⚔️O Assalto Antropocêntrico à Lei Natural feito pelo humanismo moderno


  1. A tese de que o modernismo visa fundamentalmente a destruição da lei natural no seio da Igreja Católica revela-se como uma consequência inevitável dos seus princípios fundantes. Este processo não é um objetivo isolado, mas o resultado lógico de uma inversão radical: a substituição de uma religião teocêntrica por uma religião antropocêntrica. A presente análise, fundamentada estritamente na obra Prometeo: la religión del hombre, demonstrará como esta subversão da lei natural se articula através da elevação do homem a fim último da criação, da absolutização da liberdade como valor supremo e da instrumentaliazação do subjetivismo, do historicismo e de uma nova concepção de "pastoralidade" como mecanismos para efetivar essa dissolução.
  2. A raiz de toda a hostilidade à lei natural reside no princípio antropocêntrico que define o humanismo moderno. A religião católica tradicional ordena toda a realidade a Deus como único princípio e fim último (Calderón, 2010, p. 4). Neste sistema, a lei natural é a participação da criatura racional na ordem divina, expressando uma verdade objetiva e externa à qual o homem deve se conformar para alcançar seu fim. O humanismo, contudo, opera uma inversão completa. Ele "põe o bem do homem como finalidade da criação" (Calderón, 2010, p. 17). Quando o homem, em sua dignidade, se torna o "centro e cume de todas as coisas" (Calderón, 2010, p. 16), qualquer lei que se apresente como superior e externa à vontade humana torna-se um obstáculo intolerável. A lei natural, por sua própria natureza, subordina o homem a uma ordem que ele não criou, algo inaceitável para a nova "Religião do Homem".
  3. Para justificar esta nova ordem antropocêntrica, é necessário um valor supremo que fundamente a autonomia do homem, e este valor é a liberdade. Contudo, não se trata da liberdade para aderir à verdade e ao bem, mas da "liberdade entendida sobretudo como faculdade de eleger o bem ou o mal" (Calderón, 2010, p. 38). Para o humanismo, é precisamente nesta capacidade de escolha autônoma que reside a máxima dignidade humana. A lei natural, ao estabelecer proibições absolutas e indicar que certos atos são intrinsecamente maus, representa a negação direta dessa liberdade soberana. Ela impõe um limite que o "não servirei" (non serviam) do homem moderno não pode aceitar. A destruição da lei natural é, portanto, uma condição necessária para que a liberdade, concebida como pura autodeterminação, possa se afirmar como valor absoluto, superior à própria verdade e ao bem (Calderón, 2010, p. 129).
  4. Os mecanismos intelectuais para efetuar essa destruição são o subjetivismo e o historicismo. O subjetivismo conciliar, pilar de todo o sistema modernista, é encapsulado na tese da "inadequação das fórmulas dogmáticas". Sob este princípio, a Revelação divina não consiste na comunicação de doutrinas (verdades lógicas), mas na manifestação de uma realidade misteriosa (verdade ontológica), que as fórmulas humanas jamais podem expressar adequadamente (Calderón, 2010, p. 41). Consequentemente, a lei natural deixa de ser um conjunto de preceitos universais para se tornar uma "realidade misteriosa" da dignidade humana, cujas normas são sempre mutáveis. Este relativismo é reforçado pelo conceito de "Tradição viva", segundo o qual a Igreja deve se adaptar continuamente ao "‘hic’ cultural e do ‘nunc’ histórico", modificando não apenas sua pregação, mas "sua organização, sua liturgia, seus costumes" (Calderón, 2010, p. 117), o que logicamente inclui as leis morais.
  5. Esta subversão culmina na primazia da consciência, descrita como o "latrocínio de Prometeo": o roubo do fogo divino do juízo moral para entregá-lo aos homens. O subjetivismo moderno "subverte este tribunal [da sabedoria objetiva] ao negar a universalidade do conhecimento", resultando na ausência de "qualquer autoridade sobre a terra que julgue sua conduta" (Calderón, 2010, p. 45). A consciência individual, agora "liberada" da tirania da verdade objetiva, torna-se a instância suprema que não mais aplica uma lei externa, mas cria a sua própria norma. Mesmo quando se tenta religar a consciência a Deus, a lei natural é apresentada não como um conjunto de proposições claras, mas como uma "misteriosa impressão ou influência da Presença divina", uma "inclinação misteriosa do coração" (Calderón, 2010, p. 47), o que, na prática, a torna inoperante como norma objetiva e a submete ao arbítrio da experiência imanente.
  6. Finalmente, a redução da doutrina e da moral a uma função meramente "pastoral" fornece a justificativa pragmática para essa demolição. Ao se definir como um concílio "pastoral" e não dogmático, o Vaticano II estabeleceu como método não mais "definir dogmas e anatematizar", mas sim "retirar da mensagem evangélica o traje apertado da escolástica" para dialogar com o mundo moderno (Calderón, 2010, p. 32). Esta "pastoralidade" exige o sacrifício da clareza e da firmeza da doutrina moral em nome da adaptação ao homem contemporâneo, cujo fim último não é mais a glória de Deus, mas a promoção da dignidade humana. Neste esquema, a lei natural, com suas exigências firmes e muitas vezes contrárias à "sensibilidade moderna", torna-se um obstáculo que deve ser contornado, reinterpretado ou silenciado em nome de uma pastoral que, no fundo, serve não à Religião de Cristo, mas àquilo que a obra define como "a Religião do Homem".
  7. Referências : CALDERÓN, Álvaro. Prometeo: la religión del hombre: ensayo de una hermenéutica del Concilio Vaticano II. La Reja, 2010.