A Genealogia da Crise Moderna: Um Processo Revolucionário de Negação e Desordem


Otto Maria Carpeaux (2021) diagnostica a condição do homem contemporâneo como uma profunda crise de fé, cujas origens remontam à Reforma Protestante. Descreve um "caminho funesto" que, partindo da autonomia individual, progride através de sucessivas etapas ideológicas — racionalismo, iluminismo, liberalismo, imperialismo e bolchevismo — culminando num estado de niilismo, desespero e aniquilamento. O autor aponta que a perda da fé em Deus e nos valores transcendentes resultou na perda da fé no próprio homem, gerando um sentimento de culpa difuso e uma inclinação à autodestruição, manifestada no aumento dos suicídios. A inversão dos valores cristãos — ódio no lugar do amor, impotência no lugar da força, mentira no lugar da verdade — é apresentada como a consequência direta do abandono de Deus, deixando a humanidade sem rumo e sem esperança.

📜A Natureza da Crise como um Processo

A análise de Carpeaux (2021) converge com a compreensão de que a crise moderna não é um conjunto de infortúnios isolados, mas sim um processo uno, total e dominante que se desenrola há séculos. As múltiplas crises que abalam o mundo contemporâneo — na política, na família, na cultura — são, na verdade, manifestações de uma única crise fundamental que tem como campo de ação o próprio homem, em suas camadas mais profundas da alma (Oliveira, 1998).

Este fenômeno pode ser descrito como um processo crítico já cinco vezes secular, um longo sistema de causas e efeitos que, nascido em um momento específico com grande intensidade, vem produzindo sucessivas convulsões desde o século XV até os nossos dias. O "caminho funesto" mencionado não é, portanto, uma sucessão acidental de ideologias, mas a manifestação de uma só Revolução que se metamorfoseia ao longo da história, avançando de requinte em requinte (Oliveira, 1998).

⚔️A Gênese da Desordem: Orgulho e Sensualidade

A identificação da Reforma como ponto de partida da crise, com sua "autocracia do indivíduo" (Carpeaux, 2021), é de suma importância. Com efeito, a causa profunda deste processo revolucionário reside numa explosão de orgulho e sensualidade. O orgulho inspira o espírito de dúvida, o livre exame e a negação de qualquer autoridade superior, especialmente a espiritual, levando ao igualitarismo radical que odeia toda e qualquer hierarquia. A sensualidade, por sua vez, tende a derrubar todas as barreiras morais, fomentando uma revolta contra toda lei e autoridade, o que constitui o aspecto liberal da Revolução (Oliveira, 1998, p. 2).

A Reforma Protestante, ou Pseudo-Reforma, foi a primeira grande manifestação histórica desse processo. Ela implantou o liberalismo religioso e o igualitarismo eclesiástico, minando a estrutura hierárquica da Igreja e afirmando a soberania do juízo individual em detrimento do Magistério. Foi o primeiro passo para a destruição de toda a ordem legítima, que é a civilização cristã (Oliveira, 1998).

🗺️As Etapas Sucessivas da Revolução

A trajetória de "ismos" descrita por Carpeaux (2021) corresponde com notável precisão às três grandes revoluções que marcam as etapas deste processo.

A Pseudo-Reforma (I Revolução) foi o ponto de partida, introduzindo o espírito de dúvida e o igualitarismo no campo religioso.

A Revolução Francesa (II Revolução), herdeira do racionalismo e do iluminismo, representou o triunfo do igualitarismo no campo político e religioso, sob a forma de laicismo e da falsa máxima de que toda desigualdade é uma injustiça. O liberalismo político tornou-se a expressão da soberania popular contra a autoridade legítima.

O Comunismo (III Revolução), chamado de bolchevismo no texto, é a transposição dessas máximas para o campo social e econômico, investindo contra a última desigualdade: a de fortunas.

Essas três revoluções são episódios de uma só Revolução, que visa a destruição completa da ordem cristã (Oliveira, 1998, p. 2).

🌪️A Negação da Ordem e a Utopia Revolucionária

O estado de desolação espiritual descrito — "não temos mais o amor, a força, a verdade e o caminho; não temos Deus" (Carpeaux, 2021) — é o resultado lógico da destruição da ordem por excelência. A ordem que vem sendo destruída é a disposição dos homens e das coisas segundo a doutrina da Igreja, ou seja, a civilização cristã. Em seu lugar, a Revolução pretende implantar o seu oposto: uma "anti-ordem" (Oliveira, 1998, p. 16).

Ao negar o pecado original e a Redenção, a Revolução promove a utopia de um paraíso terreno a ser alcançado pela ciência, pela técnica e pela reestruturação social. Neste mundo, o homem seria autossuficiente e realizaria a felicidade definitiva sem o sobrenatural. Contudo, ao negar a Deus e a distinção entre o bem e o mal, o processo revolucionário destrói os próprios fundamentos da existência humana, conduzindo ao vazio, ao desespero e à autodestruição, como bem apontam as "cifras de suicídio" (Carpeaux, 2021). A ausência de um caminho é a consequência inevitável da negação da Verdade, que é Cristo e Sua Igreja.

🧭Conclusão

O diagnóstico apresentado por Otto Maria Carpeaux é profundamente confirmado e iluminado quando analisado através da lente de um processo revolucionário, multissecular e de caráter metafísico. A crise de fé não é um acidente histórico, mas o objetivo central de um movimento que, partindo de paixões desordenadas como o orgulho e a sensualidade, busca subverter toda a ordem legítima para implantar um estado de coisas diametralmente oposto à civilização cristã. O abandono de Deus, portanto, não é meramente uma consequência, mas a causa e o motor da Revolução que conduz o homem moderno ao "horror do aniquilamento".

📚Referências

CARPEAUX, Otto Maria. Caminhos para a Roma: Aventura, queda e vitória do espírito. Tradução de Bruno Mori. Campinas: Vide Editorial, 2021. Edição para Kindle.
OLIVEIRA, Plinio Corrêa de. Revolução e Contra-Revolução. 4. ed. São Paulo: Artpress, 1998.