O ultraje de Pamplona, em sua brutalidade visual, é de uma clareza meridiana. Contudo, analisá-lo apenas como um ato isolado de militantes secularizados seria incorrer em uma superficialidade que ignora a sua causa profunda e a sua lógica interna. O evento é, na verdade, um sintoma agudo e uma consequência previsível da sistemática demolição do sagrado que caracteriza a era pós-conciliar.
A primeira e mais evidente operação mental dos profanadores é uma inversão axiológica. O sofrimento de um animal irracional é elevado à dignidade do Sacrifício do Homem-Deus. A teolatria, o culto devido a Deus, é substituída por uma grotesca zoolatria, na qual a criatura inferior toma o lugar do Criador. Esta inversão não seria possível em um mundo que ainda possuísse um sentido hierárquico da realidade. No entanto, em uma época que deliberadamente confunde os planos e dissolve as essências, o sofrimento de um touro e a Paixão de Cristo podem ser apresentados como equivalentes.
Um magistral estudo sobre as transformações na Igreja no século XX já havia diagnosticado a transição "do sagrado ao teatral" como um dos princípios da nova liturgia (AMERIO, 2011, p. 502). Os militantes da PETA, talvez sem plena consciência, apenas levaram esta lógica à sua conclusão extrema. Se os próprios mistérios da Fé são tratados, no seio da própria Igreja, como expressões de uma comunidade e não como a irrupção do divino, por que o mundo não os trataria como meros símbolos disponíveis para apropriação? O Sacrifício da Cruz, esvaziado de seu caráter único e transcendente, torna-se um significante vazio, um arquétipo genérico de "sofrimento" que pode ser aplicado a qualquer causa, por mais disparatada que seja.
Ademais, este episódio revela a capitulação da Igreja ao que se pode denominar um "cristianismo secundário". Tal cristianismo, como aponta o mesmo estudo, aceita o fruto mundano da religião, mas rejeita a sua substância sobrenatural, reduzindo a Igreja a um mero "fermento" para a civilização e o progresso terreno (AMERIO, 2011, p. 401). A Igreja pós-conciliar, em seu afã de "dialogar com o mundo", abandonou a afirmação de sua própria e única verdade para buscar pontos de contato com as preocupações seculares. A PETA, neste ato, oferece um espelho cruel a esta mesma Igreja: "Vós quisestes ser relevantes para as nossas causas; pois bem, aqui estamos nós, utilizando vossos símbolos para a nossa agenda". A Igreja, ao procurar a amizade do mundo, torna-se sua serva, e seus tesouros são saqueados para adornar as causas mundanas.
Contudo, o verdadeiro e mais profundo escândalo não reside na ação dos militantes, que agem segundo seus próprios princípios materialistas. A tragédia se consuma no silêncio ou na resposta tépida da autoridade eclesiástica local e universal. Onde está a condenação fulminante? Onde está a defesa pública da honra de Nosso Senhor e de Sua Mãe Santíssima? A "desistência da autoridade", tão característica do período pós-conciliar, manifesta-se aqui em toda a sua plenitude (AMERIO, 2011, p. 115). O silêncio dos pastores ante a blasfêmia dos lobos é a confirmação de que a crise não é externa, mas interna. É a admissão tácita de que a Igreja já não se sente no direito, ou já não possui a força, para defender o que lhe é mais próprio.
Em suma, a cena de Pamplona não é um acidente, mas um teorema. É a demonstração da apostasia que ocorre quando se perde a noção da infinita distância entre o Criador e a criatura, entre o Sacrifício Redentor e o sofrimento animal, entre a verdade revelada e a opinião humana. A Fé Católica é, de fato, pisoteada em praça pública, mas o terreno para tal profanação foi preparado por décadas de relativismo doutrinal, sentimentalismo litúrgico e capitulação pastoral.
Referências
AMERIO, Romano. Iota Unum: Estudio sobre las transformaciones en la Iglesia en el siglo XX. Versión corregida. Septiembre 2011.