O Milagre da Partilha e a Multiplicação da Heresia, segundo Leão XIV


Em uma notícia datada de 30 de junho de 2025, relata-se que Leão XIV, em uma mensagem oficial à 44ª sessão da Conferência da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, promoveu uma reinterpretação do milagre da Multiplicação dos Pães e dos Peixes. Segundo o texto, o prelado afirma que “o verdadeiro milagre realizado por Cristo foi mostrar que a chave para superar a fome reside na partilha e não na acumulação avidamente”.

A notícia destaca a sutileza da linguagem, como o uso de aspas na palavra “multiplicação”, e contextualiza a declaração como uma continuação direta das teses já defendidas pelo seu predecessor imediato, “Francisco” (Jorge Mario Bergoglio), que em 2013 teria afirmado que o milagre consistiu “numa partilha, não numa multiplicação”. O artigo contrapõe essa visão modernista com a exegese tradicional de Santos Doutores como Santo Agostinho de Hipona e de comentadores clássicos como Cornelius à Lapide e George Leo Haydock, que unanimemente defendem a realidade de uma multiplicação sobrenatural do alimento. Por fim, o autor da notícia conclui que tal reinterpretação serve a um propósito maior: reduzir o Catolicismo a um mero humanitarismo naturalista, esvaziando a fé de seu conteúdo sobrenatural para adequá-la a uma agenda de “fraternidade humana” anticatólica.

A tese apresentada por Leão XIV não constitui um evento isolado ou uma mera imprecisão exegética, mas sim a aplicação consistente de um princípio modernista fundamental: a sistemática naturalização do sobrenatural. Este método consiste em esvaziar os atos divinos de seu conteúdo miraculoso e reduzi-los a meras lições de moralidade ou a fenômenos psicológicos e sociais. O milagre, portanto, deixa de ser uma intervenção direta de Deus na ordem criada para se tornar um símbolo de uma ação puramente humana – neste caso, a “partilha”.

Este exato procedimento foi o motor por trás da reforma litúrgica pós-conciliar. Um exame minucioso das orações revisadas do Missal de Paulo VI demonstra como referências a milagres, tanto os da vida de Nosso Senhor quanto os da vida dos Santos, foram sistematicamente removidas ou ofuscadas. Em um estudo aprofundado, nota-se que mesmo o milagre da ressurreição de Lázaro foi expurgado das orações, e alusões à aparição de Nossa Senhora em Lourdes ou aos milagres dos Santos foram metodicamente suprimidas, sob o pretexto de que tais relatos não se adequavam à “mentalidade do homem contemporâneo” (CEKADA, 2010, p. 305-306). O que se observa na mensagem à FAO é, portanto, a mesma lógica destrutiva aplicada não mais veladamente nas comissões de reforma, mas abertamente a partir do mais alto posto da hierarquia modernista.

A consequência teológica imediata é a inversão da ordem da fé. A doutrina católica sempre foi teocêntrica: o homem reconhece a ação de Deus e a ela responde com fé e adoração. Na nova teologia, a perspectiva torna-se antropocêntrica: a ação do homem (partilhar) é elevada à categoria de “verdadeiro milagre”, enquanto a ação de Deus (multiplicar) é rebaixada a uma metáfora ou, na melhor das hipóteses, a um evento secundário. Esta inversão espelha perfeitamente a teologia da “assembleia” que fundamenta a Missa Nova, onde o foco se desloca do Sacrifício oferecido a Deus para a comunidade que se reúne e celebra a si mesma.

Ademais, a reinterpretação ignora e contradiz deliberadamente a Patrística, da qual alega extrair sua legitimidade. O autor da notícia cita acertadamente Santo Agostinho, que no seu Tratado sobre o Evangelho de João não deixa margem para dúvidas: “Pois, de onde Ele multiplica a produção dos campos de alguns grãos, da mesma fonte Ele multiplicou em Suas mãos os cinco pães. O poder, de fato, estava nas mãos de Cristo”. O Santo Doutor, cujo nome o prelado supostamente ostenta como “filho”, é aqui tratado com o mesmo desdém com que os reformadores litúrgicos trataram a tradição: como uma fonte a ser citada apenas quando conveniente e ignorada quando contraditória. Isso revela não um “retorno às fontes”, mas uma manipulação espúria da Tradição para justificar uma ruptura com ela.

Finalmente, ao naturalizar a Multiplicação dos Pães, ataca-se frontalmente a sua mais importante significação tipológica: a prefiguração da Sagrada Eucaristia. Como o próprio Nosso Senhor ensina no capítulo 6 de São João, o milagre do pão multiplicado que sacia a fome terrena é um sinal que aponta para o verdadeiro Pão do Céu, que é a Sua Carne para a vida do mundo. Se a multiplicação física nunca ocorreu, mas foi apenas um “símbolo da partilha”, então a própria Eucaristia corre o risco de ser vista não mais como a Presença Real e substancial de Cristo, mas como um mero símbolo da comunhão e partilha fraterna entre os homens. A destruição do tipo leva, inevitavelmente, à destruição da compreensão do antítipo.

Em suma, a declaração de Leão XIV é um exemplo paradigmático da forma mentis modernista. Sob o pretexto de caridade e preocupação social, avança-se na demolição de um dogma fundamental da fé, substituindo o poder infinito de Deus pela limitada virtude do homem.

Referências

CEKADA, Anthony. Obra de Mãos Humanas: Uma crítica teológica à Missa de Paulo VI. 2. ed. Cincinatti: Philothea Press, 2010.