04 JULHO - OITAVA DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS


Missa da festa do Sagrado Coração de Jesus

Introito (Sl 32, 11 e 19 | ib., 1)Cogitatiónes Cordis eius in generatióne et generatiónem... Seu Coração pensa, de geração em geração, para livrar da morte as suas almas e para os nutrir na fome. Sl. Exultai, ó Justos, no Senhor: os retos de coração devem louvá-Lo..

Epístola (Ef 3, 8-19)
Irmãos: A mim, o mínimo de todos os santos [Cristãos], foi dada a graça de anunciar entre os gentios as incompreensíveis riquezas do Cristo, e de esclarecer a todos qual seja a economia do Mistério escondido, desde o princípio dos séculos, em Deus, que criou todas as coisas. Agora, porém, aos principados e potestades nos céus, se patenteia pela Igreja a multiforme sabedoria de Deus segundo a determinação eterna que fez em Jesus Cristo, Nosso Senhor. N’Ele temos a liberdade e o acesso com a confiança, pela fé que n’Ele professamos. Por esta razão é que dobro os joelhos diante do Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, do qual toda a grande família, que está no céu e na terra, toma o nome, para que, segundo as riquezas de sua glória, vos conceda sejais fortalecidos em virtude, segundo o homem interior, por seu Espírito. E o Cristo habite pela fé em vossos corações, arraigados e fundados no Amor para que possais compreender com todos os Santos, qual seja a largura e o comprimento, a altura e a profundidade [deste Mistério do Cristo] e conhecer também aquele Amor do Cristo, que excede a toda ciência, para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus.

Evangelho (Jo 19, 31-37)
Naquele tempo (como era a preparação da Páscoa), para que não ficassem na cruz os corpos em dia de sábado, (porque aquele dia de sábado era de grande solenidade) rogaram os judeus a Pilatos que se lhes quebrassem os ossos e os corpos fossem tirados. Vieram pois os soldados e quebraram os ossos ao primeiro, e ao outro que com Ele fora crucificado. Ao chegarem depois a Jesus, como O viram já morto, não Lhe quebraram os ossos, mas um dos soldados Lhe abriu o lado com uma lança; e imediatamente saiu sangue e água. E aquele que o viu, deu testemunho e seu testemunho é verdadeiro. E ele sabe que disse a verdade, para que também o creiais. Estas coisas aconteceram portanto, para que se cumprissem as palavras da Escritura: Não Lhe quebrareis osso algum. E também diz outro lugar da Escritura: Verão Aquele a quem traspassaram.

Reflexões
  1. O coração traspassado de Cristo na cruz revela o abismo do amor divino, que não apenas redime, mas convida a humanidade a participar da intimidade de Deus, pois a água e o sangue que jorram simbolizam os sacramentos do batismo e da eucaristia, que unem a Igreja ao seu Esposo (Santo Agostinho, Tratado sobre o Evangelho de João, 120, 2). Este amor, manifestado no coração aberto, é a plenitude da caridade que excede todo entendimento, como nos ensina a Epístola, pois Cristo, ao habitar em nossos corações pela fé, nos eleva à comunhão com a Trindade, transcendendo a mera justiça humana (Santo Tomás de Aquino, Comentário à Carta aos Efésios, 3, 17-19). A providência divina, cantada no Introito, ordena todas as coisas para a salvação, de modo que o coração de Jesus, ferido pela lança, é o trono da misericórdia onde a criação encontra sua redenção, unindo a justiça à bondade infinita (Santo Ambrósio, Exposição do Salmo 32, 11). Assim, a solenidade do Sagrado Coração não é apenas memória, mas convite a mergulhar na profundidade do mistério pascal, onde o amor de Deus se torna visível e acessível a todos os que creem (São Bernardo de Claraval, Sermão sobre o Cântico dos Cânticos, 61, 3).
  2. O relato de João 19, 31-37, que descreve a lança traspassando o lado de Cristo, é único entre os Evangelhos, pois apenas João destaca a efusão de sangue e água, apontando para os sacramentos e a origem da Igreja. Mateus (27, 50-54) menciona o véu do templo rasgado e os mortos ressuscitando, enfatizando o impacto cósmico da morte de Cristo, mas não o detalhe do coração traspassado. Marcos (15, 37-39) foca na confissão do centurião, reconhecendo Jesus como Filho de Deus, sem referência aos elementos sacramentais do sangue e da água. Lucas (23, 46-49) sublinha a entrega do espírito de Jesus e a reação dos espectadores, mas omite a lança e seus efeitos. João, ao destacar o cumprimento da Escritura e a testemunha ocular, oferece uma perspectiva teológica que conecta o evento diretamente à fundação da Igreja, um aspecto não explicitado nos sinóticos.
  3. Em Romanos 5, 8-11, Paulo complementa essa ideia ao afirmar que Deus prova seu amor por nós ao entregar Cristo enquanto éramos pecadores, destacando a iniciativa divina na reconciliação, um aspecto menos enfatizado em Efésios. Em 1 Coríntios 2, 9-10, Paulo fala das coisas que Deus preparou para aqueles que o amam, reveladas pelo Espírito, sugerindo uma conexão com a habitação de Cristo nos corações, mencionada em Efésios, mas com ênfase no papel do Espírito Santo. Já em Filipenses 2, 6-11, a kénosis de Cristo, que se esvazia por amor, oferece uma perspectiva sobre a humildade do Sagrado Coração, que se entrega até a morte, um tema implícito, mas não diretamente abordado na Epístola de Efésios.
  4. A encíclica Annum Sacrum (1899) de Leão XIII destaca a consagração do gênero humano ao Sagrado Coração como resposta ao amor revelado na cruz, complementando a Epístola ao enfatizar a devoção universal como meio de restaurar a sociedade em Cristo, um aspecto não explícito nos textos litúrgicos. O Missale Romanum (edição de 1962) reforça, em suas orações para a festa, a ideia de que o coração de Jesus é a fonte de toda graça, ecoando o sangue e a água de João, mas adicionando a noção de reparação pelos pecados humanos. A bula Auctorem Fidei (1794) de Pio VI, ao condenar erros jansenistas, sublinha a centralidade do amor misericordioso de Cristo, presente no coração traspassado, como fundamento da verdadeira piedade, oferecendo uma dimensão pastoral não diretamente abordada nas leituras da festa.