🌪️O Diagnóstico de uma Enfermidade Moderna: O Naturalismo Prático
A encíclica Aeterni Patris identifica a raiz dos males modernos na separação entre fé e razão, uma cisão que levou a filosofia a confiar presunçosamente em suas próprias forças, resultando em contradição e ceticismo (Leão XIII, 1879). Essa autonomia orgulhosa do intelecto é o reflexo, no campo filosófico, daquilo que na vida espiritual se manifesta como "naturalismo prático". Trata-se da tentativa de organizar a vida sem Deus, ou, mais sutilmente, sem a necessidade de Sua graça interior para curar e elevar a natureza ferida (Garrigou-Lagrange, 1989, v. 1, p. 275). Assim como a filosofia moderna buscou uma autossuficiência que a conduziu ao erro, a alma que vive segundo o espírito da natureza, confiando em suas próprias luzes e forças, acaba por julgar as coisas divinas de um ponto de vista inferior, caindo naquilo que as Escrituras chamam de "loucura espiritual" (Garrigou-Lagrange, 1989, v. 1, p. 356). A desordem social e moral denunciada na encíclica é, em última análise, o fruto de almas desordenadas, cujo intelecto, não purificado pela fé, torna-se presa da curiosidade, do orgulho e da cegueira espiritual.
🏗️O Remédio Tomista: Para Além da Filosofia, Rumo à Santidade
Ao propor a restauração do tomismo, a intenção não é meramente acadêmica. A filosofia de São Tomás de Aquino é apresentada como um remédio porque oferece a estrutura intelectual que corresponde à realidade do ser humano e à sua ordenação a um fim sobrenatural. Para a vida interior, isso se traduz na necessidade de "firmeza de princípios" (Garrigou-Lagrange, 1989, v. 1, p. v). Sem uma metafísica sólida que reconheça a contingência da criatura e a absoluta transcendência de Deus, a alma dificilmente se abrirá à humildade, que é o fundamento de todo o edifício espiritual. O tomismo, ao estabelecer a distinção real entre essência e existência em tudo o que não é Deus, fornece a base racional para a compreensão do mistério da criação ex nihilo e, consequentemente, para o ato de humildade que reconhece: "Eu sou Aquele que é; tu és aquela que não é" (Garrigou-Lagrange, 1989, v. 1, p. 106). Assim, a restauração da sã filosofia não é um fim em si mesma, mas um meio indispensável para purificar o intelecto, ordenando-o à verdade e preparando-o para receber a luz superior da fé.
✨A Harmonia entre Fé e Razão: A Purificação do Intelecto
Aeterni Patris insiste que a fé não destrói a razão, mas a aperfeiçoa, elevando-a e protegendo-a do erro (Leão XIII, 1879). Na vida espiritual, esse princípio se concretiza na purificação ativa do intelecto. A razão humana, ferida pelo pecado original, tende à curiosidade vã, à presunção e à cegueira espiritual. A virtude da fé, portanto, não atua apenas como um conjunto de verdades a serem cridas, mas como um princípio de purificação (Garrigou-Lagrange, 1989, v. 1, p. 359). O "espírito de fé" consiste em julgar todas as coisas — a nós mesmos, ao próximo, aos acontecimentos — sob a luz da revelação. Esse exercício contínuo de submeter o juízo próprio à autoridade de Deus revelador é a verdadeira mortificação do intelecto. É o que permite à alma passar de uma visão horizontal das coisas, imersa no tempo, para uma visão vertical que as conecta ao instante imóvel da eternidade (Garrigou-Lagrange, 1989, v. 1, p. 346). A razão, assim purificada e elevada pela fé, torna-se dócil às inspirações dos dons do Espírito Santo, especialmente os de entendimento e sabedoria, que a conduzem a uma penetração viva e saborosa dos mistérios divinos, que é a contemplação infusa (Garrigou-Lagrange, 1989, v. 2, p. 313).
🌳Os Frutos da Verdadeira Filosofia: Ordem na Alma e na Sociedade
A encíclica sublinha que a restauração da filosofia tomista traria grandes benefícios para a sociedade, promovendo a ordem, a justiça e a paz (Leão XIII, 1879). Essa paz exterior, contudo, é reflexo da "tranquilidade da ordem" que deve reinar primeiro na alma. O amor-próprio desordenado é a causa de toda desunião, pois leva o homem a buscar bens materiais que dividem, em vez de bens espirituais que unem (Garrigou-Lagrange, 1989, v. 1, p. 141). Uma filosofia que não ordena o homem a Deus, seu Fim Último, inevitavelmente o deixará cativo de seu egoísmo. Ao contrário, uma filosofia realista e teocêntrica, como a tomista, ao mostrar a hierarquia dos bens, educa a vontade para que ela se conforme à vontade divina. O fruto último da sã filosofia, portanto, não é apenas uma sociedade mais justa, mas almas que, tendo seus intelectos e vontades purificados, caminham na via da perfeição, cuja meta é a união íntima com Deus, prelúdio da vida eterna.
📚Referências
GARRIGOU-LAGRANGE, R. The Three Ages of the Interior Life. 2 vols. Rockford: TAN Books, 1989.