O Sacrifício de muitos sacerdotes: superficialidades sociológicas e psicológicas


O artigo "Perdemos mais um. Até quando?", de autoria do Pe. Lício de Araújo Vale, parte da trágica notícia do suicídio do Padre Matteo Balzano, na Itália, para tecer uma reflexão sobre a crise que aflige o sacerdócio católico na era pós-conciliar. O autor inicia com um lamento e um apelo à oração e à empatia, para em seguida apresentar dados alarmantes: entre agosto de 2016 e junho de 2023, quarenta padres teriam tirado a própria vida no Brasil.

Pe. Lício Vale atribui esta crise a um fenômeno "complexo e multifatorial", cujos principais fatores de risco seriam o estresse, a solidão, a cobrança excessiva e o "clericalismo", este último citado a partir de uma declaração de Francisco. A análise se aprofunda ao postular um conflito entre a "imagem teológica" do sacerdote e sua "imagem sociológica" na sociedade pós-moderna, individualista e secularizada. Sugere que esta dissonância pode levar o presbítero a uma "personalidade fragmentada" e a transtornos psíquicos. Como solução, o autor propõe uma melhor formação humano-afetiva nos seminários, a criação de "estratégias pastorais" para o cuidado dos padres e o enfrentamento do preconceito em relação à saúde mental.

A análise apresentada, embora parta de uma genuína compaixão e identifique sintomas reais de uma profunda crise, padece de uma miopia fundamental. Ela opera inteiramente dentro do quadro de referências e da linguagem do problema que pretende diagnosticar, falhando em identificar a sua causa teológica primária. O método empregado recorre ao psicologismo e à sociologia para explicar um fenômeno que é, em sua essência, de ordem doutrinal e litúrgica.

O erro capital da análise reside na premissa de que a crise sacerdotal é um produto dos "desafios da sociedade pós-moderna" ou de uma falha na gestão da "saúde mental". Estes são meramente os efeitos secundários e os catalisadores de uma desintegração muito mais profunda: a destruição da identidade ontológica do sacerdócio católico, operada sistematicamente pela reforma litúrgica que se seguiu ao Concílio Vaticano II.

Um extenso estudo teológico sobre a Missa de Paulo VI demonstra como esta nova liturgia, ao redefinir a Missa, inevitavelmente redefiniu o sacerdote. O problema não é, como sugere o artigo, um conflito entre uma "imagem teológica" e uma "imagem sociológica", mas sim o fato de que a nova "imagem teológica" do sacerdote é, ela mesma, uma construção sociológica e protestantizada.

O sacerdote do Rito Romano tradicional sabia quem era porque sabia o que fazia: ele era o homem consagrado, o sacerdos, separado do povo para oferecer a Deus o Sacrifício Propiciatório da Missa. Sua identidade não era uma projeção psicológica, mas uma realidade sacramental objetiva, manifestada em cada gesto e oração do rito. Ele oferecia o Sacrifício in persona Christi, como um alter Christus.

A reforma litúrgica, no entanto, demoliu este edifício. A Missa deixou de ser primariamente Sacrifício para se tornar a "ceia do Senhor", o "memorial do Senhor" ou a "assembleia sagrada". Consequentemente, o sacerdote foi despojado de sua função essencial. Deixou de ser o homem do Sacrifício para se tornar o "presidente da assembleia" (CEKADA, 2010, p. 157-162). Seu papel tornou-se funcional, não sacrificial. A Instrução Geral do Missal Romano de 1969 o descreve como aquele que "preside", "saúda a comunidade", "dirige a oração", "anuncia a boa nova" – tarefas mais próximas de um animador ou mestre de cerimônias do que de um sacerdote que oferece a Vítima Divina a Deus Pai.

O autor do artigo lamenta que os padres se sintam esmagados pela solidão, pelo estresse e pela cobrança, mas não percebe que estes são os frutos inevitáveis de um ofício esvaziado de seu conteúdo sobrenatural. O que se espera de um "presidente de assembleia" senão que ele seja um bom comunicador, um agregador, um terapeuta comunitário, um "Padre Chuck"? Quando sua identidade está atrelada não mais ao Sacrifício objetivo do Altar, mas à resposta subjetiva da "comunidade", é natural que ele sucumba à pressão de "atuar" e ao desespero da "solidão" quando a comunidade não responde como esperado.

O texto menciona a necessidade de "ser pessoa" antes de "ser padre". Esta é uma inversão perigosa e sintomática da mentalidade moderna. A graça do sacramento da Ordem não anula a pessoa, mas a eleva, a conforma a Cristo Sumo Sacerdote e a define ontologicamente. A crise não advém de padres que "se distanciam de sua humanidade", mas de uma reforma que os distanciou de seu sacerdócio.

A remoção sistemática dos elementos sacrificiais do rito, como a abolição do Ofertório tradicional e sua substituição pela "Preparação dos Dons" (CEKADA, 2010, p. 349-351), e a transformação das Palavras da Consagração de uma fórmula sacramental em uma mera "Narrativa da Instituição" (CEKADA, 2010, p. 418), corroeu a própria razão de ser do padre. Sem o Sacrifício para oferecer, o sacerdócio se torna um ofício sem propósito, uma função social vazia.

Portanto, as soluções propostas – mais psicologia, mais formação afetiva, mais "estratégias pastorais" – são como aplicar bandagens a uma ferida mortal. Elas não restaurarão a identidade do sacerdote porque não restauram o Santo Sacrifício da Missa, que é a fonte e o centro de sua existência. A crise do sacerdócio é, antes de tudo, uma crise da Missa. Um padre que celebra um rito que, em sua estrutura e teologia, minimiza ou nega o Sacrifício, a Presença Real e seu próprio papel como sacerdos, está fadado a uma crise de identidade. Ele é um homem a quem se pediu que fosse tudo para todos, precisamente porque lhe foi tirado aquilo que ele unicamente era para Deus.

Enquanto a análise não transcender a superficialidade das categorias sociológicas e psicológicas para atingir a raiz teológica e litúrgica do problema, continuaremos a contar nossos mortos e a perguntar, em vão, "Até quando?". A resposta está na restauração daquilo que foi destruído: a Missa Católica de sempre, que é a única que pode dar à Igreja verdadeiros sacerdotes.

Referências

CEKADA, Anthony. Obra de Mãos Humanas: Uma crítica teológica à Missa de Paulo VI. Tradução de Felipe S. de Paula. Brooksville: Philothea Press, 2010.