Um recente artigo de Roberto de Mattei,
intitulado “Um ponto alto da Idade Média: o Dictatus Papae de São Gregório VII”,
publicado em 30 de julho de 2025 no portal Corrispondenza Romana, recorda um dos
documentos mais significativos da Cristandade medieval. O autor expõe as vinte e
sete sentenças do Papa São Gregório VII (1073-1085) que definem as prerrogativas
do Romano Pontífice, sua superioridade sobre a autoridade temporal e seu poder
de julgar e depor imperadores. De Mattei apresenta o Dictatus Papae como um
pilar da teologia política da Idade Média, afirmando a plenitudo potestatis do
Vigário de Cristo e o princípio de que a Igreja detém ambas as espadas, a
espiritual e a material. O artigo celebra esta doutrina como um “texto essencial
para a compreensão do pensamento da Igreja sobre a relação entre a ordem
espiritual e a temporal”, vendo nela o fundamento da reforma moral e espiritual
que culminou na epopeia das Cruzadas.
A análise de Mattei,
embora historicamente correta na sua apresentação dos factos, corre o risco de
permanecer incompleta se não for inserida no contexto de uma luta que transcende
os séculos. O Dictatus Papae não é apenas um documento medieval; ele representa
a formulação jurídica de uma civilização — a civilização cristã — em oposição
direta e irreconciliável a uma outra, que hoje se denomina moderna. Esta última
não é senão a manifestação política de uma conspiração de longa data, cujo
objetivo final é a completa destruição da ordem social e religiosa nascida da
Redenção.
A sociedade que o Papa São Gregório VII defendia e
estruturava era aquela em que a autoridade do Príncipe se submetia à autoridade
de Deus, e a lei civil se harmonizava com a Lei divina. Esta é a essência da
civilização cristã, onde “o poder temporal dos Papas, a denúncia dos reis como
oficiais do cristianismo, o direito de os depor se eles se tornassem apóstatas”
eram consequências lógicas de uma ordem onde o sobrenatural informava e elevava
o natural (Delassus, [s.d.], p. 30). Nesta concepção, a autoridade não reside na
vontade do homem, mas na de Deus, e os soberanos governam não por um mandato
popular, mas como “vigários de Cristo” para a ordem temporal. A plenitudo
potestatis papal, portanto, não era uma ambição política, mas a expressão da
realeza social de Nosso Senhor Jesus Cristo sobre todos os povos e todas as
nações.
Em oposição direta a este princípio, ergue-se o que a
seita anticristã chama de “soberania do povo”. Este dogma revolucionário,
gestado a partir da Renascença e formulado pelo filosofismo, sustenta que o
poder não emana de Deus, mas do homem. A sua expressão jurídica é o Contrato
Social de Rousseau, que serve de plano para a edificação do “Templo Maçônico”
sobre as ruínas da Igreja Católica (Delassus, [s.d.], p. 1, 109). Se o Dictatus
Papae afirma que nenhum poder terreno pode julgar o Papa e que a Igreja Romana
jamais errou, o Contrato Social estabelece que “nenhum corpo, nenhum indivíduo
pode exercer autoridade que não emane expressamente da nação” (Delassus, [s.d.],
p. 30), submetendo assim a verdade divina ao sufrágio humano.
A
luta entre estas duas concepções de autoridade constitui o drama da história
moderna. O direito papal de “libertar os súditos do juramento de fidelidade aos
injustos” (n. 27 do Dictatus Papae), mencionado por de Mattei, baseia-se numa
ordem objetiva de justiça, cuja guardiã é a Igreja. A Revolução, por sua vez,
perverte esta noção: o governante “injusto” passa a ser aquele que não se
submete à “vontade geral”, ou seja, aos ditames da seita que manipula a opinião
pública. A Revolução “quis arrancar as velhas nações cristãs, das quais a França
era a cabeça, ao império de Jesus Cristo” (Delassus, [s.d.], p. 32) precisamente
por negar a existência de uma autoridade superior à vontade humana.
A
afirmação de que o Papa “é o único que pode usar as insígnias imperiais” (n. 8)
encapsula, como nota de Mattei, a teologia política medieval. Simboliza que a
fonte de toda autoridade legítima na Cristandade, mesmo a temporal, reside
mediata ou imediatamente na autoridade de Cristo, representada por Seu Vigário.
O projeto revolucionário visa precisamente a inverter esta ordem: o Estado
moderno não só recusa submeter-se à autoridade espiritual, como procura
absorvê-la, tornando-se ele próprio a fonte de todo o direito e de toda a moral.
O Estado maçônico, “senhor soberano de todas as coisas” (Delassus, [s.d.], p.
112), reivindica para si ambas as espadas, mas para as brandir contra Deus e Sua
Igreja.
A perseguição movida contra a Igreja há mais de um
século, desde a Concordata napoleônica até as leis de separação, é a aplicação
metódica e perseverante do princípio revolucionário contra o princípio católico.
O objetivo é sempre o mesmo: “secularizar a vida social em todos os seus graus e
sob todas as suas formas” (Delassus, [s.d.], p. 133). Cada prerrogativa papal
listada no Dictatus Papae encontra sua negação direta nos dogmas da Revolução: a
universalidade do Pontífice é negada pelo internacionalismo humanitário; sua
autoridade suprema, pela soberania popular; sua infalibilidade, pelo livre
exame; e seu poder sobre os reis, pela divinização do Estado.
Conclui-se,
portanto, que a obra de São Gregório VII não deve ser vista como um mero
vestígio histórico, mas como a afirmação perene dos princípios sobre os quais
repousa a única e verdadeira civilização. O texto de Roberto de Mattei, ao
recordar a grandeza da Cristandade medieval, serve, ainda que involuntariamente,
para medir a profundidade do abismo cavado pela civilização moderna. A batalha
descrita no Dictatus Papae não terminou no século XI; ela continua hoje, de
forma mais dissimulada e universal, e o seu desfecho determinará se a sociedade
se reconstruirá sob o primado de Cristo-Rei ou se afundará definitivamente no
reino do Homem que se fez deus.
Referências
Delassus, H.
([s.d.]). A conjuração anticristã: o Templo Maçônico que quer se erguer sobre as
ruínas da Igreja Católica. [s.l.]: [s.n.].