A obra "Do papa herético e outros opúsculos", de lavra de Carlos Nougué, erige-se qual baluarte de um Tomismo perene e militante, em face da maré montante dos erros que infestam o pensamento contemporâneo, inclusive, e mui dolorosamente, no seio da Santa Igreja. Trata-se de uma compilação de opúsculos que, com acribia e sem concessões ao espírito do século, dissecam temas cruciais para a reta inteligência da Fé e da razão.
Principia o autor pela necessária restauração das Artes Liberais, alicerce olvidado de uma autêntica formação intelectual, esmagado sob o peso das pedagogias modernas, vazias de substância e avessas à verdade. Prossegue, na Segunda Parte, demonstrando o primado da Lógica sobre a Gramática, incluindo um precioso apêndice sobre a arte de traduzir, que não é senão a arte de verter o logos de uma língua a outra sem trair-lhe a essência. A Terceira Parte constitui uma incursão metafísica nas operações primeiras do intelecto, onde se desfazem as névoas de certas interpretações maritainianas que obscurecem a clareza do Doutor Angélico. Na Quarta Parte, Nougué adentra o campo da Estética, aferindo com os cânones tradicionais a poesia de Hesíodo e as artes da música e do cinema, revelando o que nelas há de consonância ou dissonância com o Belo transcendental. A Quinta Parte, por sua vez, enfrenta a crítica kantiana às provas da existência de Deus, demonstrando sua inanidade, e nos brinda com um estudo do opúsculo tomista sobre a Eternidade do Mundo, que desfaz equívocos persistentes.
Todavia, é na Sexta Parte que o opúsculo titular e as questões mais candentes da atual crise eclesial encontram seu tratamento mais incisivo. Nela, Nougué desata os nós górdios das "complexas relações entre fé e razão", não para propor conciliações espúrias que sacrifiquem uma em detrimento da outra, mas para reafirmar a harmonia hierárquica legada por Santo Tomás: a razão, instrumento da Filosofia, a serviço da fé, fundamento da Teologia Sagrada. É neste contexto que se insere o ensaio medular "Do papa herético". Com destemor e fundado na Tradição e nos Doutores, o autor enfrenta a questão espinhosa, tornada ineludível pela apostasia que, desde o infausto Concílio Vaticano II, parece ter tomado de assalto a própria Cátedra de Pedro. Não se trata de especulação vã, mas de uma análise das condições sob as quais a promessa divina da indefectibilidade da Igreja se conjuga com a possibilidade – ou impossibilidade, segundo certas correntes – da defecção pessoal daquele que ocupa o Sólio Pontifício. Nougué, seguindo uma linha de pensamento robusta, ainda que minoritária em certos círculos temerosos, explora as implicações canônicas e teológicas da heresia papal, sem resvalar para as soluções simplistas do sedevacantismo absoluto, mas também sem fechar os olhos à gravidade da crise que obriga a considerar tais extremas hipóteses. A questão não é se um Papa pode desviar-se subjetivamente da Fé – o que parece historicamente atestado em casos como o de Honório I, ainda que como doutor privado –, mas se, ao fazê-lo, e especialmente se tal desvio se manifesta em atos que tangenciam o magistério (mesmo que exercido de modo "liberal" e não infalível), ele perde ipso facto sua jurisdição ou se pode ser julgado.
Ademais, a seção se completa com reflexões cruciais sobre o dever de orar pela salvação do mundo – e em que termos tal salvação é possível e desejável, distinguindo os diversos sentidos de "mundo" nas Escrituras –, sobre a Realeza social de Nosso Senhor Jesus Cristo, hoje vergonhosamente negada ou relegada a um âmbito puramente "espiritual" pelos fautores do laicismo, e uma demolidora crítica ao que denomina "corte e costura humanista", ou seja, as tentativas fúteis de remendar a doutrina católica com os farrapos da filosofia moderna e do liberalismo. É aqui que a recusa de qualquer compromisso com o erro se manifesta com clareza meridiana, reafirmando que entre a Cidade de Deus e a cidade do homem decaído não pode haver senão oposição, até que Cristo instaure todas as coisas.
Assim, "DO PAPA HERÉTICO e outros opúsculos" não se apresenta como mera coletânea de erudição, mas como um arsenal intelectual e espiritual para os católicos que, em tempos de confusão generalizada, buscam a clareza da verdade tomista e a firmeza da Fé que não se dobra aos ídolos da modernidade.
NOUGUÉ, Carlos. DO PAPA HERÉTICO e outros opúsculos. Formosa, GO: Edições Santo Tomás, 2017.