Este conflito, longe de ser um mero litígio administrativo, representa o ápice da "Tragédia Conciliar" (Lefebvre, 1991). A brutalidade da resposta diocesana evidencia a natureza da Igreja pós-conciliar, que, tendo feito um pacto com os princípios da Revolução — como a liberdade, a igualdade e o diálogo —, paradoxalmente não tolera a existência daqueles que se recusam a aceitar esta "união adúltera" (Lefebvre, 1991, p. 8). O que se observa em Belorado é a aplicação da lógica liberal: uma vez que a Tradição é vista como um obstáculo ao "progresso" e à "abertura ao mundo", ela deve ser neutralizada por todos os meios, inclusive os mais coercitivos, revelando a face tirânica de um sistema que se apresenta como libertador.
Os abusos perpetrados pela Diocese de Burgos
Logo após declararem sua ruptura com a Igreja conciliar, as clarissas tiveram suas contas bancárias congeladas pela diocese, ficando sem acesso a recursos básicos para sua sobrevivência e para o funcionamento do mosteiro (Diario de Burgos, 2024).
Durante o rigoroso inverno castelhano, as religiosas foram privadas de aquecimento, mesmo com diversas irmãs em idade avançada. O gesto foi interpretado por juristas e fiéis como forma de coação. (El Correo de Burgos, 2024).
A arquidiocese moveu ação judicial por “ocupação indevida”, alegando que as exmonjas perderam o direito de habitar o mosteiro. A juíza concedeu o despejo, permitindo o uso da força caso não saiam voluntariamente. (RTVE, 2025).
As religiosas foram privadas de qualquer representação legal ou patrimonial. A nomeação de um comissário pontifício por Roma agravou o clima de usurpação e ausência de diálogo (Público, 2024).
Sem processo canônico individual e sem direito de defesa, 10 monjas foram excomungadas sob acusação de cisma, por reconhecerem uma autoridade distinta da atual hierarquia eclesial (El Diario, 2024).
Cinco religiosas de idade avançada foram alvos de uma tentativa de transferência involuntária, com apoio da Guarda Civil, fato interpretado como sequestro pelas demais monjas (El País, 2025).
Uma crítica à lógica conciliar autoritária
O caso de Belorado revela uma tendência preocupante no interior da Igreja pós-conciliar: a substituição da caridade pastoral pela lógica jurídica e patrimonial. Se outrora a Igreja promovia a proteção de consciências em conflito com a autoridade, hoje parece disposta a perseguir, punir e desalojar.
Esta substituição da caridade pela lógica patrimonial é um sintoma claro do naturalismo que envenenou a Igreja (Lefebvre, 1991, p. 10). Ao adotar uma visão de mundo onde o temporal e o jurídico se sobrepõem ao sobrenatural, a hierarquia conciliar passa a agir como um poder secular. A sua preocupação principal deixa de ser a defesa da Fé e a salvação das almas para se tornar a manutenção de uma estrutura de poder e a gestão de bens materiais. Trata-se da "sociedade sem Deus", onde até a própria Igreja se organiza segundo princípios que negam a primazia do Reinado Social de Cristo (Lefebvre, 1991, p. 39).
Como afirmou o jornalista Fernando López no El Confidencial (2024), “a diocese parece mais preocupada com a posse de bens do que com a salvação das almas”.
A ironia trágica deste episódio reside na aplicação seletiva da "liberdade religiosa", o grande estandarte do Vaticano II. Este "direito novo", concebido para garantir a liberdade de todos os cultos, inclusive os falsos, perante o Estado (Lefebvre, 1991, p. 40), torna-se uma arma contra os próprios católicos que se recusam a aderir à nova orientação. A Igreja Conciliar, que exige do mundo a "liberdade para todos", nega aos seus próprios filhos a liberdade de permanecerem fiéis ao que a Igreja sempre ensinou. Isto revela a natureza do liberalismo: "não há liberdade para os inimigos da liberdade", sendo a Tradição católica, neste caso, a principal inimiga da revolução liberal na Igreja (Lefebvre, 1991, p. 30).
Em termos canônicos, a excomunhão das monjas não respeitou o cân. 1321 §2, que exige plena imputabilidade e liberdade na ação. Também o princípio da epiqueia — legítimo nas decisões de consciência — foi completamente desconsiderado.
A consciência acima da obediência cega
As clarissas não abandonaram a fé católica. Rejeitaram, sim, uma estrutura que consideram desviada da Tradição, apoiando-se em escritos de teólogos como Mons. Lefebvre, o cardeal Ottaviani e outros críticos do Vaticano II. Seu gesto é radical, mas não irracional.
A questão central é a natureza da obediência e da consciência. A mentalidade liberal, que permeia a Igreja moderna, exalta uma consciência subjetiva, colocada acima da lei objetiva e da verdade revelada. No entanto, a hierarquia conciliar exige uma obediência cega e incondicional às suas próprias reformas, mesmo quando estas contradizem a Tradição. As religiosas de Belorado agem segundo uma consciência formada pela lei divina e pela doutrina imutável da Igreja, recusando-se a obedecer a ordens que, em sua visão, as levariam a participar da "autodemolição da Igreja" (Lefebvre, 1991, p. 137). A obediência católica não é servilismo; ela está subordinada à Fé. Quando a autoridade se desvia da Fé, a resistência torna-se um dever. A Igreja, em vez de dialogar com caridade, respondeu com dureza, lembrando mais os processos da Inquisição do que a mansidão de Cristo.
O caso Belorado é um espelho da crise da Igreja moderna. O autoritarismo eclesiástico, justificado pela obediência à “comunhão”, ultrapassa fronteiras morais e jurídicas. Uma Igreja que persegue freiras pobres, idosas e contemplativas por manterem sua fidelidade à fé tradicional, está, no mínimo, em crise de identidade.
Mais do que uma crise de identidade, o que se manifesta em Belorado é a fase final do processo descrito por todo o magistério anti-liberal: a apostasia. Uma Igreja que adota os princípios de seus inimigos — o liberalismo, o naturalismo, o subjetivismo — inevitavelmente se voltará contra si mesma e contra os últimos baluartes da Fé. O autoritarismo demonstrado pela Diocese de Burgos não é um desvio, mas a coerência de um sistema que, tendo abandonado o Reinado Social de Cristo, já não pode tolerar aqueles que ainda o proclamam. O sofrimento das clarissas de Belorado é, portanto, o testemunho vivo da "Tragédia Conciliar" e um sinal de que a luta pela Fé verdadeira continua, mesmo que signifique ser perseguido pela própria casa.
As clarissas não abandonaram a fé católica. Rejeitaram, sim, uma estrutura que consideram desviada da Tradição, apoiando-se em escritos de teólogos como Mons. Lefebvre, o cardeal Ottaviani e outros críticos do Vaticano II. Seu gesto é radical, mas não irracional.
A questão central é a natureza da obediência e da consciência. A mentalidade liberal, que permeia a Igreja moderna, exalta uma consciência subjetiva, colocada acima da lei objetiva e da verdade revelada. No entanto, a hierarquia conciliar exige uma obediência cega e incondicional às suas próprias reformas, mesmo quando estas contradizem a Tradição. As religiosas de Belorado agem segundo uma consciência formada pela lei divina e pela doutrina imutável da Igreja, recusando-se a obedecer a ordens que, em sua visão, as levariam a participar da "autodemolição da Igreja" (Lefebvre, 1991, p. 137). A obediência católica não é servilismo; ela está subordinada à Fé. Quando a autoridade se desvia da Fé, a resistência torna-se um dever. A Igreja, em vez de dialogar com caridade, respondeu com dureza, lembrando mais os processos da Inquisição do que a mansidão de Cristo.
O caso Belorado é um espelho da crise da Igreja moderna. O autoritarismo eclesiástico, justificado pela obediência à “comunhão”, ultrapassa fronteiras morais e jurídicas. Uma Igreja que persegue freiras pobres, idosas e contemplativas por manterem sua fidelidade à fé tradicional, está, no mínimo, em crise de identidade.
Mais do que uma crise de identidade, o que se manifesta em Belorado é a fase final do processo descrito por todo o magistério anti-liberal: a apostasia. Uma Igreja que adota os princípios de seus inimigos — o liberalismo, o naturalismo, o subjetivismo — inevitavelmente se voltará contra si mesma e contra os últimos baluartes da Fé. O autoritarismo demonstrado pela Diocese de Burgos não é um desvio, mas a coerência de um sistema que, tendo abandonado o Reinado Social de Cristo, já não pode tolerar aqueles que ainda o proclamam. O sofrimento das clarissas de Belorado é, portanto, o testemunho vivo da "Tragédia Conciliar" e um sinal de que a luta pela Fé verdadeira continua, mesmo que signifique ser perseguido pela própria casa.
Referências
Diario de Burgos. El Arzobispado intenta revertir la decisión de las clarisas. Maio 2024.
El Correo de Burgos. Belorado y Orduña: Las monjas cismáticas impiden la salida de cinco clarisas mayores. Ago. 2025.
RTVE. La jueza da la razón a la Iglesia y dicta el desahucio de las exmonjas de Belorado. 1 ago. 2025.
Público. La Iglesia se prepara para la resistencia de las exclarisas de Belorado. Jun. 2024.
El Diario. Iceta excomulga a diez monjas de Belorado por cisma. 14 maio 2024.
El País. Las exmonjas de Belorado impiden que salgan de un convento vasco cinco compañeras ancianas. 1 ago. 2025.
El Confidencial. Monjas de Belorado: desahucio, arzobispado, Burgos. 17 set. 2024.
Código de Direito Canônico (1983), cânones 1321, 1347 e 1371.
LEFEBVRE, Marcel. Do Liberalismo à Apostasia: A Tragédia Conciliar. Tradução de Ildefonso Albano Filho. Rio de Janeiro: Editora Permanência, 1991.
Mons. Marcel Lefebvre. Ils l’ont découronné. Editions Fideliter, 1987.