Livro - Do Liberalismo à Apostasia: A Tragédia Conciliar, de autoria de Monsenhor Marcel Lefebvre


A obra de Monsenhor Lefebvre é uma denúncia contundente e sistemática do que ele identifica como o erro fundamental dos tempos modernos: o Liberalismo. Para o autor, o Liberalismo não é apenas uma filosofia política, mas um erro teológico e moral de raiz satânica, cuja consequência lógica e inevitável é a apostasia, ou seja, o abandono da fé cristã. A "Tragédia Conciliar" do subtítulo refere-se ao Concílio Vaticano II, que, na visão de Lefebvre, representa o triunfo e a consagração dos princípios liberais dentro da própria estrutura da Igreja Católica, culminando em uma "revolução com tiara e pluvial".

Parte I: O Liberalismo – Princípios e Aplicações
Lefebvre traça as origens do Liberalismo, argumentando que suas raízes não são recentes, mas remontam a movimentos que minaram a cristandade:

Origens Intelectuais e Históricas:
Renascimento e Naturalismo: O autor aponta o Renascimento como o início do processo, com sua exaltação do homem e da natureza em detrimento da graça e do sobrenatural.
Protestantismo: A Reforma Protestante, ao negar a hierarquia e o magistério da Igreja e promover o "livre exame", teria levado a um subjetivismo religioso e a uma separação entre a fé (relegada à esfera privada) e a vida pública.
Iluminismo e Racionalismo: Esses movimentos teriam deificado a razão humana, tornando-a a norma suprema da verdade e do bem, e cortando sua subordinação à Revelação Divina.
Maçonaria: Lefebvre identifica a Maçonaria como a principal força organizada por trás da disseminação desses erros, com um plano deliberado para destruir a ordem social cristã e a Igreja.

Princípios do Liberalismo:
O erro fundamental do liberalismo é a proclamação da independência absoluta do homem. Isso se manifesta em diversas "liberdades" que Lefebvre condena:
Liberdade de consciência e de culto: O direito de cada indivíduo escolher sua religião ou não ter nenhuma, o que coloca a verdade e o erro em pé de igualdade. Para Lefebvre, isso leva ao indiferentismo religioso e, em última análise, ao ateísmo de Estado.
Liberdade de imprensa e de ensino: O direito de propagar quaisquer ideias, mesmo as falsas e imorais, o que corrompe a sociedade.
Separação entre Igreja e Estado: Lefebvre defende o ideal da "Cidade Católica", onde o Estado reconhece a verdadeira religião (a Católica), subordina suas leis à Lei de Deus e atua como o "braço secular" da Igreja, protegendo a fé e a moral. A separação é vista como a apostasia legal da sociedade.
O oposto do liberalismo é o Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo, doutrina central na obra, que afirma que Cristo deve reinar não apenas sobre os indivíduos, mas sobre as sociedades, as leis e os governos.

Parte II: O Catolicismo Liberal – A Grande Traição
Esta é a parte mais criticada pelo autor, pois trata do "inimigo interno".
O Católico Liberal: É aquele que, embora se diga católico, tenta conciliar os princípios da Igreja com os da "Revolução" (os princípios liberais de 1789).
A Falsa Distinção "Tese-Hipótese": Os católicos liberais admitem a doutrina da Igreja como a "tese" (o ideal), mas argumentam que, na prática (a "hipótese"), dadas as circunstâncias do mundo moderno, é preciso aceitar o pluralismo, a liberdade religiosa e a separação entre Igreja e Estado.
Incoerência e Apostasia Prática: Lefebvre considera essa postura uma traição, uma falta de fé na verdade e uma rendição ao espírito do mundo. Ele critica figuras como Lamennais, Jacques Maritain e Yves Congar por promoverem essa reconciliação, que ele vê como um abandono do dever de lutar pelo Reinado de Cristo.

Parte III: A Conspiração Liberal Contra a Igreja
Nesta seção, Lefebvre apresenta documentos da Alta Venda dos Carbonários (uma sociedade secreta ligada à Maçonaria) que, segundo ele, revelam um plano de longo prazo para subverter a Igreja por dentro. O plano consistia em:
Infiltrar o clero com ideias liberais.
Formar uma geração de padres, bispos e cardeais imbuídos desse espírito.
Eventualmente, eleger um Papa que, pensando estar a renovar a Igreja, implementaria a agenda liberal.
Para Lefebvre, este plano diabólico explica os acontecimentos do século XX.

Parte IV: Uma Revolução com Tiara e Pluvial (O Vaticano II)
Esta parte é a culminação de toda a argumentação. O Concílio Vaticano II é apresentado como a realização bem-sucedida da conspiração liberal.
A Mistificação do Concílio: Lefebvre argumenta que o Concílio foi manipulado desde o início por uma minoria liberal organizada (a "Aliança Europeia" de cardeais) que conseguiu rejeitar os esquemas preparatórios tradicionais e impor sua própria agenda.
O Espírito do Concílio: Foi um espírito de pacifismo, diálogo e uma falsa noção de "abertura ao mundo", que substituiu o espírito missionário de conversão. O "culto do homem" teria substituído o culto a Deus.
A Liberdade Religiosa: A Declaração Dignitatis Humanae é o documento central da "apostasia". Ao proclamar o direito à liberdade religiosa para todas as crenças, o Concílio teria oficializado o indiferentismo do Estado, destruído o direito público da Igreja e destronado Cristo Rei.
As Reformas Pós-Conciliares: Todas as reformas que se seguiram (litúrgica, do direito canônico, a política da Ostpolitik de diálogo com regimes comunistas, etc.) são vistas como consequências lógicas e desastrosas dos princípios liberais adotados no Concílio.
Paulo VI, o "Papa Liberal": Lefebvre analisa a figura de Paulo VI como a de um homem dividido, de psicologia liberal, que, apesar de algumas afirmações tradicionais, presidiu e promoveu a "autodemolição da Igreja".

O livro conclui que a crise pós-conciliar não é uma má interpretação do Concílio, mas sua aplicação fiel. Diante dessa "apostasia" vinda do topo, o autor defende a necessidade de resistir às novidades e permanecer fiel à Tradição imutável da Igreja, personificada nos Papas anti-liberais como Pio IX e Pio X. O remédio para a crise é rejeitar o liberalismo em todas as suas formas e trabalhar pela restauração da Cidade Católica, começando pela Missa tradicional, a sã doutrina e a luta pelo Reinado Social de Cristo.