🌩️ A grande ruptura: a igreja conciliar como inimiga da igreja de sempre
O Doutor Rama Coomaraswamy inicia sua magistral exposição estabelecendo o Concílio Vaticano II não apenas como um evento histórico, mas como o ponto de inflexão catastrófico na história da Igreja Católica. Antes deste evento nefasto, a Igreja compreendia-se a si mesma como uma "sociedade perfeita" (Societas Perfecta), um termo teológico que define a Igreja como uma entidade autossuficiente, possuindo em si mesma todos os meios e direitos necessários para alcançar seu fim sobrenatural, imutável em sua essência divina, existindo tanto no tempo quanto na eternidade, proclamando-se orgulhosamente como a "Igreja de todos os tempos". No entanto, após o vendaval conciliar, essa instituição divina passou a descrever-se com termos modernistas como "dinâmica", "progressista", uma "nova Igreja" e uma "Igreja dos nossos tempos", obcecada em uma adaptação servil da mensagem de Cristo às condições decadentes do mundo moderno.
O autor denuncia a esquizofrenia calculada dessa nova entidade eclesiástica. Enquanto introduzia modernizações drásticas e devastadoras, a hierarquia pós-conciliar enviava uma mensagem mista e enganosa aos fiéis, alegando cinicamente que "nada de essencial foi mudado" e que a Igreja estava apenas "retornando à prática primitiva". Essa contradição gerou uma confusão de lealdades que perdura há mais de quatro décadas. A razão humana, iluminada pela fé, nos diz que a Verdade - assumindo que tal coisa existe - é imutável. Os católicos sustentam, por definição, verdades eternas: que Jesus Cristo é Deus, que Ele fundou uma Igreja visível prometida para durar até o fim dos tempos, e que esta é a Igreja Católica. É um dogma de fé que esta Igreja preserva intactas e ensina as verdades e práticas reveladas por Cristo, contendo a plenitude do ensino, a Sucessão Apostólica e os sacramentos como meios visíveis de graça.
🛐 A perda da identidade e a nova religião
O texto levanta a questão fundamental que todo católico deve enfrentar: se nos chamamos "católicos" e nossa salvação depende da adesão aos ensinamentos da Igreja, devemos ter certeza absoluta de que nossas crenças e ações estão em conformidade com o que Cristo e os Apóstolos ensinaram originalmente. Em outras palavras, devemos ter certeza de que estamos na mesma Igreja que Cristo fundou. Se a Igreja pós-conciliar falhou em reter o depósito original da fé, ela, por definição, afastou-se da unidade com o corpo original, a "Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica", comprometendo a nota da indefectibilidade, que garante que a Igreja permanecerá essencialmente a mesma até o fim dos tempos.
Ninguém nega que, após o Vaticano II, a Igreja Católica tornou-se diferente. A questão crucial levantada por Coomaraswamy é se essas mudanças foram meramente cosméticas ou se envolveram pontos fundamentais de doutrina e prática. Se este último for o caso - e o autor demonstra que é -, somos forçados à terrível conclusão de que a Igreja pós-conciliar não é mais a mesma que sua contraparte pré-Vaticano II. O problema se estende a todos os níveis: doutrina, liturgia, leis canônicas, sucessão apostólica e a própria autoridade daqueles que ocupam a Cadeira de Pedro. Os católicos tradicionais, fiéis à verdade imutável, afirmam que não é a mesma Igreja; enquanto os modernistas, que negam a fixidez da verdade e reduzem a religião a um "sentimento", argumentam que é.
🗝️ A natureza do magistério e a traição da hierarquia
Para desenredar essa confusão, o autor analisa a natureza do "Magistério" ou "autoridade de ensino" da Igreja. Esta autoridade decorre logicamente do estabelecimento de uma Igreja visível e hierárquica por Cristo, destinada a ser a extensão de Sua presença na terra. A função e obrigação primordiais desta Igreja são preservar intacta e entregar a Mensagem de Cristo. Aqueles encarregados de "apascentar Suas ovelhas" não receberam autoridade alguma para ensinar qualquer outra verdade "em Seu nome" além daquela que Ele mesmo estabeleceu. Como São Paulo advertiu solenemente aos Gálatas:
"Ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos anuncie outro evangelho além do que já vos tenho anunciado, seja anátema... Porque faço-vos saber, irmãos, que o evangelho que por mim foi anunciado não é segundo os homens. Porque não o recebi, nem aprendi de homem algum, mas pela revelação de Jesus Cristo." (Gálatas 1:8-12)
Para capacitar Sua Igreja a ensinar, Cristo deixou um "Magistério Vivo" (o Papa e os bispos em união com ele), dotado de Sua autoridade e assistência. Esta função de transmissão do "depósito da fé" constitui a Tradição. Portanto, a verdadeira Igreja e o verdadeiro Magistério são, por sua própria natureza, tradicionais e conservadores no sentido estrito de guardar o que foi dado. O ensinamento do Magistério é infalivelmente verdadeiro porque depende de Deus, não do homem. Contudo, o autor faz uma distinção crítica: a afirmação de que o Magistério reside no Papa e nos bispos é verdadeira apenas quando estes, em sua função de guardiões, não se afastaram de forma alguma daquilo que foi entregue por Cristo e pelos Apóstolos. Usar a autoridade do Magistério para defender mudanças na doutrina e nos ritos é um caso clássico de suppressio veri (supressão da verdade) e suggestio falsi (sugestão da falsidade).
⚡ O papa herege e a perda do ofício
Coomaraswamy aprofunda-se na teologia do Papado, esclarecendo que a hierarquia deve pertencer à "Igreja que crê" antes de poder pertencer à "Igreja que ensina". O Papa, como Vigário de Cristo, deve ser "uma só pessoa hierárquica" com o Divino Mestre. Ele não pode ensinar algo diferente do que o Mestre ensinaria. A Igreja sempre ensinou que um Papa, como indivíduo, pode desviar-se da sã doutrina. Se ele abraçasse abertamente heresias que contradizem o depósito da fé e aderisse a elas com obstinação, ele se tornaria um herege público e, como tal, deixaria de ser Papa. Isso é lógico, pois ao abraçar a heresia, ele deixaria de ser um católico, quanto mais o representante de Cristo.
O autor cita o axioma de Santo Ambrósio, "onde está Pedro, aí está a Igreja", mas adverte que isso é válido apenas na medida em que "Pedro" permanece enraizado na ortodoxia, na "fé pura e doutrina sã". Quando ele não o faz, como ensinou o Cardeal Caetano e foi posteriormente sistematizado pelo Doutor da Igreja São Roberto Belarmino, "nem a Igreja está nele, nem ele está na Igreja". O jesuíta Cornélio a Lápide é citado com contundência:
"Se o Papa caísse em heresia pública, ele deixaria ipso facto de ser Papa; sim, deixaria até de ser um cristão fiel." (Comentário às Escrituras)
A autoridade do Papa é limitada pela própria autoridade que é a base da sua. Ele não é um déspota absoluto. O Concílio Vaticano I ensinou de maneira de fide que o Espírito Santo não foi prometido aos sucessores de Pedro para que revelassem novas doutrinas, mas para que guardassem santamente e expusessem fielmente a revelação transmitida. Portanto, se um ocupante do trono de Pedro ensina novidades, ele perde sua autoridade e legitimidade.
🛡️ A verdadeira obediência vs. a falsa obediência
Em tempos de crise, onde tantos pastores "falam coisas perversas" e se tornaram "sedutores errantes", o autor enfatiza a necessidade de definir clareza sobre a obediência. A Igreja nunca pediu aos fiéis que dessem assentimento ao erro ou se submetessem a comandos pecaminosos em nome da obediência. A obediência é devida a Cristo acima de tudo ("importa obedecer a Deus antes que aos homens"). Se alguém, em nome de Jesus, comanda ou ensina algo manifestamente contra o que Deus comandou e ensinou, estamos obrigados a desobedecer e rejeitar a nova doutrina.
Coomaraswamy cita Santo Inácio de Antioquia para reforçar a gravidade da situação: "Se um homem, por falsa doutrina, corrompe a fé de Deus... tal homem, tornando-se impuro, irá para o fogo inextinguível, assim como aquele que o ouve". Em circunstâncias normais, o Papa e os bispos apenas preservam o que sempre foi ensinado. Contudo, na situação atual, há um conflito direto entre o que é ensinado "magisterialmente" hoje e o que sempre foi ensinado no passado. É pelo ensinamento constante da Igreja que a hierarquia atual deve ser julgada.
O capítulo conclui com um apelo à responsabilidade individual do católico. Um católico não pode julgar a alma de outra pessoa, mas é obrigado a julgar o ensinamento de outra pessoa. Se não pudéssemos distinguir entre o que é católico e o que não é, não teríamos obrigação de ser católicos. Julgar que o que é ensinado hoje pela Igreja pós-conciliar contradiz o ensinamento constante da Igreja bimilenar não é julgar a alma de ninguém, mas é cumprir o dever sagrado de manter a Fé.