Embora o diagnóstico sobre os sintomas da decadência — a desintegração da família, a erosão cultural e a instabilidade social — seja em grande parte correto, a atribuição da causa ao capitalismo é um erro fundamental. Essa análise confunde o sistema de propriedade privada e trocas voluntárias com o atual Leviatã estatista, que é o verdadeiro responsável por essa devastação. Os fenômenos descritos não são consequências do livre mercado, mas sim do Estado democrático de bem-estar, que atua sistematicamente para destruir as estruturas sociais naturais e fortalecer seu próprio poder.
🏚️ A Destruição do Lar pela Integração Forçada
A análise de que fluxos migratórios em massa desestabilizam culturas e corroem a convivência social aponta para um problema real, mas erra ao identificar o capitalismo como seu agente. Em uma ordem social baseada estritamente na propriedade privada — uma anarquia de propriedade privada —, não existiria algo como “imigração livre” no sentido atual. Toda propriedade, incluindo ruas, bairros e cidades, seria privada. Consequentemente, a entrada em qualquer território dependeria de um convite explícito do proprietário. A migração seria um ato contratual, não uma invasão. Cada comunidade, cada associação de proprietários, teria o direito de estabelecer seus próprios critérios de admissão e exclusão, criando um mosaico de comunidades com diferentes graus de abertura e homogeneidade, prevenindo assim a integração forçada que gera conflitos sociais (Hoppe, 2012, cap. 7).
O problema contemporâneo da imigração em massa é um produto direto do Estado democrático. Primeiro, a existência de propriedade “pública” (ruas, parques, prédios) cria a ilusão de um território sem dono, pelo qual qualquer um, inclusive um imigrante admitido pelo governo central, pode transitar e se instalar sem o consentimento dos proprietários locais. Segundo, o Estado de bem-estar funciona como um ímã, atraindo imigrantes não pela sua capacidade produtiva, mas pela promessa de subsídios financiados pelos contribuintes. O resultado não é a livre associação, mas a integração forçada, uma política que impõe custos e desordem sobre as comunidades locais e destrói o capital social. Portanto, não é o cálculo econômico do mercado que move essa devastação, mas o cálculo político do Estado democrático, que busca expandir sua base de dependentes e diluir as culturas locais coesas que poderiam resistir ao seu poder (Hoppe, 2012, cap. 7, 9).
👨👩👧👦 A Erosão da Família pelo Estado de Bem-Estar
A tese de que há uma “competição comercial entre os sexos” e um incentivo ao antinatalismo também desvia o foco do verdadeiro culpado. Não é o capitalismo que precisa do antinatalismo para baixar salários; é o Estado de bem-estar que o produz como consequência inevitável de suas políticas. Ao socializar a responsabilidade pela educação, saúde, segurança e, principalmente, pela velhice, o Estado quebra o vínculo intergeracional que é a base da família natural.
O sistema de segurança social, por exemplo, transfere a responsabilidade de cuidar dos idosos dos filhos para uma entidade anônima, o Estado. Isso torna os filhos economicamente menos “valiosos” para os pais e, ao mesmo tempo, impõe um fardo sobre os jovens para sustentar uma geração de idosos com a qual não possuem laços diretos. O resultado é uma queda drástica nas taxas de natalidade. Da mesma forma, subsídios para mães solteiras e a facilitação do divórcio diminuem o custo da desintegração familiar e penalizam a estrutura familiar tradicional. O individualismo exacerbado e a percepção da família como uma “prisão” não são frutos do mercado, mas da promessa estatista de que o indivíduo será cuidado do berço ao túmulo, tornando a família uma instituição redundante e opcional (Hoppe, 2012, cap. 1, 4, 10). O Estado, para aumentar seu poder, precisa atomizar a sociedade, e a maneira mais eficaz de fazê-lo é destruindo a autoridade e a função da família.
🏛️ A Ruptura da Tradição pela Legislação Democrática
Por fim, a ideia de que o capitalismo destrói a influência dos pais por meio da “cultura pop” é superficial. A verdadeira causa da ruptura entre as gerações é a substituição da lei, como um corpo de princípios imutáveis e descobertos, pela legislação, como um fluxo interminável de decretos arbitrários criados pelo governo democrático. Uma ordem social natural, conservadora, é baseada em hierarquias e autoridades voluntariamente reconhecidas, com a família como sua unidade central. O Estado democrático, por sua natureza, é hostil a todas as autoridades intermediárias (família, igreja, elites naturais) que se interpõem entre ele e o indivíduo (Hoppe, 2012, cap. 9, 10).
A educação pública é a principal ferramenta do Estado para essa finalidade. Ao monopolizar a educação, o Estado retira dos pais a responsabilidade pela formação dos filhos e os submete a uma doutrinação que promove o relativismo moral, o igualitarismo e a desconfiança em relação à tradição. Isso cria gerações isoladas, sem conexão com o passado e presas a um presenteísmo hedonista — a própria essência da “cultura pop”. Essa cultura não é um produto do capitalismo, mas do processo de descivilização fomentado pelo Estado, que eleva a preferência temporal da sociedade, incentivando o consumo imediato e a irresponsabilidade em detrimento da poupança, do planejamento de longo prazo e da transmissão de um legado cultural (Hoppe, 2012, cap. 1, 3).
Em conclusão, a devastação antropológica que o artigo descreve é real, mas seu agente não é o capitalismo. É o Estado democrático, com suas políticas de integração forçada, seu sistema de bem-estar social e sua incessante produção legislativa. Atribuir a culpa ao capitalismo não apenas absolve o verdadeiro criminoso, mas também impede a identificação da única solução viável: a abolição do Estado e a restauração de uma ordem social baseada na propriedade privada, na família e na tradição.
📚 Referências
PRADA, Juan Manuel de. As três vias de devastação antropológica do capitalismo. Christo Nihil Præponere, 31 jul. 2025.
HOPPE, Hans-Hermann. Monarquía, democracia y orden natural: una visión austriaca de la era americana. 2. ed. Madrid: Unión Editorial, 2012.