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O Culto do Homem: Gaudium et Spes como Matriz Ideológica da Missa de Paulo VI na Análise do Padre Anthony Cekada


Na vasta literatura crítica sobre a Missa de Paulo VI, a Constituição Pastoral Gaudium et Spes é frequentemente tratada como uma questão de fundo, uma expressão do "espírito do Vaticano II" que teria influenciado indiretamente a reforma. Na análise cáustica e sistemática do Padre Anthony Cekada em Obra de Mãos Humanas, esta relação é muito mais direta e causal. Para Cekada, a Gaudium et Spes não foi um pano de fundo; foi o manifesto. Foi a declaração de princípios revolucionários que tornou a destruição da Missa Tridentina não apenas possível, mas teologicamente necessária. A filosofia da Gaudium et Spes serviu de princípio ativo para a desfiguração do Rito Romano, operando em três frentes: a imposição de uma nova antropologia, a sistemática eliminação da "teologia negativa", e a criação de uma liturgia para o homem em diálogo com o mundo.

A premissa da Gaudium et Spes é um diálogo aberto e otimista com o "homem de hoje". Cekada argumenta que este ponto de partida representa uma inversão radical da missão da Igreja. Em vez de a Igreja formar o homem segundo as verdades de Deus, a liturgia deveria agora ser "adaptada" para responder aos "requerimentos dos nossos tempos" (CEKADA, p. 192. Citação de Paulo VI sobre a necessidade de adaptar a tradição às "condições modernas"). Cekada cita um dos próprios arquitetos do Novus Ordo, Carlo Braga, que admite que a revisão das orações foi ditada pela "nova visão de valores humanos, considerada como uma relação e como um caminho para os bens sobrenaturais" (CEKADA, p. 282). Para Cekada, esta é a confissão explícita de que o critério para a reforma não foi a Tradição apostólica, mas a psicologia e a sociologia do homem moderno. O "homem contemporâneo", com sua aversão ao sacrifício, ao sofrimento, à hierarquia e ao sobrenatural, tornou-se a nova norma da oração. A liturgia, que era um ato teocêntrico, foi reformulada para se tornar uma experiência antropocêntrica, um processo que Cekada vê como a rendição da fé à mentalidade secular.

Uma vez estabelecido o "homem moderno" como o padrão, a consequência lógica, demonstra Cekada, foi a eliminação sistemática de tudo aquilo que pudesse ofender a sua sensibilidade. Os reformadores, sob a bandeira de remover o que era "pastoralmente inadequado", empreenderam uma purga da chamada "teologia negativa" — que, na realidade, era simplesmente a teologia católica tradicional sobre o pecado e a graça. Cekada documenta meticulosamente como este expurgo, inspirado pelo otimismo da Gaudium et Spes, se manifestou:

1. A doutrina tradicional sobre o desprezo pelo mundo (contemptus mundi) e o conflito entre o cristão e o "espírito do mundo" foi sistematicamente erradicada. Orações que pediam para terrena despicere (desprezar as coisas terrenas) foram reescritas para pedir a graça de "considerar sabiamente as coisas terrenas" (CEKADA, p. 294). O campo de batalha espiritual tornou-se um campo de diálogo amigável. 2.A linguagem que descrevia a perversidade do pecado, a ira divina, o castigo, a danação eterna e a nossa própria fragilidade e indignidade foi eliminada por ser "demasiado negativa" e de "pouca relevância para a mentalidade do homem moderno" (CEKADA, p. 283). 3.A remoção da "teologia negativa" diminuiu, por consequência, a necessidade da graça redentora. Se o homem e o mundo são fundamentalmente bons, e o conflito espiritual é minimizado, o drama da salvação perde a sua urgência.

A crítica de Cekada atinge o seu clímax quando ele demonstra que a nova liturgia não apenas reflete a filosofia da Gaudium et Spes, mas incorpora a sua própria linguagem. As novas Orações Eucarísticas, especialmente as de Reconciliação e para Várias Necessidades, são, para Cekada, pouco mais do que sermões humanistas que parafraseiam o documento conciliar. Ele aponta para o uso recorrente de jargão como: "Examinando os sinais dos tempos": Uma citação direta da Gaudium et Spes inserida numa oração litúrgica (CEKADA, p. 414). "Peregrinação terrena" e "jornada da vida": Metáforas que promovem a ideia modernista da Igreja e do dogma em constante evolução, em vez da Igreja como depositária de uma verdade imutável. "Paz e justiça": A transformação do culto em ativismo social, um dos objetivos explícitos da Gaudium et Spes.

Para Cekada, esta adoção linguística é a prova final da capitulação. A linguagem do Sacrifício, da propiciação e da adoração foi substituída pela linguagem da sociologia, da psicologia e do diálogo inter-religioso. A Missa tornou-se, de fato, a Gaudium et Spes em ação.

Na análise de Anthony Cekada, a Gaudium et Spes não é meramente um dos dezesseis documentos do Vaticano II; é a sua chave hermenêutica e a sua alma revolucionária. Ao colocar o "homem moderno" e o "mundo de hoje" no centro das suas preocupações, ela forneceu a justificação teológica para desmantelar um rito milenar que estava centrado em Deus, no pecado e na eternidade. O Novus Ordo Missae é, portanto, a consequência litúrgrica inevitável da revolução antropológica da Gaudium et Spes. Nas palavras do próprio Papa Paulo VI, que presidiu a ambos, tratava-se de instituir o "culto do Homem". Para Cekada, a Missa Nova não é outra coisa senão isto: a liturgia da Igreja do homem que se fez deus.

Referência

Cekada, Anthony. Obra de Mãos Humanas: Uma crítica teológica à Missa de Paulo VI. (2010), 

Sobre a Revolução Litúrgica e as Reformas da Semana Santa de Pio XII, por Dom Viganò


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Publicado no site do Seminário São José, o texto original é uma transcrição de uma palestra do Arcebispo Carlo Maria Viganò, proferida em 27 de outubro de 2023, na qual ele analisa criticamente as reformas litúrgicas da Semana Santa implementadas durante o pontificado de Pio XII, entre 1951 e 1956, e as contextualiza como parte de um processo mais amplo de transformação litúrgica que culminou no Concílio Vaticano II e na Missa de Paulo VI (Novus Ordo).

O Arcebispo Viganò inicia enfatizando que sua análise não visa atacar a pessoa de Pio XII, mas examinar os eventos de seu pontificado com uma perspectiva histórica e teológica crítica, especialmente à luz das consequências posteriores. Viganò sugere que essas reformas, embora promulgadas por um papa legítimo, representaram um ponto de inflexão que abriu caminho para mudanças mais radicais, como as do Vaticano II.

As reformas litúrgicas da Semana Santa começaram experimentalmente em 1951, com a revisão da Vigília Pascal, e foram concluídas em 1956 com a promulgação do Ordo Hebdomadae Sanctae Instauratus. Essas mudanças foram impulsionadas por uma comissão liderada por figuras como Annibale Bugnini, Carlo Braga e Ferdinando Antonelli, que Viganò identifica como protagonistas de uma agenda modernista.
 
A Vigília Pascal, tradicionalmente celebrada na manhã do Sábado Santo, foi transferida para a noite, supostamente para restaurar uma prática antiga, mas Viganò questiona a necessidade e os fundamentos históricos dessa decisão.
 
Ritos tradicionais foram simplificados ou alterados, como a redução das leituras e a introdução de elementos como o uso do vernáculo e a participação ativa dos fiéis, que romperam com a sacralidade e o simbolismo da liturgia anterior.

Viganò cita declarações dos reformadores, como Bugnini, que descreveu a reforma como "um aríete que penetrou na fortaleza da liturgia estática", e Antonelli, que a viu como "o ato mais importante na história da liturgia desde São Pio V". Essas afirmações revelam, segundo ele, uma intenção revolucionária.

Viganò argumenta que a liturgia tradicional, codificada por São Pio V após o Concílio de Trento, era um reflexo da Tradição viva da Igreja, enraizada em séculos de prática e simbolismo. Ele rejeita a ideia de que a Tradição fosse um obstáculo ao progresso litúrgico, como sugeriram os reformadores, afirmando que ela é, na verdade, o fundamento da liturgia. Para ele, as reformas de Pio XII introduziram uma mentalidade racionalista e experimental, típica do Movimento Litúrgico, que priorizou a adaptação às sensibilidades modernas em detrimento da continuidade orgânica.

Embora reconheça a ortodoxia doutrinária de Pio XII, Viganò aponta que o papa foi influenciado por assessores modernistas, como Bugnini e Augustin Bea, que exploraram sua confiança e fragilidade física nos últimos anos de seu pontificado (ele sofreu uma doença grave entre 1954 e 1955). Ele sugere que Pio XII, apesar de suas boas intenções, não percebeu plenamente as implicações das reformas, que serviram como uma "ponte" para o Novus Ordo. Viganò critica a falta de resistência de Pio XII aos modernistas, contrastando-o com São Pio X, que combateu vigorosamente tais tendências.

O arcebispo vê as reformas da Semana Santa como um prelúdio direto às mudanças do Concílio Vaticano II. Ele destaca que os mesmos princípios — participação ativa, simplificação, uso do vernáculo e adaptação ao "homem moderno" — foram ampliados na Sacrosanctum Concilium e na Missa de Paulo VI. Para Viganò, a reforma de Pio XII foi um "cavalo de Troia" que permitiu a infiltração de ideias revolucionárias na Igreja, culminando na perda da centralidade do sacrifício propiciatório da Missa em favor de uma visão comunitária e ecumênica.

Viganò argumenta que as reformas comprometeram a lex orandi (lei da oração), que deve refletir a lex credendi (lei da fé). Ele cita exemplos como a supressão de orações tradicionais (e.g., as preces pelos judeus na Sexta-feira Santa) e a introdução de práticas como a Comunhão na mão, que teriam enfraquecido a reverência e a doutrina eucarística. Ele também critica a "pastoralidade" como pretexto para mudanças que, na prática, diluíram o caráter sagrado da liturgia.

Nos últimos parágrafos, Viganò conclui que as reformas da Semana Santa de Pio XII, embora válidas em termos de autoridade papal, foram um erro histórico que abriu as portas para a crise litúrgica moderna. Ele exorta os católicos a rejeitar essas mudanças e retornar à liturgia tradicional pré-1955, que ele considera mais fiel à fé católica. Reconhecendo a dificuldade de questionar um ato papal, ele invoca a epikeia (princípio de equidade) e a cessação da lei em circunstâncias prejudiciais ao bem comum, argumentando que os frutos negativos das reformas justificam essa postura.