A Liberdade Prometeica
A novidade central na antropologia conciliar é a elevação da liberdade ao status de valor supremo e definidor da dignidade humana (Calderón, Prometeo, Cap.2.A.1). Diferentemente da concepção católica clássica, onde a liberdade (liberum arbitrium) é uma faculdade ordenada ao bem verdadeiro conhecido pela inteligência, e sua perfeição reside na eleição deste bem (libertas gloriae), o Concílio, notadamente na Gaudium et Spes, promove uma liberdade como autonomia radical. Esta é a capacidade de autodeterminação que encontra sua dignidade no próprio ato de escolher, mesmo que essa escolha se incline para o mal objetivo.
A argumentação conciliar, ao afirmar que "a dignidade humana requer (...) que o homem atue segundo sua consciência e livre escolha, movido e levado por convicção interna pessoal e não sob a pressão de um cego impulso interior ou de mera coação externa" (Gaudium et Spes, n.17), implicitamente desvincula a dignidade da liberdade da sua conformidade com a lei divina e natural objetiva. O erro funesto aqui, como aponta Calderón (Ibid., Cap.2.A.1), é que o homem busca necessariamente o bem sob a razão de bem universal, e sua liberdade se exerce propriamente na ordem dos meios para alcançar este Fim Último (Deus), ordem esta que precisa ser conhecida. Uma liberdade desvinculada da verdade torna-se, como ensinou Leão XIII em Libertas Praestantissimum, mera licença. A consequência imediata desta primazia é a supremacia da ação sobre a contemplação (Ibid., Cap.2.A.3), pois a ação é o campo por excelência do exercício desta liberdade autônoma.
O Subjetivismo
Tal concepção de liberdade só pode vicejar sobre o terreno fértil do subjetivismo (Calderón, Prometeo, Cap.2.B). Se a verdade objetiva e as essências universais fossem acessíveis à inteligência humana de forma clara e impositiva, a liberdade seria constrangida a conformar-se a elas. O pensamento conciliar, ao adotar um "relativismo moderado" (Ibid., Cap.2.B.3), encapsula o subjetivismo na "inadequação das fórmulas dogmáticas" e na primazia da "experiência de fé" sobre o assentimento doutrinal. A "verdade" torna-se uma "realidade misteriosa" e a fé, uma "perceção" deste mistério através de "símbolos" ou "sacramentos" existenciais (Ibid., Cap.2.B.1, fazendo referência ao que foi dito sobre a Revelação no Cap. 1). As consequências são vastas:
Negação da universalidade do conhecimento intelectual: Este passa a depender do "hic et nunc" cultural e histórico (Ibid., Cap.2.B.3, nota 71).
Impossibilidade de uma teologia como ciência: Se as essências são inacessíveis, a analogia própria com a realidade divina torna-se inviável, restando apenas a via negativa, que não constitui teologia (Ibid., Cap.2.B.3).
O pluralismo teológico como necessidade: Se a verdade é primariamente experiência e o dogma, sua expressão culturalmente condicionada, então múltiplas "teologias" (poemas sobre a experiência) são não apenas possíveis, mas desejáveis (Ibid., Cap.2.B.4).
Este subjetivismo, embora apresentado como uma via para a "liberdade de pensamento", é, na realidade, a porta para a tirania da opinião e a dissolução da verdade.
A Consciência Autônoma
A consequência moral do subjetivismo e da liberdade autônoma é a entronização da consciência individual como árbitro supremo da moralidade (Calderón, Prometeo, Cap.2.C). Se a verdade objetiva é elusiva e a liberdade é o valor primordial, então o juízo prático da consciência, desde que "sincero", adquire uma dignidade quase infalível. O Concílio Vaticano II, na Veritatis Splendor (n.60), tenta ligar a consciência à "lei natural" e à "razão prática", mas a interpretação predominante, impulsionada pelo humanismo subjacente, tende a ver a lei natural mais como uma "inclinação misteriosa do coração" do que como um conjunto de preceitos racionais universalmente válidos e expressáveis (Ibid., Cap.2.C.2). A "verdade profunda da natureza humana" torna-se o fundamento da moralidade, mas essa "verdade" é interpretada subjetivamente pela consciência. O resultado é que "toda normatividade moral dependerá completamente do contexto histórico-cultural" (Ibid., Cap.2.C.2), abrindo caminho para um relativismo ético dificilmente contornável.
A Graça Redefinida
Neste novo quadro antropológico, a doutrina da graça sofre uma redefinição crucial (Calderón, Prometeo, Cap.2.D). Tradicionalmente, a graça é um dom sobrenatural que eleva a natureza humana, ferida pelo pecado, à participação na vida divina. Para o humanismo conciliar, a graça é vista primariamente como um meio para a perfeição da natureza dentro de seus próprios limites imanentes. O naturalismo inerente ao humanismo (Ibid., Cap.2.D.1) leva a que a graça seja concebida como aquilo que "repara e sustenta a liberdade" natural do homem (Ibid., Cap.2.D.2, citando Gaudium et Spes, n.17), ajudando-o a realizar plenamente sua "humanidade". A ênfase desloca-se da deificação para a "humanização". Cristo, "o novo Adão", manifesta "plenamente o homem ao próprio homem e lhe descobre a sublimidade de sua vocação" terrena (Gaudium et Spes, n.22). A função da graça, portanto, não é primariamente elevar o homem a uma ordem sobrenatural, mas restaurar e aperfeiçoar sua "dignidade" e autonomia naturais. Ela se torna um instrumento para a "libertação da natureza" de seus entraves, sejam eles o pecado (entendido como alienação) ou as estruturas opressoras.
O "Prometeu Cristianizado"
A antropologia que emerge do Concílio Vaticano II, conforme a crítica de Calderón, é a de um "homem novo" cujo valor supremo é a liberdade autônoma, cuja inteligência opera sob o signo de um subjetivismo que relativiza a verdade objetiva, cuja consciência é o árbitro final da moralidade, e cuja relação com a graça é predominantemente naturalista, visando a plena realização de suas potencialidades imanentes (Calderón, Prometeo, Cap.2.E). Este "homem novo" é um "Prometeu cristianizado": uma figura que, embora reconhecendo sua ligação com o divino (Cristo como "Homem perfeito", a graça como "dom de Deus"), busca sua perfeição e "libertação" primariamente através de suas próprias forças e dentro do horizonte terreno. A "transcendência" a que é chamado é mais uma abertura à "plenitude do humano" do que uma elevação à ordem sobrenatural da graça e da glória. Esta visão antropológica, ao romper com os fundamentos da doutrina católica sobre a natureza, a graça, o pecado e a redenção, constitui um dos pilares mais problemáticos da "nova religião" inaugurada pelo Vaticano II, com consequências devastadoras para a vida da Igreja.
Bibliografia
Aquino, Santo Tomás de. Suma Teológica.
Calderón, Álvaro. Prometeo: La Religión del Hombre. (especialmente Capítulo 2)
Concílio Vaticano II. Gaudium et Spes, Lumen Gentium.
João Paulo II. Veritatis Splendor.
Leão XIII. Libertas Praestantissimum.
Calderón, Álvaro. Prometeo: La Religión del Hombre. (especialmente Capítulo 2)
Concílio Vaticano II. Gaudium et Spes, Lumen Gentium.
João Paulo II. Veritatis Splendor.
Leão XIII. Libertas Praestantissimum.