos da armadura de Deus, para que possais resistir às ciladas do demônio. Porque não é contra a carne e o sangue que temos de lutar, e sim contra os principados e as potestades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra os espíritos malignos espalhados nos ares. Portanto tomai a armadura de Deus, a fim de poderdes resistir no dia mau, e vos conservardes inabaláveis em tudo. Ficai firmes, pois, tendo cingidos os vossos rins com a verdade, vestindo a couraça da justiça e calçando os pés, prontos para irdes anunciar o Evangelho da paz. Sobretudo, servi-vos do escudo da fé, para poderdes apagar todos os dardos inflamados do Maligno. Tomai também o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus.

✝️Evangelho (Mt 18, 23-35)

Naquele tempo, disse Jesus esta parábola a seus discípulos: O Reino dos céus se compara a um rei, que quis tomar contas a seus servos. Começando a fazer contas, apresentou-se-lhe um, que lhe devia dez mil talentos. Mas não tendo ele com que pagar, mandou o senhor que fossem vendidos, ele, sua mulher e seus filhos, e tudo quanto possuía, para pagar a dívida. Então este servo, prostrando-se em terra, disse-lhe suplicante: Tem paciência comigo e eu te pagarei tudo. E compadecendo-se desse servo, o senhor libertou-o e perdoou-lhe a dívida. Saindo dali, porém, o servo encontrou-se com um de seus companheiros que lhe devia cem dinheiros; e logo o agarrou, e, sufocando-o, disse: paga-me o que me deves. E o seu companheiro, prostrando-se a seus pés, implorava-lhe: Tem paciência comigo e pagarei tudo. Ele porém não quis; retirou-se e fez com que o metessem na prisão, até pagar a dívida. Vendo os outros servos, seus companheiros, o que se passava, entristeceram-se muito e foram contar a seu senhor, tudo o que tinha acontecido. Então seu senhor o chamou e lhe disse: Servo mau, eu te perdoei toda a dívida porque me suplicaste; não devias tu também ter piedade de teu companheiro, como eu tive de ti? E enraivecido, seu senhor entregou-o aos algozes, até que pagasse toda a dívida. Assim também vos fará meu Pai celestial, se do íntimo de vossos corações não perdoar cada um ao seu irmão.

🤔Reflexões

🙏A liturgia deste domingo justapõe, de maneira magistral, a realidade do combate espiritual e a exigência fundamental da misericórdia. Na Epístola, São Paulo nos exorta a vestir a "armadura de Deus" para lutar não contra "a carne e o sangue", mas contra as forças espirituais do mal. No entanto, o Evangelho nos mostra que uma das batalhas mais decisivas ocorre dentro de nosso próprio coração: a luta entre a gratidão pela misericórdia recebida e a mesquinhez de um coração que se recusa a perdoar. O servo que deve dez mil talentos representa cada um de nós diante de Deus; nossa dívida é impagável, contraída pelo pecado original e pelos nossos pecados pessoais. A misericórdia do rei é a pura graça de Deus, manifestada no sacrifício de Cristo. Contudo, ao nos recusarmos a perdoar a dívida insignificante de nosso irmão — cem denários —, revelamos que não compreendemos a magnitude do perdão que recebemos. A verdadeira batalha espiritual, portanto, não é apenas externa, contra os demônios, mas interna, contra o "servo mau" que habita em nós, aquele que se esquece da graça e se apega à sua pequena justiça.

🕊️Santo Agostinho, comentando a Oração do Senhor, aprofunda esta verdade ao ligar diretamente o perdão que pedimos a Deus com o perdão que concedemos aos outros. Ele ensina que, ao rezarmos "perdoai-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores", firmamos um pacto com Deus. "Quando dizes isto, tu te comprometes, assinas um contrato, um acordo, uma convenção. O Senhor teu Deus te diz: 'Perdoa e Eu te perdoarei. Não perdoaste? Tu mesmo te voltas contra ti. Não serás tu a ser acusado, mas tu mesmo te terás condenado.'" (Santo Agostinho, Sermão 56). A parábola do Evangelho é a dramatização deste pacto. O servo implora por misericórdia e a recebe, mas, ao não estender essa mesma misericórdia, ele anula o perdão que lhe foi concedido. O Catecismo da Igreja Católica reforça esta doutrina ao afirmar que "o fluxo da misericórdia não pode penetrar em nosso coração enquanto não tivermos perdoado aos que nos ofenderam. O perdão é uma condição fundamental da Reconciliação" (CIC 2844). Assim, a falta de perdão não é apenas um pecado contra o próximo, mas um bloqueio deliberado à graça de Deus em nossa própria vida.

🛡️É aqui que a Epístola e o Evangelho se unem de forma inseparável. A "couraça da justiça" não é apenas a busca pela santidade pessoal, mas a prática da justiça divina, que é a misericórdia. O "escudo da fé" nos protege dos "dardos inflamados do Maligno", que frequentemente são pensamentos de ressentimento, amargura e vingança, sussurros que nos dizem que temos o "direito" de não perdoar. A "espada do Espírito, que é a palavra de Deus", é a arma que corta nosso orgulho, lembrando-nos da Palavra de Cristo: "Sede misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso" (Lc 6,36). Portanto, perdoar do fundo do coração não é um ato de fraqueza, mas um ato de guerra espiritual. É empunhar as armas de Deus para derrotar o inimigo que busca nos aprisionar na mesma cela em que, por nossa dureza de coração, lançamos nosso irmão. A vitória na vida cristã depende de nossa capacidade de lutar contra os inimigos externos enquanto, simultaneamente, cultivamos um coração que reflete a infinita misericórdia do Pai celestial.