A Luz Eterna da Sabedoria: O Chamado Perene de Leão XIII à Sanidade Filosófica (sobre o naturalismo prático denunciado na encíclica Aeterni Patris)


A encíclica Aeterni Patris, promulgada pelo Papa Leão XIII em 1879, representa um marco na história intelectual da Igreja Católica. Diante de uma modernidade marcada por sistemas filosóficos que conduziam ao ceticismo, ao materialismo e ao racionalismo, o documento apresenta um diagnóstico claro e uma solução vigorosa: a restauração da filosofia cristã, tendo como mestre e guia seguro Santo Tomás de Aquino. A encíclica argumenta que a filosofia moderna, ao divorciar a razão da fé, produziu "frutos venenosos", gerando desordem não apenas no campo do saber, mas também na vida social e moral. Em contrapartida, a filosofia tomista é apresentada como um baluarte da verdade, um instrumento capaz de demonstrar os preâmbulos da fé, defender os dogmas contra os erros e ordenar o conhecimento humano em harmonia com a revelação divina. Leão XIII exorta bispos, clérigos e acadêmicos a "restaurar a áurea sabedoria de Tomás e propagá-la o mais longe possível", não como um sistema fechado, mas como um manancial de princípios sólidos e perenes capazes de iluminar os desafios de qualquer época. O documento conclui com um apelo à união de esforços para que a sã doutrina filosófica possa novamente florescer, servindo como fundamento para a teologia e como guia seguro para a cultura.

🌪️O Diagnóstico de uma Enfermidade Moderna: O Naturalismo Prático

A encíclica Aeterni Patris identifica a raiz dos males modernos na separação entre fé e razão, uma cisão que levou a filosofia a confiar presunçosamente em suas próprias forças, resultando em contradição e ceticismo (Leão XIII, 1879). Essa autonomia orgulhosa do intelecto é o reflexo, no campo filosófico, daquilo que na vida espiritual se manifesta como "naturalismo prático". Trata-se da tentativa de organizar a vida sem Deus, ou, mais sutilmente, sem a necessidade de Sua graça interior para curar e elevar a natureza ferida (Garrigou-Lagrange, 1989, v. 1, p. 275). Assim como a filosofia moderna buscou uma autossuficiência que a conduziu ao erro, a alma que vive segundo o espírito da natureza, confiando em suas próprias luzes e forças, acaba por julgar as coisas divinas de um ponto de vista inferior, caindo naquilo que as Escrituras chamam de "loucura espiritual" (Garrigou-Lagrange, 1989, v. 1, p. 356). A desordem social e moral denunciada na encíclica é, em última análise, o fruto de almas desordenadas, cujo intelecto, não purificado pela fé, torna-se presa da curiosidade, do orgulho e da cegueira espiritual.

🏗️O Remédio Tomista: Para Além da Filosofia, Rumo à Santidade

Ao propor a restauração do tomismo, a intenção não é meramente acadêmica. A filosofia de São Tomás de Aquino é apresentada como um remédio porque oferece a estrutura intelectual que corresponde à realidade do ser humano e à sua ordenação a um fim sobrenatural. Para a vida interior, isso se traduz na necessidade de "firmeza de princípios" (Garrigou-Lagrange, 1989, v. 1, p. v). Sem uma metafísica sólida que reconheça a contingência da criatura e a absoluta transcendência de Deus, a alma dificilmente se abrirá à humildade, que é o fundamento de todo o edifício espiritual. O tomismo, ao estabelecer a distinção real entre essência e existência em tudo o que não é Deus, fornece a base racional para a compreensão do mistério da criação ex nihilo e, consequentemente, para o ato de humildade que reconhece: "Eu sou Aquele que é; tu és aquela que não é" (Garrigou-Lagrange, 1989, v. 1, p. 106). Assim, a restauração da sã filosofia não é um fim em si mesma, mas um meio indispensável para purificar o intelecto, ordenando-o à verdade e preparando-o para receber a luz superior da fé.

✨A Harmonia entre Fé e Razão: A Purificação do Intelecto

Aeterni Patris insiste que a fé não destrói a razão, mas a aperfeiçoa, elevando-a e protegendo-a do erro (Leão XIII, 1879). Na vida espiritual, esse princípio se concretiza na purificação ativa do intelecto. A razão humana, ferida pelo pecado original, tende à curiosidade vã, à presunção e à cegueira espiritual. A virtude da fé, portanto, não atua apenas como um conjunto de verdades a serem cridas, mas como um princípio de purificação (Garrigou-Lagrange, 1989, v. 1, p. 359). O "espírito de fé" consiste em julgar todas as coisas — a nós mesmos, ao próximo, aos acontecimentos — sob a luz da revelação. Esse exercício contínuo de submeter o juízo próprio à autoridade de Deus revelador é a verdadeira mortificação do intelecto. É o que permite à alma passar de uma visão horizontal das coisas, imersa no tempo, para uma visão vertical que as conecta ao instante imóvel da eternidade (Garrigou-Lagrange, 1989, v. 1, p. 346). A razão, assim purificada e elevada pela fé, torna-se dócil às inspirações dos dons do Espírito Santo, especialmente os de entendimento e sabedoria, que a conduzem a uma penetração viva e saborosa dos mistérios divinos, que é a contemplação infusa (Garrigou-Lagrange, 1989, v. 2, p. 313).

🌳Os Frutos da Verdadeira Filosofia: Ordem na Alma e na Sociedade

A encíclica sublinha que a restauração da filosofia tomista traria grandes benefícios para a sociedade, promovendo a ordem, a justiça e a paz (Leão XIII, 1879). Essa paz exterior, contudo, é reflexo da "tranquilidade da ordem" que deve reinar primeiro na alma. O amor-próprio desordenado é a causa de toda desunião, pois leva o homem a buscar bens materiais que dividem, em vez de bens espirituais que unem (Garrigou-Lagrange, 1989, v. 1, p. 141). Uma filosofia que não ordena o homem a Deus, seu Fim Último, inevitavelmente o deixará cativo de seu egoísmo. Ao contrário, uma filosofia realista e teocêntrica, como a tomista, ao mostrar a hierarquia dos bens, educa a vontade para que ela se conforme à vontade divina. O fruto último da sã filosofia, portanto, não é apenas uma sociedade mais justa, mas almas que, tendo seus intelectos e vontades purificados, caminham na via da perfeição, cuja meta é a união íntima com Deus, prelúdio da vida eterna.

📚Referências

GARRIGOU-LAGRANGE, R. The Three Ages of the Interior Life. 2 vols. Rockford: TAN Books, 1989.