A Sinodalidade: O Parlamento da Religião do Homem (Pelo amor de Cristo, parem com isso)


  1. No dia 15 de julho de 2025, o Bispo Emérito de Chur, Suíça, Sua Excelência Dom Marian Eleganti, O.S.B., Doutor em Teologia, publicou um contundente artigo intitulado “Synodality as a Code Word”. Nele, o prelado suíço faz uma veemente crítica ao processo sinodal em curso na Igreja, descrevendo-o como um excesso de documentos e comissões que vivem numa bolha, ignorando os verdadeiros problemas da Igreja — como a apostasia em massa e os abusos litúrgicos — e ocupando-se em promover uma agenda “reformista” predeterminada. Dom Eleganti aponta que a sinodalidade se tornou uma palavra-código para a co-decisão dos leigos, minando a sacramentalidade do ofício eclesiástico e gerando uma “evolução da doutrina” que se assemelha a uma “duna de areia movediça, não à rocha de Pedro”.
  2. A intervenção do Bispo Eleganti, embora focada na “sinodalidade”, diagnostica, na verdade, um sintoma de uma enfermidade muito mais profunda e antiga. Não se trata de um mero problema de metodologia ou de governança eclesiástica, mas da manifestação política e estrutural de uma nova teologia que foi implantada na Igreja há mais de sessenta anos. O que hoje se chama “Caminho Sinodal” é apenas a consequência lógica e necessária do caminho aberto pelo Concílio Vaticano II. Com efeito, é impossível compreender a crise profunda que se manifesta na sinodalidade sem levar em conta o fato central do século XX: o Segundo Concílio Vaticano. Trata-se do "maior desastre deste e de todos os séculos passados desde a fundação da Igreja", uma autêntica revolução que introduziu os princípios do liberalismo no interior da própria estrutura eclesiástica (LEFEBVRE, 1991, p. 7).
  3. Uma obra de análise teológica sobre o Concílio aponta que sua principal novidade foi a instauração de uma nova orientação fundamental: a substituição da “religião de Deus” por uma “religião do Homem” (CALDERÓN, 2010, p. 7). Nesse novo paradigma, o fim último da religião não é mais a glória de Deus e a salvação das almas, mas a promoção da dignidade e dos valores do homem moderno. O Concílio, sob este prisma, torna-se, nas palavras de seu próprio autor, um “Prometeu” que se empenha em levar o fogo divino aos homens, reorientando o sagrado para o serviço do profano. Esta nova orientação foi confessada abertamente pelo próprio Papa Paulo VI no discurso de encerramento do Concílio, no qual declarou que a Igreja também tem "o culto do homem", pois "a religião do Deus que se fez homem, teve que enfrentar a religião (pois é uma) do homem que se fez Deus" (LEFEBVRE, 1991, p. 129).
  4. É precisamente esta inversão que explica a natureza do processo sinodal. Se o fim da Igreja é o próprio homem, segue-se que a sua estrutura, doutrina e culto devem se conformar à sua experiência e aos seus desejos. A autoridade, portanto, não pode mais emanar de uma hierarquia divinamente instituída para ensinar, governar e santificar, mas deve emergir da “comunhão” e do “sentir” do “Povo de Deus”. Este é o princípio da ideologia democrática, nascida do postulado liberal do indivíduo-rei, que transfere a soberania de Deus para o povo. A doutrina católica, ao contrário, sempre ensinou que toda autoridade vem de Deus, mesmo nos regimes em que os governantes são escolhidos pelo povo. A eleição "determina a pessoa do soberano, não lhe conferindo o direito de soberania; não se constitui a autoridade, decide-se quem deve exercê-la" (LEFEBVRE, 1991, p. 37). A sinodalidade, ao inverter esta ordem, aplica à Igreja o erro liberal segundo o qual a autoridade pública "não passa da vontade do povo o qual, como depende de si mesmo, é o que se dá as ordens" (LEFEBVRE, 1991, p. 40).
  5. Este princípio já foi o motor da mais devastadora reforma da história da Igreja: a reforma litúrgica. Uma crítica teológica à Missa de Paulo VI demonstra como a noção de Sacrifício foi sistematicamente substituída pela de assembleia. O novo rito foi construído em torno da ideia de que a Missa é “a assembleia sagrada ou congregação do povo de Deus reunido, que um sacerdote preside, a fim de celebrar o memorial do Senhor” (CEKADA, 2010, p. 143). Nesta nova teologia, não é mais o sacerdote que, agindo in persona Christi, oferece o Sacrifício; antes, é a assembleia que celebra, enquanto o sacerdote meramente “preside” (CEKADA, 2010, p. 157-159). O papel ontológico e único do sacerdote é dissolvido em uma função meramente administrativa, a de um “diretor da assembleia”.
  6. A sinodalidade nada mais é do que a aplicação deste mesmo princípio da “assembleia” à estrutura de governo da Igreja. Assim como a Missa se tornou a ação da comunidade, a Igreja deve agora tornar-se a expressão da vontade dessa mesma comunidade. O Bispo e o Papa já não são os pastores que conduzem o rebanho em nome de Cristo, mas “facilitadores” de um processo de “escuta” e “discernimento” coletivo. A hierarquia divinamente instituída é rebaixada a uma função parlamentar, e a sua autoridade sacramental é dissolvida no caos democrático.
  7. Dom Eleganti lamenta que o processo sinodal seja uma “desregulamentação” que ignora a lei canônica. Novamente, a reforma litúrgica oferece o precedente exato. O Novus Ordo Missae foi caracterizado por uma sistemática “desregulamentação da liturgia” (CEKADA, 2010, p. 165), na qual rubricas fixas e universais foram substituídas por múltiplas opções, alternativas e convites à adaptação local, resultando na anarquia litúrgica que hoje é a norma. A sinodalidade aplica o mesmo método à doutrina e à moral: o Magistério claro e definitivo é substituído por um “processo” de diálogo interminável, onde todas as vozes, inclusive as mais heterodoxas, devem ser ouvidas, e onde a verdade objetiva é dissolvida na subjetividade da “experiência vivida”. Esta substituição do anúncio da verdade pelo diálogo é a consumação da mentalidade católico-liberal. Paulo VI, em sua encíclica Ecclesiam Suam, já contrapunha o mandato missionário de Cristo ("Ide e ensinai a todas as nações") com a nova praxe do diálogo, afirmando que "a Igreja se faz palavras, a Igreja se faz mensagem, a Igreja se faz conversação" (LEFEBVRE, 1991, p. 134). O processo sinodal é a institucionalização deste princípio: a Igreja deixa de ensinar para se tornar um fórum de conversas.
  8. Neste contexto, a crítica de Dom Eleganti ao caráter “autoritário e manipulador” do processo, longe de ser uma contradição, revela a sua natureza intrinsecamente liberal. Uma análise da história do tomismo observa que, enquanto o magistério tradicional exercia uma autoridade clara para defender o depósito da fé, a modalidade liberal de autoridade, que emergiu no Concílio, serve apenas para guiar um processo de diálogo cujo resultado é, em última análise, o reflexo do "sentir" da comunidade (NOUGUÉ, 2017, p. 278-279). A autoridade não é mais a guardiã da Verdade, mas a parteira do consenso. A psicologia do liberal, e portanto da autoridade liberal, é a de um espírito que "não consegue descansar na verdade". É um espírito dividido, que vive em constante contradição, afirmando os princípios, mas fazendo o contrário na prática, numa busca incessante por um "novo equilíbrio" que nunca se encontra (LEFEBVRE, 1991, p. 70, 131, 134). O processo sinodal, com sua aparente abertura e seu controle manipulador, é o reflexo perfeito desta "perfeita e absoluta incoerência" (LEFEBVRE, 1991, p. 68).
  9. Em suma, a sinodalidade não é uma aberração, mas a consequência coerente da nova teologia do Vaticano II. É a estrutura de governo da "religião do Homem", assim como a Missa Nova é o seu culto. O Bispo Eleganti tem, portanto, toda a razão ao clamar: “Pelo amor de Cristo, parem com isso. Proclamem o Evangelho. Proclamem Cristo ao mundo mais uma vez.” A única solução para a crise não é mais processo, mas o retorno à Fé e à ordem divinamente instituídas por Cristo para a Sua Igreja. Pois, enquanto os liberais destroem, "nós temos a felicidade de construir" e de lutar "pelo Reino Social de Nosso Senhor Jesus Cristo", sabendo que a Santíssima Virgem, ao final, "vencerá a grande apostasia fruto do liberalismo" (LEFEBVRE, 1991, p. 148).

Referências

CALDERÓN, Álvaro. Prometeo: La Religión del Hombre - Ensayo de una hermenéutica del Concilio Vaticano II. 2010.
CEKADA, Anthony. Obra de Mãos Humanas: Uma crítica teológica à Missa de Paulo VI. 2. ed. West Chester: Philothea Press, 2010.
LEFEBVRE, Marcel. Do Liberalismo à Apostasia: A Tragédia Conciliar. Tradução de Ildefonso Albano Filho. Rio de Janeiro: Editora Permanência, 1991.
NOUGUÉ, Carlos. Do Papa Herético e outros opúsculos. 1. ed. Formosa: Edições Santo Tomás, 2017.