A Cátedra de Pedro na Tribuna do Mundo (o teor naturalista, a negação implícita da autoridade papal, a ausência do nome de Cristo e a exaltação da ONU)


Em um artigo datado de 15 de julho de 2025, S.D. Wright analisa o discurso proferido pelo Papa Paulo VI na Organização das Nações Unidas (ONU) em 4 de outubro de 1965. O autor do artigo enquadra o discurso como um manifesto do que o Abade Georges de Nantes denunciou como "MASDU" (Mouvement d'Animation Spirituelle de la Démocratie Universelle), um movimento que substitui a missão sobrenatural da Igreja pela tarefa de fornecer uma "animação espiritual" para uma democracia mundial naturalista. Wright aponta para o teor naturalista do discurso, a negação implícita da autoridade papal, a ausência do nome de Cristo e a exaltação da ONU como a "maior esperança do mundo". O artigo contrasta esta visão com o ensinamento do Papa São Pio X, que condenou movimentos semelhantes. A seguir, proceder-se-á a uma análise crítica deste evento e de suas implicações, à luz da doutrina católica.

De fato, a análise de S.D. Wright converge com a tese central de que o pontificado de Paulo VI, o “papa liberal”, representa a culminação de um longo processo de infiltração do pensamento liberal no seio da Igreja (LEFEBVRE, 1991, p. 133). Este processo buscou ativamente a “grande traição” de reconciliar a Igreja com os princípios da Revolução, um projeto que encontra no discurso à ONU sua expressão mais pública e universal (LEFEBVRE, 1991, p. 68). A promoção de uma “democracia universal” não é vista como um desenvolvimento acidental, mas como a vitória da ideologia liberal que visa, em última instância, destronar a Cristo Rei para entronizar o homem.

O discurso de Paulo VI à ONU não pode ser compreendido como um mero ato diplomático, mas como a expressão de uma profunda reorientação teológica que permeou todo o Concílio Vaticano II. Analisado à luz da sã doutrina, o discurso revela-se como uma aplicação prática dos mesmos princípios que levaram à fabricação da Nova Missa e à instauração do que se pode chamar de "Religião do Homem".

Em primeiro lugar, o discurso encarna perfeitamente a tese de um humanismo conciliar que, em sua essência, inverte a finalidade da religião. Como uma análise filosófica do Concílio demonstra, esta nova orientação põe o homem, e não Deus, como o fim de todas as coisas. A religião católica, neste novo paradigma, "se ordena à humanidade" (CALDERÓN, p. 7). A fala de Paulo VI é um exemplo notável desta inversão. Ao dirigir-se à assembleia de nações, o pontífice não se apresenta como o Vigário de Cristo, dotado de autoridade divina para ensinar, governar e santificar, mas como um "especialista em humanidade", oferecendo humildemente os serviços da Igreja para a construção de um mundo melhor. Ele declara explicitamente que a Igreja se torna uma "serva da nova sociedade humana".

Esta inversão não é uma mera interpretação de críticos, mas uma realidade afirmada pelo próprio Paulo VI no discurso de encerramento do Concílio. Nele, o Papa descreve o encontro da “religião do Deus que se fez homem” com a “religião (pois é uma) do homem que se fez Deus”, e conclui com uma declaração que confirma a nova orientação: “Vós humanistas modernos, reconhecei-lhe pelo menos este mérito, e procurai reconhecer nosso novo humanismo: nós também, nós mais do que qualquer um, temos o culto do homem” (LEFEBVRE, 1991, p. 129). Este “culto do homem” é, para a crítica tradicionalista, a essência do espírito pacifista do Concílio, uma “simpatia ilimitada” pelo homem sem Deus que representa a “conversão da Igreja para o mundo” (LEFEBVRE, 1991, p. 130).

Esta atitude é a consequência lógica de se ter substituído a "Religião de Deus" pela "Religião do Homem". Nesta nova religião, o fim não é mais a glória de Deus e a salvação sobrenatural das almas, mas a promoção da paz, da fraternidade e da dignidade do homem na ordem temporal. Assim, a ONU, e não a Igreja, é apresentada como a "maior esperança do mundo". A esperança teologal na vida eterna é substituída por uma esperança naturalista numa utopia terrena. O Reino de Cristo é suplantado pela construção de uma "democracia mundial".

A promoção de uma democracia secular é identificada como a meta da “cruzada das democracias”, um projeto liberal e maçônico que visa suprimir as monarquias cristãs e qualquer regime que faça referência à autoridade divina (LEFEBVRE, 1991, p. 36). A exaltação de organizações internacionais que operam num vácuo teológico é uma manifestação do naturalismo condenado pela Igreja. Ao analisar o espírito de documentos como a Gaudium et Spes, argumenta-se: “Pode por acaso o mundo se organizar sem Nosso Senhor Jesus Cristo, ter a paz sem o ‘Princeps Pacifer’? É impossível! Em troca o mundo está afundando na guerra e na subversão, antes de tudo porque está afundado no pecado. (...) Sem Ele, fala-se no vazio” (LEFEBVRE, 1991, p. 104).

Em segundo lugar, o discurso representa uma ruptura fundamental com o Magistério perene da Igreja, análoga à ruptura que a Nova Missa representa com a tradição litúrgica. Uma crítica teológica detalhada da reforma litúrgica demonstra como a Nova Missa foi uma "obra de mãos humanas", fabricada para remover as doutrinas católicas sobre o Sacrifício, o Sacerdócio e a Presença Real, a fim de se adequar à teologia modernista e protestante (CEKADA, p. 491). De modo semelhante, o discurso à ONU é uma "obra de mãos humanas" que sistematicamente omite e substitui as doutrinas católicas sobre a Realeza Social de Cristo.

O Santo Nome de Jesus não é mencionado uma única vez. A missão única e necessária da Igreja como Arca da Salvação é silenciada. Em seu lugar, Paulo VI oferece uma "solene ratificação moral" da ONU, uma organização secular fundada em princípios naturalistas e maçônicos. Ele chega ao ponto de aplicar uma profecia messiânica (Isaías 2, 4) à ONU, um ato de espantosa audácia que atribui a uma instituição mundana o cumprimento das promessas divinas. Este método de esvaziar os conceitos católicos de seu conteúdo tradicional para preenchê-los com um novo significado modernista é o mesmo procedimento empregado na fabricação da Missa de Paulo VI (CEKADA, p. 488-490).

Esta ruptura não foi apenas uma omissão, mas uma destronização ativa e deliberada. Foi apontado que “foi necessária toda a raiva dos inimigos de Jesus Cristo para chegar a arrancar-lhe sua coroa”. Um dos exemplos mais concretos e dolorosos desta política foi a supressão, após o Concílio, de estrofes cruciais do hino das Vésperas da festa de Cristo Rei, que proclamavam explicitamente Seu reinado sobre as nações e as leis civis. Foram removidos versos como: “Te nationum praesides / Honoré tollant publico / Colant magistri, judices / Leges et artes exprimant.” (Que te honrem publicamente / Os chefes das nações / E que mestres e juízes / Nas leis e artes te exprimam) (LEFEBVRE, 1991, p. 62). Ao silenciar esta doutrina e louvar uma instituição que a nega, o discurso de Paulo VI participa da mesma obra de demolição.

Em terceiro lugar, o discurso revela uma nova concepção da autoridade papal. Ao apresentar-se como "um homem como vocês" e "até mesmo um dos menores entre vocês", Paulo VI não exerce a autoridade de Vigário de Cristo, mas abdica dela em favor de um diálogo com o mundo. Um estudo sobre os efeitos do Concílio demonstra que o novo humanismo conciliar leva a uma nova forma de exercício da autoridade, na qual a firmeza doutrinal é substituída pela busca de consenso e pela abertura a "novas perspectivas" (NOUGUÉ, p. 21). A autoridade não é mais vista como um poder de ensinar a verdade revelada, mas como um serviço para "animar" a construção de um mundo fraterno.

Esta nova concepção de autoridade é analisada em uma crítica à encíclica programática de Paulo VI, Ecclesiam Suam. Nela, o Papa apresenta a tese da obrigação de evangelizar para, em seguida, apresentar a antítese do diálogo, que acaba por suplantar a primeira. Cita-se: “A propósito deste impulso interior de caridade que tente a se transformar em um dom exterior, nós usaremos o nome que é atualmente usual: diálogo. A Igreja deve manter diálogo com o mundo em que vive” (LEFEBVRE, 1991, p. 134). Este espírito de diálogo, que substitui o mandato missionário, é a marca do papa liberal, que é descrito como um “homem que vive sempre em contradição” (LEFEBVRE, 1991, p. 134), resultando em um exercício de autoridade paradoxal e, em última análise, destrutivo para a fé.

Ao colocar a Igreja e o Papado a serviço da ONU, Paulo VI agiu precisamente segundo os princípios do MASDU. A Igreja já não é a sociedade perfeita, superior ao Estado, que tem a missão de levar todas as nações ao reinado de Cristo, mas uma "serva" humilde que oferece sua "animação espiritual" aos projetos seculares do mundo. Não surpreende, portanto, que Paulo VI tenha promovido a "liberdade religiosa", um erro repetidamente condenado por seus predecessores, pois este é o corolário necessário de uma visão que subordina a ordem sobrenatural à natural.

Referências

CALDERÓN, Álvaro. Prometeo: La Religión del Hombre - Ensayo de una hermenéutica del Concilio Vaticano II. 2010.
CEKADA, Anthony. Obra de Mãos Humanas: Uma crítica teológica à Missa de Paulo VI. 2ª ed. Philothea Press, 2010.
LEFEBVRE, Marcel. Do Liberalismo à Apostasia: A Tragédia Conciliar. Tradução de Ildefonso Albano Filho. Rio de Janeiro: Editora Permanência, 1991.
NOUGUÉ, Carlos. Do Papa Herético e outros opúsculos. 1ª ed. Edições Santo Tomás, 2017.