O Humanismo como Forma Definidora
Para compreender "o que" o Concílio Vaticano II é (quid est), devemos identificar a sua causa formal, aquilo que o torna este concílio e não outro, e, na verdade, este tipo de assembleia. Calderón identifica corretamente esta forma como "humanismo" (Calderón, Prometeo, Cap.1.A). Este não é o humanismo da Renascença na sua totalidade, nem meramente uma apreciação benigna da cultura humana, mas uma orientação filosófica e teológica específica que coloca o homem, a sua dignidade, a sua experiência e as suas preocupações terrestres no centro prático do pensamento e da ação religiosa.
Os Padres Conciliares, imbuídos da "Nova Teologia" que há muito fermentava em certos círculos europeus, procuraram um aggiornamento, uma "atualização", que tornasse a Igreja "relevante" para o "homem moderno". Este esforço encontrou o seu quadro ideológico num "humanismo católico", fortemente influenciado por pensadores como Jacques Maritain e o seu conceito de um "humanismo integral" (Ibid., Cap.1.A.4). Embora prestando vassalagem verbal às verdades tradicionais (vetera), o impulso avassalador foi em direção à nova – uma reinterpretação do Catolicismo através das lentes da autocompreensão do homem moderno. O espírito é, de facto, prometeico: o homem, e não Deus, torna-se o foco primário da solicitude da Igreja e a medida da sua missão. A própria linguagem dos documentos-chave, nomeadamente a Gaudium et Spes, trai esta mudança, dirigindo-se não primariamente aos fiéis para a sua santificação, mas a "toda a humanidade".
A Perversão da Finalidade
A consequência mais devastadora deste humanismo formal é a inversão da finalidade tradicional da Igreja. O fim último extrínseco (finis ultimus extrinsecus) de toda a criação e, a fortiori, da Igreja, é a glória de Deus (Ad Majorem Dei Gloriam). O fim último intrínseco para o homem é a visão beatífica, que consiste na posse perfeita de Deus, o Finis Cuius. O "humanismo" conciliar, no entanto, subtil mas eficazmente, reorienta isto: a finalidade declarada torna-se a "promoção da dignidade humana" (ad majorem hominis gloriam) (Calderón, Prometeo, Cap.1.B.I.1).
Os teólogos conciliares tentam salvar uma aparência de ortodoxia propondo um "humanismo transcendente", no qual a glória do homem é apresentada como redundando de alguma forma para a glória de Deus, ou apelando para a "liberalidade" de Deus na criação (Ibid., Cap.1.B.I.1). Isto, no entanto, é sofisma. Se a dignidade humana é postulada como o fim próximo e primário para o qual a atividade da Igreja é dirigida, a glória de Deus torna-se, na melhor das hipóteses, um efeito remoto e consequencial, em vez do finis operis formal e preponderante. Santo Tomás de Aquino distingue claramente entre o finis cuius (o bem em si mesmo, i.e., Deus) e o finis quo (a consecução ou posse desse bem) (S.Th. I-II, q.1, a.8). Para o Concílio, a "dignidade humana" assume o carácter de um finis cuius para a missão da Igreja, um bem a ser alcançado simpliciter, com a glória de Deus como um derivado.
Esta "inevitável viragem antropocêntrica" (Calderón, Prometeo, Cap.1.B.I.6) é ainda cimentada pelo "personalismo do novo humanismo" (Ibid., Cap.1.B.I.7). Exagerando a autonomia humana e a "imagem de Deus" no homem ao ponto de a pessoa humana ser considerada um fim simpliciter, subordina efetivamente a ordem objetiva do bem, incluindo o bem comum (cuja instância última é o próprio Deus), à perceção subjetiva da dignidade individual. A Gaudium et Spes (n.12, 24) fornece ampla evidência textual para esta inversão, proclamando o homem como o "centro e cume" das coisas terrenas, e propondo que Deus amou o homem propter seipsam – uma qualidade atribuível unicamente ao amor de Deus pela Sua própria essência divina. O Catecismo pós-conciliar consagra ainda mais isto, reinterpretando o propósito da criação não como o próprio Deus (o Bonum in se), mas como o bem comunicado, i.e., a perfeição e felicidade do homem (Ibid., Cap.1.B.I.10).
Verdades Cristãs como Substrato para a Nova Orientação
A "nova religião" do Vaticano II não repudia explicitamente, é claro, todas as doutrinas católicas. Pelo contrário, emprega-as como sua causa material (causa materialis) (Calderón, Prometeo, Cap.1.II). As verdades da fé, os sacramentos, a estrutura hierárquica, o próprio nome "Católica" – esta é a matéria preexistente sobre a qual a nova forma antropocêntrica é imposta. Gilson e Maritain observaram corretamente que o próprio humanismo secular extraiu a sua energia vital dos princípios cristãos, embora destacados da sua fonte e fim sobrenaturais (Ibid., Cap.1.II.1). Os "velhos humanismos" (Renascença, Iluminismo) acabaram por decair devido a esta separação.
O "novo humanismo conciliar", em contraste, representa uma estratégia mais insidiosa: procura internalizar o projeto humanista dentro da Igreja, tentando uma "linea media" (Ibid., Cap.1.II.1). Visa ser um humanismo "católico" ao reter as estruturas externas e o vocabulário do Catolicismo, enquanto os reorienta para o homem. Assim, a própria Igreja, as suas doutrinas e o seu apostolado tornam-se instrumentos para a "humanização" do mundo e a promoção da "dignidade humana", em vez da salvação sobrenatural das almas para a glória de Deus. É "católico" no mesmo sentido perverso que um tumor canceroso é composto por células humanas outrora saudáveis, agora malignamente reordenadas para a destruição do organismo (Ibid., Cap.1.II.3).
Um Exercício Inovador da Autoridade
A implementação desta nova orientação exigiu uma transformação correspondente no exercício da autoridade (causa efficiens) (Calderón, Prometeo, Cap.1.III). O ensinamento católico tradicional defende uma estrutura monárquica e hierárquica de autoridade, divinamente instituída. A modernidade, no entanto, caracteriza-se pela sua rebelião contra tal autoridade, defendendo modelos democráticos e dialógicos. O Concílio, na sua tentativa de relevância, adotou estas "modalidades modernas" de poder (Ibid., Cap.1.III.1).
O apelo à "colegialidade", a ênfase no "diálogo", a criação de conferências episcopais e a subtil diminuição do primado papal (apesar das salvaguardas verbais) apontam todos para uma tentativa de reestruturar a potestas regiminis da Igreja segundo linhas parlamentares ou democráticas. O Papa e a hierarquia, tradicionalmente concebidos como governando por direito divino para fins sobrenaturais, são reformulados como facilitadores de uma "nova Cristandade" – uma comunidade global ordenada para a paz, a justiça e o desenvolvimento humano, com a Igreja atuando como seu "fermento" ou "sacramento" (Ibid., Cap.1.III.2). A autoridade é, assim, vista menos como fluindo de Deus para baixo para a aplicação da lei divina, e mais como emergindo do "Povo de Deus" para cima para a articulação de aspirações comuns.
A Religio Hominis
Em última análise, todos estes elementos convergem para a causa formal identificada no início. A preocupação do Concílio com a "autoconsciência" – a Igreja refletindo sobre si mesma, definindo-se primariamente em relação ao mundo (cf. Paulo VI, Discurso de Encerramento) – é sintomática desta viragem narcisista e antropocêntrica (Calderón, Prometeo, Cap.1.IV). O objeto formal desta nova consciência religiosa não é Deus-em-Si, nem Cristo Rei reinando sobre a sociedade, mas o Homem – o homem como "imagem de Deus", o homem como "aperfeiçoado" por Cristo (que é apresentado primariamente como "Homem Perfeito"), o homem como destinatário do serviço da Igreja.
Assim, a religião do Concílio não é "Cristianismo" no seu sentido tradicional – o culto prestado a Cristo como Verdadeiro Deus e Verdadeiro Homem, para a glória da Trindade – mas "Humanismo", o culto prestado ao Homem (Ibid., Cap.1.IV). Mesmo quando Cristo é invocado, Ele é frequentemente apresentado como o exemplar da humanidade perfeita, aquele que "revela plenamente o homem a si mesmo". A Sua divindade, embora nem sempre explicitamente negada, é funcionalmente subordinada ao Seu papel na "humanização" do homem. Isto é, em essência, idolatria, pois atribui a uma criatura – a humanidade, ou um conceito idealizado dela – o culto e a preocupação última devidos unicamente a Deus. A nova religião do Concílio é, nas palavras contundentes do próprio Paulo VI (embora proferidas como louvor), a "religião do homem que se faz Deus". (Paulo VI, Discurso de Encerramento, 7 de dezembro de 1965).
Este esforço "prometeico", que procura aproveitar o fogo divino para a glorificação da humanidade, opõe-se frontalmente ao Magistério perene da Igreja Católica, que sempre ensinou que o homem encontra a sua verdadeira dignidade e fim último apenas no serviço humilde e na adoração a Deus Todo-Poderoso. O caminho para a restauração só pode residir numa rejeição resoluta deste humanismo conciliar e num regresso aos fundamentos teocêntricos do Catolicismo autêntico.
Bibliografia
Aquino, Santo Tomás de. Suma Teológica.
Calderón, Álvaro. Prometeo: La Religión del Hombre.
Concílio Vaticano II. Gaudium et Spes, Lumen Gentium, Dei Verbum.
Paulo VI. Discurso de Encerramento do Concílio Vaticano II, 7 de dezembro de 1965.
Maritain, Jacques. Humanisme Intégral.
Em última análise, todos estes elementos convergem para a causa formal identificada no início. A preocupação do Concílio com a "autoconsciência" – a Igreja refletindo sobre si mesma, definindo-se primariamente em relação ao mundo (cf. Paulo VI, Discurso de Encerramento) – é sintomática desta viragem narcisista e antropocêntrica (Calderón, Prometeo, Cap.1.IV). O objeto formal desta nova consciência religiosa não é Deus-em-Si, nem Cristo Rei reinando sobre a sociedade, mas o Homem – o homem como "imagem de Deus", o homem como "aperfeiçoado" por Cristo (que é apresentado primariamente como "Homem Perfeito"), o homem como destinatário do serviço da Igreja.
Assim, a religião do Concílio não é "Cristianismo" no seu sentido tradicional – o culto prestado a Cristo como Verdadeiro Deus e Verdadeiro Homem, para a glória da Trindade – mas "Humanismo", o culto prestado ao Homem (Ibid., Cap.1.IV). Mesmo quando Cristo é invocado, Ele é frequentemente apresentado como o exemplar da humanidade perfeita, aquele que "revela plenamente o homem a si mesmo". A Sua divindade, embora nem sempre explicitamente negada, é funcionalmente subordinada ao Seu papel na "humanização" do homem. Isto é, em essência, idolatria, pois atribui a uma criatura – a humanidade, ou um conceito idealizado dela – o culto e a preocupação última devidos unicamente a Deus. A nova religião do Concílio é, nas palavras contundentes do próprio Paulo VI (embora proferidas como louvor), a "religião do homem que se faz Deus". (Paulo VI, Discurso de Encerramento, 7 de dezembro de 1965).
Este esforço "prometeico", que procura aproveitar o fogo divino para a glorificação da humanidade, opõe-se frontalmente ao Magistério perene da Igreja Católica, que sempre ensinou que o homem encontra a sua verdadeira dignidade e fim último apenas no serviço humilde e na adoração a Deus Todo-Poderoso. O caminho para a restauração só pode residir numa rejeição resoluta deste humanismo conciliar e num regresso aos fundamentos teocêntricos do Catolicismo autêntico.
Bibliografia
Aquino, Santo Tomás de. Suma Teológica.
Calderón, Álvaro. Prometeo: La Religión del Hombre.
Concílio Vaticano II. Gaudium et Spes, Lumen Gentium, Dei Verbum.
Paulo VI. Discurso de Encerramento do Concílio Vaticano II, 7 de dezembro de 1965.
Maritain, Jacques. Humanisme Intégral.