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quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Monismo - Bases filosóficas do modernismo

O monismo 

É uma visão filosófica que sustenta que toda a realidade é composta por uma única substância ou princípio fundamental. Em oposição ao dualismo, que postula duas substâncias distintas (como corpo e alma, ou mente e matéria), o monismo afirma que não há separação essencial entre diferentes aspectos da existência. Tudo o que existe, segundo o monismo, deriva de uma única realidade subjacente.

Existem diferentes formas de monismo: Monismo Materialista: Acredita que toda a realidade é composta por matéria, incluindo fenômenos mentais e espirituais, que seriam manifestações ou efeitos da matéria. Monismo Idealista: Argumenta que tudo o que existe é de natureza mental ou espiritual, e que a matéria seria uma ilusão ou manifestação da mente. Monismo Neutro: Propõe que tanto a mente quanto a matéria são manifestações de uma substância mais fundamental, que não é nem puramente mental nem puramente material.

O monismo em Epicuro 

Está relacionado à sua visão materialista da realidade. Epicuro foi um filósofo grego que defendia que tudo no universo, incluindo a alma e a mente humana, é composto de átomos e vazio. Em vez de haver uma separação entre a mente (ou alma) e o corpo, como no dualismo platônico, Epicuro acreditava que ambos são feitos da mesma substância material, ou seja, átomos.

Aqui estão os principais pontos do monismo materialista de Epicuro:
Átomos e Vazio: Para Epicuro, o universo é composto exclusivamente de átomos (partículas indivisíveis) e de vazio (espaço no qual os átomos se movem). Não há outra substância ou realidade além disso. Assim, toda a existência, incluindo os fenômenos físicos e mentais, é explicada pelo comportamento dos átomos.

A Alma é Material: Epicuro rejeita a ideia de que a alma ou mente seja algo imaterial. Ele argumenta que a alma é composta de átomos muito finos e sutis, responsáveis pela vida e pela percepção. Quando o corpo morre, esses átomos se dispersam, e, consequentemente, a alma também desaparece. Isso implica que não há vida após a morte, uma crença fundamental do pensamento epicurista.

Sensações e Percepções: Para Epicuro, todas as nossas sensações e percepções são explicadas pela interação dos átomos que compõem nossos corpos com os átomos que constituem o mundo exterior. Assim, a mente não é uma entidade separada que percebe o mundo imaterialmente, mas um fenômeno material resultante da organização dos átomos no corpo.

Monismo Ético: O materialismo de Epicuro também tem implicações éticas. Ele defende que a felicidade (ou prazer, ataraxia) pode ser alcançada através do conhecimento correto da natureza e da realidade material. Ao entender que tudo é composto de átomos e que não há razão para temer a morte ou os deuses, as pessoas podem viver uma vida tranquila e livre de perturbações.

Spinoza, o epicurista

O livro Spinoza, the Epicurean: Authority and Utility in Materialism de Dimitris Vardoulakis explora a relação entre o pensamento de Baruch Spinoza e o epicurismo, focando em como ambos os sistemas filosóficos abordam as questões de autoridade e utilidade dentro do materialismo.

Vardoulakis argumenta que Spinoza, embora não seja explicitamente um epicurista, compartilha com o epicurismo certas preocupações centrais, especialmente em relação à liberdade e à superação de estruturas opressoras de poder. Ele destaca a maneira como Spinoza desafia noções tradicionais de autoridade, ao propor que a legitimidade de qualquer autoridade deve ser baseada na utilidade que ela oferece à comunidade, em vez de ser derivada de uma fonte transcendente ou divina.

Um ponto-chave da análise é a ênfase de Vardoulakis na rejeição do dualismo corpo-alma por Spinoza e sua defesa de um monismo materialista, semelhante ao de Epicuro, onde o corpo e a mente são vistos como aspectos interdependentes da existência. Essa visão tem implicações profundas para a compreensão da autonomia e da resistência às formas tradicionais de poder e controle.

Além disso, Vardoulakis investiga como o conceito de utilidade desempenha um papel central na ética política de Spinoza, enfatizando a ideia de que o bem comum e o autointeresse individual não são conflitantes, mas podem ser reconciliados em uma sociedade organizada de forma racional. Essa reconciliação é um tema que também ecoa o pensamento epicurista sobre a busca da felicidade coletiva por meio da paz e da ausência de perturbações.

O monismo em Spinoza

Baruch Spinoza, por exemplo, é famoso por seu monismo substancial. Ele acredita que há apenas uma substância, que ele chama de Deus ou Natureza (Deus sive Natura). Para Spinoza, essa substância única tem infinitos atributos, dos quais nós, humanos, conhecemos apenas dois: pensamento e extensão (ou seja, mente e corpo). Em vez de serem duas entidades separadas, mente e corpo são apenas modos diferentes da mesma substância. Isso implica que o corpo e a mente não são realidades independentes, mas expressões da mesma essência. O monismo de Spinoza tem implicações profundas para a ética e a política, pois sugere que a liberdade e a felicidade humana estão ligadas ao entendimento da nossa união com essa única substância.

Na modernidade, a data mais relevante para o monismo é 1677, com a publicação póstuma da obra Ética de Baruch Spinoza. Resumindo:
Revolução Filosófica: A obra de Spinoza introduziu um novo paradigma no pensamento ocidental, influenciando fortemente o Iluminismo e a filosofia subsequente. Seu monismo não apenas unificou mente e corpo, mas também ofereceu uma visão holística da realidade, inspirando pensadores como Leibniz, Hegel, e, mais tarde, Einstein, que admirava sua visão de Deus e da natureza.
Impacto na Filosofia da Religião: Spinoza apresentou uma visão de Deus que desafiava o teísmo tradicional, influenciando o debate sobre a natureza de Deus e a relação entre o divino e o mundo. Sua visão panteísta foi revolucionária, sugerindo que Deus não está separado da criação, mas é idêntico a ela.
Desafios ao Dualismo Cartesiano: O monismo de Spinoza foi uma crítica direta ao dualismo de René Descartes, que dominava o pensamento filosófico moderno. Spinoza argumentou que mente e corpo não são duas substâncias distintas, mas diferentes expressões de uma única realidade.

Argumentos de São Tomás de Aquino contra o monismo

Tomás de Aquino, influenciado pela filosofia aristotélica e pela teologia cristã, desenvolveu uma visão dualista da realidade que distingue claramente entre matéria e espírito, corpo e alma. Aqui estão alguns dos principais argumentos de Aquino contra o monismo, particularmente o materialista:
A Dualidade Corpo-Alma
Santo Tomás argumenta que o ser humano é composto de corpo e alma, sendo a alma imaterial e a forma substancial do corpo. Embora ambos estejam unidos para formar a pessoa humana, eles têm naturezas diferentes:Corpo: é material e sujeito à corrupção.
Alma: é imaterial, eterna e incorruptível, sendo responsável pela razão, vontade e conhecimento.
Ele rejeita a ideia monista de que a alma poderia ser composta de átomos, como propõe Epicuro, porque a alma, sendo imaterial, não está sujeita à decomposição física. Para Aquino, a alma humana não pode ser reduzida a um fenômeno material, pois realiza atividades imateriais, como o pensamento abstrato e a vontade livre.

 A Dependência do Ser Contingente em relação ao Ser Necessário
Outro argumento forte de Tomás de Aquino, apresentado em suas "Cinco Vias" (provas da existência de Deus), é a distinção entre seres contingentes e o ser necessário:Seres Contingentes: São os seres materiais que existem, mas não necessariamente, pois sua existência depende de causas externas (como os átomos em Epicuro).
Ser Necessário: É Deus, o único ser cuja existência é essencial e não depende de nada mais.
O monismo materialista de Epicuro nega a necessidade de um ser transcendente, pois tudo seria explicável por processos físicos. Aquino, por sua vez, argumenta que a existência de seres materiais depende de um ser necessário que é puro ato e não composto de partes materiais.

A finalidade e Propósito (Teleologia)
Santo Tomás também critica a visão atomista de Epicuro, que considera o universo como resultado de interações aleatórias de átomos. Para Aquino, inspirado por Aristóteles, o universo tem uma ordem e uma finalidade (teleologia) estabelecida por Deus. Cada ser tem um propósito final a que é dirigido, o que não pode ser explicado por um monismo materialista, que tende a negar a existência de um propósito intrínseco no universo.

A Ressurreição e a Vida Após a Morte
A negação de Epicuro sobre a vida após a morte, baseada no fato de que a alma seria material e perecível, é contrariada pela doutrina cristã da imortalidade da alma e da ressurreição dos corpos. Para Aquino, mesmo que o corpo físico pereça, a alma permanece, aguardando a ressurreição final. O monismo materialista é incapaz de dar conta dessa perspectiva de continuidade da vida após a morte.

A Causalidade Final e a Providência Divina
Ao contrário da visão epicurista, que vê o universo funcionando por acaso e sem propósito final, Aquino sustenta a existência de uma causalidade final em que tudo é dirigido a um fim maior. Essa ordem é fruto da providência divina, algo que o monismo materialista não reconhece, por ser limitado ao funcionamento mecânico da matéria.

Outros Filósofos Católicos
Agostinho de Hipona: Embora não seja tão sistemático quanto Aquino em suas refutações, Santo Agostinho também criticou o materialismo e defendeu a imortalidade da alma, o dualismo corpo-alma, e a dependência do ser humano em relação a Deus.
Jacques Maritain e Étienne Gilson: Filósofos neotomistas do século XX que continuaram a desenvolver argumentos contra o materialismo, o monismo e o cientificismo, defendendo uma visão cristã da pessoa humana como composta de alma e corpo.

Teologos católicos que assumem o monismo

No catolicismo tradicional, o monismo materialista é amplamente rejeitado, principalmente porque entra em conflito com doutrinas centrais da fé, como a crença na alma imortal e na vida após a morte. No entanto, alguns teólogos e pensadores católicos contemporâneos, embora não defendam um monismo materialista, exploraram ideias que podem parecer mais próximas de certos tipos de monismo não materialista, em busca de uma síntese entre ciência moderna, filosofia e teologia.

Aqui estão algumas abordagens que, embora não sejam estritamente monistas, se aproximam de uma visão unificada da realidade, preservando os princípios fundamentais da fé católica:

Teilhard de Chardin

Alguns teólogos católicos contemporâneos adotam uma visão do mundo onde tudo está profundamente conectado em Deus, sem necessariamente abandonar o dualismo alma-corpo. Essa visão pode ser descrita como uma forma de monismo teísta moderado. Eles enfatizam a ideia de que todas as coisas estão unidas em Deus como a fonte de todo ser, mas ainda mantêm a distinção entre criação e Criador.
Um exemplo pode ser encontrado em teólogos influenciados pela metafísica de Teilhard de Chardin, um padre jesuíta e paleontólogo do século XX. Ele não era exatamente monista no sentido clássico, mas sua visão de um universo em evolução contínua para uma "unificação" em Cristo pode ser lida como uma tentativa de integrar ciência e teologia em uma perspectiva mais holística e unificadora.

Teilhard de Chardin propôs a ideia de que o universo está evoluindo em direção a um ponto de convergência, o que ele chamou de Ponto Ômega, que é Cristo. Segundo ele, toda a criação está interligada e evolui progressivamente em uma direção espiritual. Embora Teilhard mantivesse a distinção entre alma e corpo, ele argumentava que o espírito está imbuído na matéria desde o início, o que poderia ser interpretado como uma visão próxima ao monismo, mas em uma estrutura cristã.

Teilhard defendia um monismo espiritual, no qual a realidade física e espiritual estão intrinsecamente conectadas e se movem juntas em direção a uma meta transcendente. Ele via Cristo como a unificação final de toda a criação. Isso difere do materialismo, pois ele enfatiza uma dimensão espiritual inerente ao processo cósmico.

Karl Rahner

O teólogo Karl Rahner, uma das figuras mais importantes da teologia católica no século XX, não defendeu um monismo, mas suas ideias sobre a graça e a presença de Deus no mundo podem ser vistas como uma tentativa de integrar a unidade de tudo sob uma perspectiva cristã. Ele argumentava que a graça divina está presente em toda a criação, o que sugere uma visão de unidade existencial, embora não dissolva as distinções entre alma e corpo ou entre Criador e criatura.

Rahner falava de uma realidade onde Deus é encontrado em toda a experiência humana, o que poderia ressoar com uma visão "monista existencial" no sentido de que tudo está relacionado com Deus. No entanto, Rahner ainda mantinha as doutrinas católicas tradicionais, como a imortalidade da alma e a ressurreição dos mortos, preservando uma distinção importante entre o espiritual e o material.

Alguns teólogos e filósofos católicos exploraram formas de panteísmo moderado ou panenteísmo, que se aproximam de uma forma de monismo, mas ainda preservam a transcendência de Deus. O panenteísmo, por exemplo, sugere que Deus está em todas as coisas (immanência), mas também as transcende. Teólogos influenciados por essa visão, como o próprio Teilhard de Chardin e alguns teólogos contemporâneos, afirmam que o mundo e Deus estão intimamente conectados sem reduzir Deus ao mundo, evitando, assim, o monismo materialista.

Datas Relevantes para o monismo

Cerca de 600 a.C.: Primeiros filósofos pré-socráticos (Tales, Anaximandro) iniciam o pensamento monista.
Cerca de 515 a.C.: Parmênides propõe sua doutrina do "Ser" como realidade única.
300 a.C.: Epicuro e Demócrito consolidam o monismo materialista atomista.
250 d.C.: Plotino formula o Neoplatonismo, propondo um monismo espiritual.
1677: Publicação da Ética de Spinoza, que propõe um monismo substancial (Deus ou Natureza).
1899: Ernst Haeckel populariza o monismo materialista na ciência com Die Welträtsel.
Década de 1920: Bertrand Russell começa a explorar o monismo neutro.