A persistência no rito da Semana Santa anterior a 1955 não é desobediência


A reflexão sobre a celebração da Semana Santa nos moldes anteriores a 1955 exige uma abordagem criteriosa, pautada na compreensão profunda dos múltiplos fatores que circundaram a implantação daquele rito e suas implicações atuais. Nesse sentido, são cinco pontos essenciais que legitimam a manutenção do uso litúrgico pré-reforma, sem incorrer em desobediência à autoridade eclesiástica, conforme Berthelot.

A reforma de 1955, embora promulgada pela Congregação dos Ritos, não contou com a assinatura direta do Romano Pontífice. Essa circunstância atenua o caráter obrigacional da nova lei litúrgica: a falta de ato pontifício expressamente pessoal implica que, na ausência de um legislador vivo e atuante, a lei não impõe o mesmo grau de obrigação. Assim, a adoção continuada do rito anterior não representa recusa deliberada, mas exercício prudente diante da situação de vacância pontifícia efetiva àquela promulgação.

A análise documental posterior à implantação do Ordo Hebdomadae Sanctae revela motivações alinhadas ao movimento litúrgico modernista, com vistas a preparar o terreno para alterações mais profundas no rito romano. Esta consciência histórica transforma a percepção do rito de 1955: o conhecimento das intenções subjacentes suscita questionamentos legítimos sobre sua adequação e coerência doutrinal, sem desmerecer o caráter religioso dos textos, mas reavaliando sua consonância com a Tradição.

O contexto eclesial atual apresenta escândalos associados à reforma pós-conciliar, evidenciando que muitas inovações de caráter experimental propiciaram desorientação teológica e litúrgica. A saúde fragilizada de Pio XII no momento da promulgação, documentada por memórias internas, reforça a percepção de que a urgência reformista ofuscou o devido discernimento. Diante desse cenário, a retomada do rito pré-1955 configura-se como medida prudencial para preservar a integridade da fé e a reverência sagrada da liturgia.

Nenhuma norma humana preenche todos os cenários possíveis. A literalidade de uma lei, quando aplicada a circunstâncias não previstas, pode frustrar o propósito que a motivou. Nesse sentido, torna-se legítimo avaliar a lei litúrgica de 1955 à luz de seu intuito: celebrar o mistério pascal de modo que edifique plenamente a comunidade cristã. Se o novo rito, em determinadas condições, empobrece o sentido sacramental, a retenção do rito anterior manifesta fidelidade ao espírito legislativo — não por arbitrariedade, mas por respeito ao valor originário da celebração.

O exercício da obediência na Igreja não se reduz à obcessão pela letra, mas abrange a escuta da finalidade divina que inspira toda norma humana. A aceitação acrítica de ordens, sem reflexão prudencial, equivale a obediência servil e contraria a tradição de santos que, em momentos diversos, questionaram práticas disciplinares prejudiciais à fé. Na falta de autoridade jurisdicional presente e atuante, o uso do rito anterior manifesta não rebeldia, mas compromisso com a verdade litúrgica e a salus animarum.

A opção pelo rito da Semana Santa anterior a 1955 fundamenta-se em avaliações histórico-teológicas, canônicas e pastorais rigorosas. Ao reconhecer a ausência de ato pontifical direto, as motivações modernistas subjacentes, o contexto de crise e a necessidade de respeitar o propósito profundo da celebração, legitima-se a continuidade do uso litúrgico pré-reforma. Essa postura reflete a busca sincera pela fidelidade à Tradição, harmonia entre letra e espírito da lei e exercício responsável da obediência.

Referências

Jean-Michel RIOULT. Estudos sobre a reforma litúrgica: história e crítica. Rennes: Éditions Liturgia, 2010.
Tristan Berthelot. Estamos desobedecendo a Pio XII? SEMINÁRIO SÃO JOSÉ. Publicado em 14 maio 2025. Disponível em: https://www.seminariosaojose.org/post/estamos-desobedecendo-a-pio-xii. Acesso em: 15 maio 2025.