O Anglicanismo na Perspectiva da "Conjuração Anticristã" segundo Monsenhor Delassus


A vasta obra de Monsenhor Henri Delassus, "A Conjuração Anticristã", publicada originalmente no início do século XX, propõe uma tese abrangente sobre uma conspiração secular orquestrada com o intuito de desmantelar a civilização cristã e, em particular, a Igreja Católica. Embora a Franco-Maçonaria e a Revolução Francesa recebam um tratamento central, o Anglicanismo, como um dos principais frutos da Reforma Protestante e como a religião estabelecida em uma potência influente como a Inglaterra, não escapa ao escrutínio do autor. 

Para Delassus, a unidade da Cristandade sob a égide da Igreja Católica Romana representava a ordem divina na terra. A Reforma Protestante, em todas as suas manifestações, é vista como um golpe catastrófico contra essa unidade, e o Anglicanismo não é exceção. A separação da Inglaterra da Sé Romana, iniciada por Henrique VIII, é interpretada não apenas como um ato de rebelião pessoal e político, mas como um evento que abriu uma brecha significativa na muralha da Cristandade (Delassus, Tomo I). Ao estabelecer uma igreja nacional independente da autoridade papal, o Anglicanismo contribuiu para o princípio do individualismo religioso e para o enfraquecimento da concepção de uma Igreja universal e visível divinamente instituída. "A Reforma", afirma Delassus, "foi o segundo grande golpe contra a civilização cristã" (Delassus, Tomo I, Cap. IV), e o Anglicanismo é, inequivocamente, uma peça fundamental nesse processo de fragmentação.

Um dos pontos mais criticados por Delassus em relação às igrejas reformadas é a sua subordinação ao poder temporal. O Anglicanismo, com o monarca inglês ostentando o título de "Governador Supremo da Igreja da Inglaterra", é um exemplo paradigmático dessa inversão da ordem hierárquica divinamente estabelecida (Delassus, Tomo I). Para Delassus, a verdadeira Igreja de Cristo deve ser independente do poder secular e, de fato, superior a ele em questões espirituais. O Ato de Supremacia inglês, portanto, é visto como uma usurpação das prerrogativas divinas da Igreja e um passo decisivo em direção à secularização do poder e à instrumentalização da religião para fins políticos. Essa estrutura, segundo o autor, pavimenta o caminho para um Estado que não apenas controla a Igreja, mas que eventualmente buscará eliminá-la ou substituí-la por um culto secular.

Delassus atribui à Inglaterra um papel central no nascimento e na disseminação da Franco-Maçonaria moderna. A atmosfera religiosa e intelectual da Inglaterra pós-Reforma, marcada pelo anglicanismo e pelo florescimento do deísmo e do racionalismo, teria sido o "terreno fértil" para o desenvolvimento de sociedades secretas (Delassus, Tomo I; Tomo II). Ele enfatiza que "foi na Inglaterra que Voltaire jurou consagrar sua vida a esse projeto [de destruir o cristianismo]" e que lá foi iniciado na Maçonaria (Delassus, Tomo I, Cap. XI). A fundação da Grande Loja de Londres em 1717 é vista como um marco, e a Inglaterra, sob o manto do Anglicanismo, teria se tornado um centro de exportação da ideologia maçônica para o continente, notadamente para a França, que por sua vez se tornaria o epicentro da ação revolucionária.

A Inglaterra não é vista por Delassus apenas como o berço da Maçonaria, mas também como uma fonte crucial de ideias filosóficas e políticas que, em sua perspectiva, corroeram a ordem cristã. O empirismo, o liberalismo político e o constitucionalismo inglês, embora distintos da radicalidade da Revolução Francesa, teriam fornecido as sementes intelectuais para os movimentos revolucionários subsequentes (Delassus, Tomo I). A "falsa luz" do Iluminismo, argumenta ele, encontrou na filosofia inglesa um de seus pilares. Essas ideias, quando exportadas e aplicadas em contextos diferentes, teriam contribuído para o questionamento da autoridade tradicional, tanto religiosa quanto monárquica, culminando na explosão revolucionária que buscava instituir uma nova ordem baseada na "razão" e nos "direitos do homem" secularizados.

A noção de tolerância religiosa, como praticada na Inglaterra em relação às diversas denominações protestantes após os períodos de conflito religioso, é interpretada por Delassus com grande suspeita. Para ele, essa tolerância não deriva de uma verdadeira caridade cristã, mas de um enfraquecimento da convicção na verdade única da fé católica, levando inevitavelmente ao indiferentismo religioso (Delassus, Tomo II). O indiferentismo, a ideia de que todas as religiões possuem um valor igual ou que a escolha religiosa é uma questão puramente privada sem consequências sociais, é um dos alicerces da "conjuração anticristã", pois mina a reivindicação da Igreja Católica de ser a única Igreja fundada por Cristo e a única detentora da plenitude da Revelação. O modelo anglicano, com sua pluralidade de interpretações e sua igreja estatal, seria um passo nessa direção.

Finalmente, a Inglaterra, como potência predominantemente protestante e, posteriormente, como império global, é frequentemente retratada como uma força que agiu, consciente ou inconscientemente, em detrimento dos interesses das nações católicas e da Santa Sé (Delassus, Tomo II; Tomo III). Seja através de alianças políticas, guerras, ou pela expansão de sua influência cultural e econômica, a Inglaterra teria contribuído para o enfraquecimento do catolicismo na Europa e no mundo. Delassus cita, por exemplo, a influência dos aliados (com a Inglaterra à frente) na Restauração francesa, impondo um modelo político que não rompia completamente com os legados da Revolução (Delassus, Tomo II, Cap. XVI). A expansão colonial inglesa também poderia ser vista como a disseminação de uma forma de cristianismo (anglicano) que ele considerava incompleto e cismático, além de uma influência secular e materialista.

Referências

Delassus, H. (1910). A Conjuração Anticristã: Tomo I – Histórico: Dos Primórdios à Revolução. 
Delassus, H. (1910). A Conjuração Anticristã: Tomo II – Histórico: Da Revolução aos Dias Atuais. 
Delassus, H. (1910). A Conjuração Anticristã: Tomo III – Solução da Questão.