📰 A Crise da Fé na igreja sinodal: Para Além da Corrupção Moral


Em uma recente publicação, o arcebispo Carlo Maria Viganò traça um panorama sombrio da Igreja Católica, denunciando uma "infiltração deliberada por elementos corruptos e chantageáveis" que teriam transformado a hierarquia em um "lobby de hereges pervertidos". Segundo ele, esta situação é sustentada pela "cumplicidade covarde" da própria hierarquia e se manifesta não apenas na ascensão de indivíduos indignos, mas também em um "expurgo criminoso" de padres e bispos doutrinária e moralmente sãos. Viganò conecta esta decadência à "igreja conciliar e sinodal", que, segundo ele, oculta seus escândalos para não desacreditar seu próprio sistema, e conclui com uma citação escatológica sobre a dificuldade de encontrar a fé na terra na vinda do Filho do Homem.

A análise de Viganò foca-se, compreensivelmente, na dimensão moral e conspiratória da crise. Contudo, uma investigação mais aprofundada, de fundo filosófico e teológico, revela que tais escândalos morais são, na verdade, sintomas de uma doença muito mais profunda: uma crise do intelecto e da própria fé, enraizada em um desvio doutrinal que precede e possibilita a decadência moral.

🔍 A Raiz Intelectual da Decadência

A denúncia de um "lobby de hereges" e de uma "máfia lavanda" aponta para uma corrupção dos costumes. No entanto, a crise primária não é da vontade, mas do intelecto. O que se observa é o resultado de décadas de um "corte e costura humanista", no qual a doutrina católica tradicional foi sistematicamente alterada para se conformar a uma nova cosmovisão antropocêntrica (Nougé, 2017, p. 381). Nesta nova perspectiva, o homem, sua dignidade (entendida de modo secular) e suas experiências tornam-se o centro da religião, em detrimento de Deus e de Sua verdade revelada. A desordem moral, portanto, não é a causa, mas a consequência inevitável de uma desordem intelectual que subverteu os fins da própria vida cristã. Quando a verdade objetiva é substituída por sentimentos subjetivos e "valores" mundanos, a moralidade perde seu fundamento transcendente.

⚖️ A Questão da Autoridade Desvirtuada

O "expurgo criminoso" de elementos ortodoxos, mencionado por Viganò, é a manifestação prática de uma autoridade que já não serve à Verdade, mas a uma ideologia. A questão fundamental não é apenas a presença de indivíduos corruptos em posições de poder, mas a possibilidade teológica de uma autoridade que, formalmente, promove o erro. A discussão sobre a hipótese do "papa herético" torna-se central aqui, não como uma acusação pessoal, mas como uma chave de leitura para entender como a estrutura da Igreja pode ser utilizada para minar a própria fé que deveria proteger (Nougé, 2017, p. 233). A perseguição aos fiéis à Tradição não é um mero ato de tirania pessoal; é uma necessidade lógica para a consolidação de um novo paradigma eclesial. Onde a doutrina é fluida, a única heresia intolerável é a afirmação de uma verdade imutável.

🌍 A Igreja e o "Mundo": Uma Inversão de Fins

A alegação de que a hierarquia esconde seus escândalos para "não desacreditar a igreja conciliar e sinodal" toca no ponto nevrálgico da crise: a mudança radical na relação entre a Igreja e o mundo. A mentalidade moderna, em vez de buscar a salvação das almas do mundo para a vida eterna, busca a "salvação do mundo" em si mesmo, transformando a missão da Igreja em um projeto de melhoria social e paz humanista (Nougé, 2017, p. 313). Nessa lógica, o dogma da Realeza Social de Cristo é substituído por um diálogo inter-religioso que relativiza a unicidade salvífica da Igreja Católica (Nougé, 2017, p. 369). A fé deixa de ser a adesão do intelecto à Revelação divina para se tornar um vago sentimento religioso a serviço da fraternidade universal. É por isso que a pergunta final de Viganò – "o Filho do Homem, quando vier, encontrará ainda a fé sobre a terra?" – é tão pertinente. A crise descrita não é apenas de moralidade, mas uma apostasia silenciosa que corrói a fé por dentro, mantendo a aparência externa de uma instituição enquanto seu propósito sobrenatural é esvaziado.

Referências

NOUGUÉ, Carlos. Do Papa Herético e outros opúsculos. 1. ed. Rio de Janeiro: Edições Santo Tomás, 2017.