Livro - Acusação contra Paulo VI, de Georges de Nantes (acusa de heresia, cisma e escândalo)


O Liber Accusationis in Paulum Sextum (“Livro de Acusação contra Paulo VI”) é uma obra polêmica escrita pelo Abbé Georges de Nantes (1924–2010), sacerdote católico francês, teólogo e fundador da Liga da Contra-Reforma Católica (CRC). Publicado em 1973, o livro foi apresentado oficialmente ao Vaticano em 10 de abril daquele ano, em um ato simbólico acompanhado por cerca de 60 delegados, configurando uma denúncia formal contra o Papa Paulo VI. A obra reflete a resistência de setores tradicionalistas às reformas do Concílio Vaticano II (1962–1965) e ao pontificado de Paulo VI, acusado por Nantes de comprometer a fé católica tradicional.

No Liber Accusationis, Georges de Nantes acusa Paulo VI de heresia, cisma e escândalo, argumentando que suas reformas e ensinamentos pós-conciliares conduziam à destruição da doutrina e da prática católicas tradicionais. A obra critica especialmente o que Nantes via como um humanismo antropocêntrico, a exaltação do homem em detrimento da transcendência divina, a negação prática da realeza de Cristo e as mudanças litúrgicas e eclesiológicas promovidas após o Concílio, como a introdução da Nova Missa (Novus Ordo Missae). Nantes chegou a afirmar que Paulo VI estava transformando Roma no “trono do Anticristo”, uma acusação que chocou muitos na Igreja e intensificou o caráter controverso do documento.

O livro é estruturado em capítulos que analisam detalhadamente as reformas do Vaticano II, incluindo a liberdade religiosa, o ecumenismo e a reformulação da liturgia, que Nantes considerava desvios da tradição católica. Ele também questionava a legitimidade teológica de certos documentos conciliares, como a constituição pastoral Gaudium et Spes, por seu suposto enfoque secular.

Georges de Nantes nasceu em 3 de abril de 1924, em Toulon, França, e foi ordenado sacerdote em 1948. Formado pelo Instituto Católico de Paris, destacou-se por seu brilhantismo teológico e sua dedicação à doutrina católica tradicional. Inicialmente vinculado à diocese de Grenoble, ele se tornou uma figura proeminente entre os tradicionalistas após o Concílio Vaticano II, cuja abertura ao mundo moderno (aggiornamento) ele considerava uma traição à fé.

Em 1967, Nantes fundou a Ligue de la Contre-Réforme Catholique (CRC), uma organização dedicada a preservar o catolicismo pré-conciliar e a combater as reformas do Vaticano II. Através da CRC, ele publicava a revista La Contre-Réforme Catholique au XXe siècle, onde expunha suas ideias e críticas. Sua postura intransigente o levou a confrontos diretos com a hierarquia eclesiástica, mas ele sempre manteve comunhão formal com a Igreja, rejeitando o sedevacantismo adotado por outros grupos tradicionalistas. Faleceu em 15 de fevereiro de 2010, deixando um legado duradouro entre os católicos tradicionalistas.

A resposta do Vaticano às acusações de Nantes foi severa. Já em 1969, antes da publicação oficial do Liber Accusationis, a Congregação para a Doutrina da Fé notificou o sacerdote, exigindo que ele se retratasse de suas críticas públicas ao Papa e ao Concílio. Nantes, no entanto, recusou-se a ceder. Em 1983, uma nova notificação da Santa Sé reiterou a gravidade de suas acusações, considerando-as incompatíveis com a fidelidade eclesial. Apesar dessas censuras, Nantes não foi formalmente excomungado, mas foi suspenso a divinis, o que o impedia de celebrar publicamente os sacramentos.

O Liber Accusationis in Paulum Sextum tornou-se uma obra emblemática da resistência tradicionalista ao Concílio Vaticano II e ao aggiornamento da Igreja nas décadas de 1960 e 1970. Embora polêmico, o livro continua sendo referência para grupos que criticam as reformas pós-conciliares, como a Fraternidade Sacerdotal São Pio X e outros movimentos tradicionalistas. Publicado originalmente em francês, é considerado uma peça rara, mas ainda pode ser encontrado em sebos, livrarias especializadas na França e em formato digital em sites ligados à CRC, como o CRC-Resurrection.

A obra de Nantes deve ser compreendida no contexto da crise de identidade que a Igreja Católica enfrentou após o Vaticano II. As reformas litúrgicas, o diálogo inter-religioso e a abertura ao mundo moderno geraram tensões entre setores progressistas e tradicionalistas. O Liber Accusationis representa o ápice do descontentamento de uma ala conservadora que via nas mudanças uma ruptura com a tradição milenar da Igreja. Apesar de sua linguagem inflamada e de suas acusações graves, o livro é um documento histórico que ilustra o fervor ideológico de uma época de intensos debates teológicos.