👑 A Realeza da Verdade e a Caridade da Intransigência (São Pio X, um antídoto para a confusão e a crise atuais na Igreja)


Em recente declaração, o Arcebispo Carlo Maria Viganò (2025) exalta a figura de São Pio X como um antídoto para a confusão e a crise atuais na Igreja. O texto destaca o governo do santo pontífice como um exercício da potestas sagrada a serviço da verdade, avesso a "equilibrismos" e comprometido em discernir e "cortar" o erro. Viganò contrapõe esta clareza doutrinal à situação presente, onde a fé é reduzida a linguagem e a missão da Igreja, a uma chave social. A intransigência de São Pio X é apresentada não como autoritarismo, mas como a "forma suprema de caridade", pois "só o que é verdadeiro pode ser amado sem engano". O pontificado do Papa Sarto é, assim, evocado como a memória viva de uma "Igreja hierárquica, sobrenatural, ordenada a Deus", cujo ensinamento é o único caminho para uma autêntica reforma eclesial.

É com efeito exato afirmar que o governo de São Pio X não representa um autoritarismo, mas sim o reto exercício da potestas sagrada. O erro moderno, contudo, consiste em ver um conflito necessário entre autoridade e liberdade, o que leva à falsa prudência do "equilibrismo". Para a mentalidade liberal, radicalmente corrompida, a relação entre liberdade e autoridade é um conflito autêntico, pois a liberdade individual é concebida como o valor pessoal supremo. Por isso, quando uma autoridade impõe sua doutrina sem deixar margem para divergência, isso parecerá aos liberais uma opressão do espírito. Para o católico tradicional, no entanto, a autoridade aperfeiçoa a liberdade, porque permite ao homem escolher com certeza o que mais lhe seja conveniente. É por isso que o católico celebra cada definição do magistério da Igreja como uma nova garantia para sua liberdade (Nougué, 2017, p. 278-279). A recusa de São Pio X em "mediar" com o erro não era, portanto, uma supressão da liberdade, mas o seu mais alto serviço, guiando-a para a verdade, que é o seu fim próprio.

A afirmação de que "não se pode salvar o mundo cedendo ao mundo" encontra seu mais profundo fundamento na doutrina da Realeza Social de Cristo. O liberalismo, tanto político como religioso, nasceu precisamente para impedir esta Realeza, propondo que a ordenação de todo o humano ao fim último universal se dê de modo acidental ou indireto, ou que nem sequer se dê. Contudo, a doutrina católica perene ensina que tudo no mundo humano — as artes, a economia e, precipuamente, a política — deve ordenar-se de modo essencial e direto ao fim último do universo, que é Deus mesmo, e que esta ordenação assumiu a forma concreta de ordenação a Nosso Senhor Jesus Cristo e a seu reino "assim na terra como no céu" (Nougué, 2017, p. 373). Deste modo, a democracia liberal, enquanto regime que se funda na premissa de que a autoridade vem do povo e não de Deus, não é apenas uma forma de governo entre outras, mas "é uma religião mais universal que a Igreja", cujo fim é precisamente "impedir o reinado político-social de Nosso Senhor Jesus Cristo, para impedir todo e qualquer reinado seu" (Nougué, 2017, p. 372, nota 1). A intransigência de São Pio X era, pois, a consequência lógica da confissão de Cristo como Rei não apenas dos indivíduos, mas das sociedades.

É igualmente preciso o postulado de que "nada é mais pastoral do que a doutrina". Esta máxima expõe a inversão operada pelo magistério conciliar, que inaugurou um "novo caráter pastoral". Com efeito, para os pastores tradicionais, o primeiro cuidado pastoral era a definição dogmática que os graves problemas da Igreja requeriam. Para os pastores conciliares, no entanto, "nada é mais oposto ao caráter pastoral que a definição doutrinal. De fato, todos os documentos do Vaticano II reafirmam seu caráter 'pastoral' justamente para justificar a falta de definição doutrinal" (Nougué, 2017, p. 280). A pastoralidade converte-se, assim, em pretexto para o "equilibrismo" e a ambiguidade, enquanto para São Pio X a mais alta caridade pastoral consistia em apresentar a doutrina de modo claro e inequívoco, como o fez na encíclica Pascendi Dominici Gregis.

Por fim, a memória de uma "Igreja hierárquica" é o ponto central. O magistério conciliar, com efeito, inverteu a relação entre a Igreja docente e a Igreja discente. A doutrina tradicional sempre ensinou que a infalibilidade in credendo do conjunto dos fiéis é uma consequência da infalibilidade in docendo do magistério, que é o sujeito único do carisma da verdade indefectível. O magistério conciliar, porém, sustenta que "o sujeito primeiro e imediato da infalibilidade não é a hierarquia, mas 'todo o Povo de Deus'". Deste modo, a função da hierarquia já não é propriamente a de ensinar, mas a de "unificar e autenticar o pensamento comum", que emana do "senso da fé" da coletividade (Nougué, 2017, p. 281-282). É esta precisamente a dissolução da forma hierárquica da Igreja, contra a qual o pontificado de São Pio X se ergue como um baluarte. A sua firmeza em exercer a autoridade apostólica era a afirmação de que a verdade desce de Cristo, através de seu Vigário e dos bispos em comunhão com ele, para o povo, e não o contrário.

Em suma, a análise de Viganò (2025) é teologicamente correta e sua pertinência, inegável. A figura de São Pio X não é apenas um "antídoto vivo", mas a personificação da autoridade católica exercida em sua plenitude: uma autoridade que não dialoga com o erro, mas o condena; que não busca agradar ao mundo, mas convertê-lo; e que compreende que a maior misericórdia que se pode oferecer às almas é a justiça de apresentar-lhes a verdade de Cristo Rei, íntegra e sem mácula.

Referências

VIGANÒ, Carlo Maria. https://x.com/CarloMVigano/status/1952620555921699143. 2025.
NOUGUÉ, Carlos. Do Papa Herético e outros opúsculos. 1. ed. Formosa, GO: Edições Santo Tomás, 2017.